As mais amplas liberdades, como costumava dizer o dr. Álvaro Cunhal, arrecadaram mais uma vitória com o recuo do Partido Socialista na anunciada intenção de proibir piercings e tatuagens em menores. Se isto é ou não consequência de um abaixo-assinado “Pela Liberdade, pela Democracia, por Abril”, posto a circular esta semana por personalidades ligadas ou próximas do PCP, com os escritores Modesto Navarro e Manuel Gusmão Renato, o cantor Carlos do Carmo e o arquitecto Siza Vieira, entre outras personalidades da cultura e das artes, ainda está para se ver. O facto é que Modesto Navarro, falando numa “confraternização de democratas” em Palmela, denunciou a “instalação do medo” que se vai criando na sociedade portuguesa com o “caso Charrua”, a ida da polícia aos sindicatos perguntar quem é que vai às manifestações e com “as leis sobre o tabaco, sobre os piercings, sobre isto e sobre aquilo”. Resultado ou não desta revolta de tão distintas figuras da cultura, e mais provavelmente do ridículo em que caiu, o autor da proposta anti-piercings, o deputado socialista Renato Sampaio, meteu a viola no saco e já anunciou que está disposto a rever a proposta de proibição. Os menores já poderão espetar o que entenderem onde quiserem, desde que as famílias assumam os riscos. É um recuo por assim dizer táctico, porque não foi abandonada a ideia de legislar sobre os piercings. Eles serão legais, ou pelo menos tolerados, desde que o utente dos adornos se faça acompanhar de autorizações paternais de porte de penduricalhos em “zonas do corpo humano como a língua, vasos sanguíneos, junto do pavimento da cavidade oral, na proximidade de nervos e músculos” reconhecidas em notário. O Governo e o Partido Socialista parecem atacados de um furor proibicionista. O que recordaremos dos anos socráticos” no futuro será a luta incessante das autoridades contra a colher-de-pau, o chouriço artesanal, a mousse de chocolate “caseira”, o fumo passivo e a falta de tolerância pelas piadolas ao primeiro-ministro. Parece injusto perante as magníficas coisas boas que o Governo tem feito, a acreditar no que eles dizem, mas a vida é assim. Durante quarenta anos Portugal viveu um regime repressivo e policial, mas as memórias que hoje mais perduram da longa noite salazarista são a proibição de uso e porte de isqueiro sem licença ou o impedimento das mulheres saírem para o estrangeiro sem autorização do marido. São as coisas que nos tocam pessoalmente, que afectam a nossa liberdade pessoal, as que mais recordamos. Não tanto pelo medo salazarista, no caso do “socratismo”, mas pelo insuportável abelhudismo. José Júdice Metro quarta-feira, 19 de Março de 2008