segunda-feira, 22 de fevereiro de 2021

Ainda não vimos nada!

 É triste confessar, mas ainda estamos para ver até onde vão os revisores da História. Uma coisa é certa: com a ajuda dos movimentos anti-racistas, a colaboração de esquerdistas, a covardia de tanta gente de bem e o metabolismo habitual dos reaccionários, o movimento de correcção da História veio para ficar. Serão anos de destruição de símbolos, de substituição de heróis, de censura de livros e de demolição de esculturas. Até de rectificação de monumentos. Além da revisão de programas escolares e da reescrita de manuais. Tudo, com a consequente censura de livros considerados impróprios, seguida da substituição por novos livros estimados científicos, objectivos, democráticos e igualitários. A pujança deste movimento através do mundo é tal que nada conseguirá temperar os ânimos triunfadores dos novos censores, transformados em juízes da moral e árbitros da história.

Serão criadas comissões de correcção, com a missão de rever os manuais de História (e outras disciplinas sensíveis como o português, a literatura, a geografia, o meio ambiente, as relações internacionais…), a fim de expurgar a visão bondosa do colonialismo, as interpretações glorificadoras dos descobrimentos e os símbolos de domínio branco, cristão, europeu e capitalista.
Comissões purificadoras procederão ao inventário das ruas e locais que devem mudar de nome, porque glorificam o papel dos colonialistas e dos traficantes de escravos. Farão ainda o levantamento das obras de arte públicas que prestam homenagem à política imperialista, assim como aos seus agentes. Já começou, aliás, com a substituição do Museu dos Descobrimentos pelo Memorial da Escravatura!
Teremos autoridades que tudo farão para retirar os objectos antes que as hordas cheguem e será o máximo de coragem de que serão capazes. Alguns concordarão com o seu depósito em pavilhões de sucata. Outros ainda deixarão destruir, gesto que incluirão na pasta de problemas resolvidos. Entretanto, os Centros Comerciais Colombo e Vasco da Gama esperam pela hora fatal da mudança de nome. Praças, ruas e avenidas das Descobertas, dos Descobrimentos e dos Navegantes, que abundam em Portugal, serão brevemente mudadas. Preparemo-nos pois para remover monumentos com Albuquerque, Gama, Dias, Cão, Cabral, Magalhães e outros, além de, evidentemente, o Infante D. Henrique, o primeiro a passar no cadafalso. Luís de Camões e Fernando Pessoa terão o devido óbito. Os que cantaram os feitos dos exploradores e dos negreiros são tão perniciosos quanto os próprios. Talvez até mais, pois forjaram a identidade e deram sentido aos mitos da nação valente e imortal. Esperemos pois para liquidar a toponímia que aluda a Serpa Pinto, Ivens, Capelo e Mouzinho, heróis entre os mais recentes facínoras. Sem esquecer, seguramente, uns notáveis heróis do colonialismo, Kaulza de Arriaga, Costa Gomes, António Spínola, Rosa Coutinho, Otelo Saraiva de Carvalho, Mário Tomé e Vasco Lourenço.
Não serão esquecidos os cineastas, compositores, pintores, escultores, escritores e arquitectos que, nas suas obras, elogiaram os colonialistas, cúmplices da escravatura, do genocídio e do racismo. Filmes e livros serão retirados do mercado. Pinturas murais, azulejos, esculturas, baixos-relevos, frescos e painéis de todas as espécies serão destruídos ou cobertos de cal e ácido.
Outras comissões terão o encargo de proceder ao levantamento das obras de arte e do património com origem na África, na Ásia e na América Latina e que se encontram em Portugal, em mãos privadas ou em instituições públicas, a fim de as remeter prontamente aos países donde são provenientes.
Os principais monumentos erectos em homenagem à expansão, a começar pelos Jerónimos e pela a Torre de Belém, serão restaurados com o cuidado de lhes retirar os elementos de identidade colonialista. Os memoriais de homenagem aos mortos em guerras do Ultramar serão reconstruídos a fim de serem transformados em edifícios de denúncia do racismo. Não há liberdade nem igualdade enquanto estes símbolos sobreviverem.
Muitos pensam que a história é feita de progresso e desenvolvimento. De crescimento e melhoramento. Esperam que se caminhe do preconceito para o rigor. Do mito para o facto. Da submissão para a liberdade. Infelizmente, tal não é verdade. Não é sempre verdade. Republicanos, corporativistas, fascistas, comunistas e até democratas mostraram, nos últimos séculos, que se dedicaram com interesse à revisão selectiva da história, assim como à censura e à manipulação. E, se quisermos ir mais longe no tempo, não faltam exemplos. Quando os revolucionários franceses rebaptizaram a Catedral de Estrasburgo, passando a designá-la por Templo da Razão, não estavam a aumentar o grau de racionalidade das sociedades. Quando o altar-mor de Notre Dame foi chamado de Altar da Liberdade, caminharam alegremente da superstição para o preconceito. E quando os bolchevistas ocuparam a Catedral de Kazab, em São Petersburgo e apelidaram o edifício de Museu das Religiões e do Ateísmo, não procuravam certamente a liberdade e o pluralismo. E também podemos convocar os Iconoclastas de Istambul, os Daesh de Palmyra ou os Taliban de Bamiyan que destruíram símbolos, combateram a religião e tentaram apropriar-se tanto do presente como do passado.
Os senhores do seu tempo, monarcas, generais, bispos, políticos, capitalistas, deputados e sindicalistas gostam de marcar a sociedade, romper com o passado e afastar fantasmas. Deuses e comendadores, santos e revolucionários, habitam os seus pesadelos. Quem quer exercer o poder sobre o presente tem de destruir o passado.
Muitos de nós pensávamos, há cinquenta anos, que era necessário rever os manuais, repensar os mitos, submeter as crenças à prova do estudo, lutar contra a proclamação autoritária e defender com todas as forças o debate livre. É possível que, a muitos, tenha ocorrido que faltava substituir uma ortodoxia dogmática por outra. Mas, para outros, o espírito era o de confronto de ideias, de debate permanente e de submissão à crítica pública.
O que hoje se receia é a nova dogmática feita de novos preconceitos. Não tenhamos ilusões. Se as democracias não souberem resistir a esta espécie de vaga que se denomina libertadora e igualitária, mergulharão rapidamente em novas eras obscurantistas.

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2021

Será que a Lopes leu o que escreveu?

- Claro que houve “ditadura” (aquela que me levou da “Cantina Velha” até Caxias) e
- Claro que houve uma “Guerra Colonial” (aquela que, como Oficial Miliciano do recrutamento obrigatório, me levou à Guiné) e também
- Claro que não houve uma “guerra colonial” (aquela que levou à Guiné um “citado oficial do quadro permanente” de recrutamento voluntário).
Obviamente que a Lopes, alegadamente jornalista, avençada como comentador não conheceu 
nem Caxias, 
nem a Ccaç11 da Guiné, 
nem nenhum soldado, de qualquer patente, que tenha sido subordinado do citado oficial QP .

À Lopes ofereço um endereço
e três recortes de uma lista de 49 páginas (a 25 linhas por folha) de combatentes de recrutamento obrigatório mas terá que tirar o antolhos colocados e, á açoriana, manter a “distancia fisica” do “heróico citado oficial”…

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2021

Marcelino da Mata e os comandos africanos

O papel dos soldados africanos que lutaram por Portugal na guerra colonial, a sua sorte após o 25 de Abril e os casos de tortura em 1974 e 1975.

domingo, 14 de fevereiro de 2021

São só flores, senhores, só flores!

“Argumenta o Medina que em Belém “não há nenhuma retirada de nenhum brasão” porque as flores já não estão lá há muito tempo. Ou seja Fernando Medina recorre ao desleixo da autarquia que dirige para justificar a mudança nos jardins de Belém.
O sentimento de impunidade do Medina é tal que nem sequer concebe que se lhe pergunte: o desleixo nos jardins de Belém foi intencional?
Visou que os brasões se degradassem de tal modo que a sua recuperação fosse apresentada como impossível?

O que está a acontecer com os brasões do jardim em frente as Jerónimos é a mais recente manifestação da táctica de primeiro deixar degradar para em seguida apresentar o desaparecimento como um facto consumado, seguida pela esquerda em relação aos espaços que considera serem memória do Estado Novo. Naquela zona de Lisboa a mesma táctica já foi utilizada com particular sucesso no caso do Museu de Arte Popular.
Encerrado logo em 1974, o 
Museu de Arte Popular reabriu nos anos 80. Para arrelia do progressismo, os visitantes acorriam em massa para ver os arados, cabanas de pastores, barros, linhos, bonecos de Estremoz, as estranhas figuras saídas das mãos de Rosa Ramalho, cestos, carros chorriões do Alentejo… que associavam à sua vida e à dos seus pais e avós e não ao Estado Novo. [.]
Percebe-se portanto o espanto do Medina perante a reacção que a retirada dos brasões da Praça do Império está a gerar: 
a táctica que tantos e tão bons resultados tem dado irá falhar desta vez? 
Não pode ser!
( in “ São Flores Senhores São Flores “ por Helena Matos)

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2021

MARCELINO da MATA (O MARTÍRIO DE UM HERÓI)

Declarações, feitas em Janeiro de 1976, pelo alferes comando Marcelino da Mata, galardoado com a Torre e Espada - um militar que me honro de ter por camarada.
Preso e torturado, no período gonçalvista, é o símbolo de muitas outras vítimas dos cobardes assassinos, que quase puseram Portugal a ferro e fogo.

Declarações do Alferes Comando, MARCELINO DA MATA, sobre a sua prisão e tortura sofridas no RALIS:
No dia 17/5/75, quando me encontrava em Queluz Ocidental, ouvi pela rádio ser comunicado que me encontrava preso, no RALIS. Perante tal absurdo, dirigi-me ao Regimento de Comandos na Amadora, Unidade onde estava colocado, e falei com o Oficial de Serviço, capitão Ribeiro da Fonseca, ao qual contei o que acabara de ouvir e pedi que esclarecesse a situação.
O capitão Ribeiro da Fonseca, na minha presença, telefonou para o RALIS e falou com o tenente Coronel Leal de Almeida, tendo o mesmo respondido que me deviam levar imediatamente escoltado para esta Unidade. Telefonou ainda o capitão Fonseca para o COPCON falando directamente com o brigadeiro Otelo Saraiva de Carvalho, o qual confirmou que me devia entregar ao RALIS pois estavam concentradas todas as operações nesta Unidade. Foi assim que escoltado por tenente-comando e duas praças fui levado para o RALIS. Uma vez chegado à Unidade referida e enquanto o tenente que me escoltava se dirigia ao oficial de serviço, aproximou-se de mim um furriel armado que me disse ter ordens para me levar para a casa da guarda e manter-me aí incomunicável. Apareceu entretanto um aspirante que me levou para uma sala do edifício do Comando onde permaneci sozinho até às 24.00.
Apareceu depois das 24.00 um indivíduo alto, forte e de cabelo e barba compridos que, intitulando-se segundo comandante do RALIS, mas que depois vim a saber que se tratava de um militante do MRPP conhecido por "RIBEIRO", me estendeu um papel para aí eu escrever tudo o que sabia sobre o ELP.
Mais tarde apareceu um aspirante e um furriel chamado DUARTE e o capitão QUINHONES que tornaram a fazer a mesma pergunta. Uma vez que jamais tinha ligação com o ELP ou qualquer organização outra, respondi-lhe negativamente. Entrou então o capitão QUINHONES MAGALHÃES, disse-me que me ia fazer o mesmo que se fazia na Guiné aos "turras" quando não queriam falar e puxou do seu cinturão no que foi secundado pelo furriel Duarte. Saíu o capitão QUINHONES e regressou acompanhado de outro indivíduo, baixo e forte, que também vim a saber ser do MRPP e conhecido por "JORGE", e mais outro furriel, aos quais o capitão QUINHONES ordenou que me fossem batendo à bruta até que eu confessasse. Apareceu então o tenente coronel LEAL DE ALMEIDA que me disse que os pretos só falavam quando levavam porrada e eram torturados e que não tinha outra solução senão ordenar que me fizessem isso.
Ordenou o capitão QUINHONES que me encostassem à parede e despisse a camisa, o que tive de fazer. Após isto, fui agredido sete vezes com uma cadeira de ferro nas costas o que me provocou vários ferimentos. Não resistindo caí, mas o capitão QUINHONES disse que me pusesse de joelhos e um outro indivíduo que entrou, intitulando-se oficial de marinha agrediu-me mais duas vezes com a cadeira. Após isto o capitão QUINHONES e furriel DUARTE, um de cada lado, agrediram-me com o cinturão por todo o corpo, e eu, que já sentia dores na coluna, senti dores nas costelas e caí novamente no chão.
O capitão QUINHONES ria-se e dizia que o tenente-coronel LEAL DE ALMEIDA queria que eu falasse nem que eu ficasse todo partido e que ele ia mesmo fazer-me falar.
Passados uns momentos, quando me encontrava novamente sentado, e como fizesse tenção de reagir às agressões, algemaram-me e perguntaram-me se eu conhecia uns indivíduos, os quais haviam entrado mais ou menos quando me começaram a agredir com a cadeira de ferro. Como eu dissesse que conhecia alguns deles e outros não foram-me dizendo os nomes apontando para eles e enunciaram um COELHO DA SILVA, um Doutor MAURÍCIO, que não conhecia, e o JOÃO VAZ, ALVARENGA AUGUSTO FERNANDES (BATICAN) e o ARTUR, todos africanos, os quais já conhecia da Guiné. Então o capitão QUINHONES ordenou ao tal "JORGE" que pegasse num fio eléctrico e me torturasse, tendo-me este dado choques nos ouvidos, sexo e no nariz. Pela terceira vez que me fizeram isto desmaei, pois não aguentei.
Quando recuperei tornaram, o capitão QUINHONES e o furriel DUARTE, a agredir-me com os cinturões e a cadeira de ferro, sentindo eu nessa altura que devia estar com fractura da coluna e costelas e tinha vários ferimentos grandes em todo o corpo. Mais uma vez não aguentei e desmaei.
Ao recuperar os sentidos encontrava-me todo molhado e ensanguentado, não tinha movimentos nas pernas e quase não podia respirar além de fortes dores por todo o corpo.
Por volta das 6h do dia 18 trouxeram para junto de mim e dos outros indivíduos que estavam ali presos e já mencionados, o FERNANDO FIGUEIREDO ROSA, também da Guiné, ao qual agrediram com a cadeira de ferro e arrastaram para fora da sala. Entretanto entrou também uma senhora que dizia ser mulher do COELHO DA SILVA à qual o furriel apalpou as nádegas e seios e outras partes do corpo, frente ao marido. Fui algemado, logo a seguir à entrada da senhora, e conduzido à prisão onde um furriel encheu com água, até ao nível dos tornozelos a cela.
Por volta das 23.00 fui retirado da prisão e vi o tenente fuzileiro CORTE REAL e o ex-tenente fuzileiro FALCÃO LUCAS cá fora, os quais ao ver o meu estado me disseram que a eles também lhes tinham dado um "bom tratamento" mas não tanto como o meu. Fui metido, a seguir, numa Chaimite e levado para Caxias onde cheguei já pelas 01.00 ou 02.00 do dia 19/5/75. Chegado a Caxias o capitão tenente XAVIER, e o qual conhecia da Guiné, tratou-me com termos ordinários e obscenos e mandou-me levar para uma cela, apesar de ver o estado em que me encontrava e de me ter queixado e afirmado que necessitava ser assistido clinicamente. Só no dia 21/5/75 e depois de muito insistir com pedidos ao oficial de serviço, aspirante de Marinha, FERNANDES, fui levado à enfermaria de Caxias onde me fizeram os primeiros tratamentos, mas quando era necessário ser radiografado faziam-no sempre às zonas do corpo que não eram aquelas de que me queixava.
Permaneci 150 dias em Caxias e só quando fui libertado e colocado com residência fixa consegui ser tratado convenientemente e soube ter tido fractura de duas costelas e da coluna.
Lisboa, 24 de Janeiro de 1976
MARCELINO da MATA
Alf. Comando.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2021

Não eram de Moçambique, mas invasores vindos da África do Sul

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Um dos mitos do “nacionalismo moçambicano”, abundantemente traduzido em estátuas, lápides evocativas, ruas, praças e romances históricos, trata de converter o famoso Ngungunyane ou Gungunhana em líder anti-colonialista avant la lettre, um resistente à ocupação portuguesa e defensor dos “povos de Moçambique”. Tal construção mítica soçobra perante a historiografia hoje prevalecente, posto que Gungunhana não foi – não era – um libertador, mas um opressor detestado e detestável, cabeça de um império que entre 1821 e 1897 submeteu e aterrorizou um vasto território compreendido entre o actual Sul do Save e o Rio Zambeze, em Moçambique, e internando-se até território hoje pertencente ao Zimbabwe. 

O Império de Gaza nasceu em resultado da invasão do Sul e Centro do actual Moçambique pelos Nguni (Angunes) – chamados Vátuas pelos portugueses - grupo de origem Zulu oriundo da África do Sul e cujo líder se desentendera com o famoso Shaka, o grande rei Zulu, deslocando-se para norte nesse movimento comummente designado por mfeme (sofrimento) que desestruturou as pacíficas sociedades agrícolas aí existentes. Sociedade organizada militarmente, os Nguni dedicavam-se à guerra de subjugação, conferindo aos derrotados a designação de Tsonga, etnónimo com conotação pejorativa que significava “escravo”, “cão” ou “sub-humano”. Os Tsonga eram, pois, constrangidos a pagar tributos em troca de protecção, mas igualmente oferecer parte da sua população masculina para trabalho escravo doméstico dos Nguni e as suas jovens para servirem de concubinas aos invasores. Esclavagistas, encaminhavam parte das suas vítimas para o litoral, vendendo-as a comerciantes árabes, franceses, britânicos, portugueses e brasileiros, guardando o restante para toda a sorte de trabalhos. 

Em 1884, ao subir ao poder como rei dos Vátuas, Gungunhana deu largas a sucessivas demonstrações de agressividade sobre territórios da Coroa Portuguesa, assim como sobre os potentados locais que integravam aquilo que se designa como sistema feudal luso-africano, pelo qual as chefias africanas estabeleciam pactos de amizade, aliança e vassalidade com o Rei de Portugal. 

Gungunhana submeteu pela força os chefes Mafumo, Tembe, Maotas, Magaia e Matola – na região do actual Maputo – e procurou subjugar os chefes afro-portugueses da região de Inhambane. Os ingleses viram neste chefe belicoso oportunidade para provocarem o desmoronamento da presença portuguesa. Através da British South Africa Company, dirigida por Cecil Rhodes, recebeu Gungunhana libras em ouro e armas, inchando-lhe a soberba e gestos desafiantes. Foi por pressão de Cecil Rhodes que Londres acabou por enviar a Lisboa o célebre Ultimato de 1890. No quadro de uma intensa campanha da imprensa britânica, o Gungunhana deu instruções para que as suas forças provocassem toda a sorte de escaramuças, ameaçando o porto de Lourenço Marques. Em inícios de Outubro de 1894 a cidade de Lourenço Marques sofreu um primeiro assalto, do qual resultaram 21 mortos portugueses negros e um branco. 
Foi nessa emergência que o governo de Lisboa enviou a Moçambique um corpo expedicionário em que figuravam, entre outros, às ordens do Comissário António Enes, Paiva Couceiro, Freire de Andrade, Eduardo Galhardo e Mouzinho de Albuquerque. 

Começava a guerra com os Vátuas que terminaria em finais de 1895 com a destruição militar do Império do Gungunhana. Habitualmente referida como uma guerra entre um exército europeu e guerreiros negros, a verdade é que o conflito entre Portugueses e Vátuas não foi uma guerra “colonial”, posto que parte importante do esforço militar português recaiu sobre tropa negra portuguesa de recrutamento local, reforçada pelos chamados Angolas – tropa negra portuguesa trazida de Angola – para além, claro de forças metropolitanas de infantaria, artilharia e cavalaria. A atestá-lo, as baixas portuguesas ocorridas durante os combates que selaram a derrota dos Vátuas. A 2 de Fevereiro de 1895, em Marracuene, o exército português sofreu 33 baixas mortais: três soldados europeus e trinta negros. Em Setembro de 1895, em Magul, o exército português dispunha de 775 militares, dos quais 500 eram africanos. Foi neste violento recontro que um feiticeiro negro, fiel ao rei de Portugal, saiu do quadrado e foi insultar, a uma distância que a voz poderia ser ouvida, as tropas do Gungunhana. Os insultos terão sido tão ofensivos que provocaram a ira dos Vátuas que de imediato se lançaram sobre o quadrado português, sendo repelidos com pesadas baixas. Ao retirarem, os Vátuas foram perseguidos pelos Angolas e tropa moçambicana portuguesa. 

A posterior captura e exílio de Gungunhana foi sentida com grande alívio pelos povos submetidos, pelo que a Lourenço Marques – hoje Maputo – acorreram os régulos negros para felicitar e agradecer ao Comissário português pela vitória e restabelecimento da paz, bem como pelo fim do jugo do Gungunhana. 

A. Rita–Ferreira - Presença Luso-asiática e mutações culturais no sul de Moçambique (até c. 1900). Lisboa: Instituto de Investigação Científica Tropical/Junta de Investigações Científicas do Ultramar, Lisboa,1982. 
P. Harries - “Exclusion, Classification and Internal Colonialism: The Emergence of Ethnicity Among the Tsonga-Speakers of South Africa”. In LEROY, L. Vail: The Creation of Tribalism in Southern 
Africa. London, James Currey, 1989.