sábado, 27 de janeiro de 2007

PARTIDOS POLÍTICOS: aspectos gerais; a estrutura partidária; as grandes correntes; a ética na vida pública.

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIA POLÍTICA E ADMINISTRAÇÃO

PARTIDOS POLÍTICOS

aspectos gerais

A Importância dos Partidos

Não há democracia sem Partidos Políticos sólidos.

Foram os Partidos que consolidaram a democracia no último século e tornaram-se os maiores responsáveis por sua estabilização.

Na sua forma actual, os Partidos são recentes na História. Surgiram, com características de grupos organizados nos Estados Unidos e apenas depois de 1850 no resto do mundo.

Um Partido Político é um grupo voluntário, organizado e com hierarquia, que procura representar uma parte da sociedade e destina-se a lutar pelo poder político, com o apoio popular.

Uma Questão Fundamental

Naturalmente, o homem procura a liberdade, mas para viver em comunidade, precisa submeter-se a normas que limitam a sua acção, ou haveria o império da desordem, onde cada um faria o que quisesse.

Ao longo dos tempos, o dilema político tem sido o de saber quais os limites da liberdade individual, quais os objectivos da vida em comum, a própria razão de ser da vida humana, quais as atribuições daqueles que governam, como devem ser escolhidos e até onde podem limitar a acção do indivíduo.

Platão, por exemplo, acreditava que os filósofos, os que mais conhecem, deveriam ter a responsabilidade do governo, em benefício de toda a colectividade.

Mas Aristóteles não lhes conferia tanto, por não acreditar ser possível atribuir a homens o saber integral que justificaria a exclusividade do poder. Preferia o governo das leis.

O homem livre procura sempre ampliar o espaço em que a sua liberdade se possa desenvolver. Acredita que os governantes devem ter o seu poder limitado por leis e que o Estado existe em função do indivíduo e para ele, rejeitando que o homem seja apenas uma parcela da colectividade.

Nos tempos antigos, lutou-se contra reis e imperadores, porque eram eles que oprimiam o indivíduo ao concentrar nas suas mãos todo o poder. Mas os monarcas absolutos foram substituídos por um Estado que passou a ser o grande opressor e, na sociedade de um futuro que já se desenha, talvez as grandes e impessoais multinacionais venham a ser os novos opressores da liberdade individual.

... antecedentes

os filósofos

John Locke (1632-1704) talvez seja o pai daquilo que hoje chamamos de liberalismo quando se apercebeu dos riscos que envolvem os poderes concentrados e pensa em separá-los, não deixando, simultaneamente, nas mesmas mãos, o direito de fazer as leis e de executá-las.

Locke defende o indivíduo contra o Estado que, para ele, deveria existir para assegurar a liberdade de cada um e garantir o direito á propriedade.

E assim se começa um debate fundamental: Para que é que existe o Estado?

Milton (1608-1674) vê o Estado como um inevitável limitador da liberdade porque limita-a pela censura, contrariando o pensamento de Locke que vê no Estado um garante das liberdades e da propriedade que são anteriores ao próprio Estado.

Espinoza (1632-1677) entende que o homem nasceu para ser livre. Mas, na vida comum, esta liberdade pode ser ameaçada e os choques serão inevitáveis. Surge então o Estado para que a liberdade individual seja garantida.

Mais tarde, Kant (1724-1804) irá mais além nesta visão do Estado-Garante das Liberdades o seu único objectivo e não o de promover a felicidade dos súbditos. A liberdade, para Kant, é assegurada pelo respeito de todos às leis.

Montesquieu (1689-1755) foi o primeiro liberal a preocupar-se com a organização do Estado e com o seu funcionamento. Na obra O Espírito das Leis, defende que, para evitar abusos, os poderes do Estado, de julgar, fazer leis e executá-las, devem ser divididos. Isto é, cada um deles deve ser exercido por entidades diferentes.

Esta foi a inspiração para o modelo que seria adoptado pela Constituição Americana, ao criar os poderes Legislativo, Executivo e Judiciário. Ao pensar nesta separação, Montesquieu estava a insurgir-se contra os poderes absolutos das monarquias europeias.

Temos que incluir e admitir que também, Adam Smith (1723-1790), é o fundador da Economia Política e, por isso, o pai do que hoje apelidamos de Liberalismo Clássico.

Metodicamente debruçou-se sobre as relações económicas e publicou, em 1776, a sua obra definitiva: A Riqueza das Nações. É importante lembrar que, por coincidência, este estudo aparece no mesmo ano em que as treze colónias que viriam a formar os Estados Unidos iniciam seu processo de independência.

Adam Smith não se preocupa apenas com a liberdade do indivíduo diante do Estado, vê o indivíduo em relação à comunidade e o indivíduo e a comunidade em relação ao Estado. Nas relações económicas, a sua liberdade dependerá também da existência de um mercado livre, onde possa exercitá-la.

A propriedade continua sendo fundamental, mas a sua garantia dependerá mais do mercado livre que do Estado.

Adam Smith acredita que se o mercado for livre, o equilíbrio se fará naturalmente, no campo do trabalho, da produção e dos preços. Para ele, a ordem económica dispensa o Estado, porque ela se desenvolve naturalmente. O homem busca o lucro, o verdadeiro motor de toda a sua actividade. Buscando o lucro, é guiado por uma mão invisível que o conduz, inclusive, à realização dos interesses sociais. Estes interesses não são os de uma sociedade imaginária, mas do conjunto dos indivíduos e representam a soma dos interesses individuais que são satisfeitos com o lucro.

Para obter maior eficiência e melhores lucros, o homem divide o trabalho. Sozinho nunca fabricaria um navio, mas se muitos homens se reunirem, cada um fazendo uma parte, o navio poderá ser construído.

Adam Smith vê nesta divisão do trabalho um elemento diferenciador entre o homem e o animal. Revela a tendência natural do homem para a troca, o que não acontece entre os animais.

Para este pensador, nesta troca permanente, em que cada um buscará lucros, está o segredo do progresso. Quanto maior for a especialização, melhor. Acresce a vantagem de se ganhar tempo: executando sempre a mesma tarefa, o trabalhador não precisará de se deslocar, nem de reunir ou aprender a usar novos instrumentos.

O Estado não se deve envolver no mercado. O mercado é regulado pela especialização de cada um, pela procura do lucro e pelo egoísmo, não por princípios humanitários.

Quando compramos pão, diz Adam Smith, não nos dirigimos à humanidade do padeiro, mas ao seu egoísmo. Não lhe lembramos as nossas necessidades, mas as vantagens que terá com a venda de seu produto. Apenas um mendigo pode ficar na dependência da boa vontade alheia e, mesmo assim, quando gastar as esmolas que recebeu, estará a participar no mercado.

Para Adam Smith, é a divisão do trabalho que irá distinguir os homens. Todos seriam semelhantes até os 6 ou 8 anos, quando começam a ter orientações e ocupações diversas iniciando as diferenças que continuarão ao longo da sua vida.

Um outro conceito de Adam Smith é que só é produtivo o trabalho que acrescenta valor ao objecto que se manipula, isto é, o trabalho produtivo incorpora-se ao objecto.

O trabalho improdutivo, que nem sempre é inútil para Adam Smith, é o que fisicamente desaparece. O trabalho dos artistas, por exemplo, é improdutivo.

O grande esforço deve ser o de aumentar o trabalho produtivo já que o improdutivo existe às custas do produtivo.

O Estado é improdutivo. Só consome, não produz, então o seu papel deve ser mínimo, apenas assegurando, sem qualquer participação, o funcionamento livre do mercado.

No conceito de Adam Smith, se, por exemplo, o trigo estiver muito caro, mais agricultores vão plantá-lo, em busca de lucro. A oferta vai aumentar e os preços vão naturalmente cair. Tudo se ajustará, sem que o Estado precise envolver-se. O processo estará então a ser conduzido pela “mão invisível” para o benefício de todos.

As duas grandes primeiras experiências

Os Estados Unidos de hoje foram colonizados por famílias que fugiam das perseguições religiosas na Inglaterra e nos países calvinistas europeus. Apegados à propriedade, tinham natural aversão à tirania. Não aceitavam a religião subordinada ao estado e tinham uma especial tendência para a vida comunitária.

Tocqueville (1805-1859), na obra Democracia na América, diz ao mundo da sua admiração com o que vira na Nova Inglaterra.

Este autor que temia o risco da tirania das maiorias, entusiasma-se com esse espírito comunitário. Para ele, está ali o exemplo de homens que se tornam cidadãos, porque o Estado existe em seu benefício e sentem-se parte desse Estado.

Na Europa, pelo contrário, o homem sentia-se súbdito, administrado por um Estado que o controlava enquanto nos Estados Unidos, as ideias de liberdade e igualdade começavam a conviver.

Em 1787, os convencionais redigem a Constituição dos Estados Unidos e inicia-se a campanha dos federalistas para obter a aprovação do seu texto pelos estados.

A liberdade, a igualdade, os direitos do indivíduo são assegurados. Nasce o primeiro Estado realmente liberal, onde o poder é limitado. As leis democraticamente aprovadas são garantidas por tribunais independentes e os cidadãos escolhem os seus dirigentes ou representantes. A campanha pela aprovação da Constituição serve também para criar uma consciência liberal no país.

Mas o conceito de democracia só com a Revolução Francesa iria ampliar-se para, efectivamente, significar, não só o voto, mas a participação de todos. Até ai, o ideal liberal buscava sobretudo conter os Soberanos e limitar o poder do Estado. Com a Revolução Francesa, surge a ideia da vontade geral, sem as características anti-individualistas de Rousseau. Contém-se o poder do Rei, mas isso não basta. O indivíduo é visto em nova dimensão participativa e social.

A Declaração dos Direitos do Homem (27 de Agosto de 1789) assegura que "o princípio de toda soberania reside na nação. Nenhum organismo, nem indivíduo, pode exercer autoridade que não emane expressamente dela". Também, dentro da tradição liberal, a Declaração, lembra que "a propriedade é direito inviolável e sagrado".

Por motivos históricos, até o século XVIII, a liberdade era defendida apenas para os proprietários e para a burguesia. Só com a Revolução Francesa se começa, palidamente, a ter uma visão da colectividade, do direito de todos e para todos.

Adam Smith, por exemplo, tal como os seus raros seguidores modernos, luta pela liberdade dos burgueses e defende uma economia desumana em que os trabalhadores, tal como os escravos, devem ser eficientes. Não há preocupação com a sua liberdade.

O grande desafio social moderno é o de aproveitar as lições de liberdade dos liberais clássicos e aplicá-las a todos. Na sociedade moderna, em que todos são cidadãos, todos votam, todos têm acesso à informação, todos têm, também, o direito de ser livres.

É aceitável recebermos as lições de Locke sobre a defesa da propriedade, mas devemos estender este direito a todos, ao contrário dos liberais clássicos e de alguns neoliberais de hoje.

O velho liberalismo teve o mérito de despertar as consciências contra as tiranias, mas, hoje, a aplicação das suas receitas seria desumana e promoveria uma nova espécie de tirania contra os mais desfavorecidos, sobretudo nos chamados Países do Sul, onde a injustiça social é flagrante.

origens e consolidações democráticas

No passado, não havia Partidos. Todo o poder se concentrava nas elites, tornava-se mais fácil o entendimento pessoal entre os que o disputavam ou entre os que o desfrutavam.

Com o passar do tempo, o povo passou a participar das decisões políticas, a ser ouvido e a criticar. As decisões já não podiam ser tomadas em pequenos grupos. Era indispensável organizar essa participação popular e, assim, começaram a formar-se os Partidos para representar correntes de opinião.

Os Grupos que representavam correntes de opinião reuniam-se em clubes, em hotéis ou surgiam espontaneamente nos Parlamentos.

Na Inglaterra, formaram-se grupos inspirados por princípios religiosos ou por interesses económicos. Mais tarde, no Parlamento, começam a dividir-se entre os que apoiavam o governo e os que faziam oposição.

Em 1714, criou-se uma Secretaria que tinha por função distribuir favores aos parlamentares apoiantes do governo (Patronage Secretary) de modo a manter unida a maioria. Contudo ainda estavam longe de pensar num partido com organização e hierarquia.

Em França, como no resto do mundo, desde a antiga Grécia, havia grupos unidos por interesses ou ideais que recebiam, algumas vezes, o nome de Partidos, embora sem as características dos Partidos políticos actuais.

Alguns indícios do que seriam os Partidos modernos começaram a aparecer em França, cerca de 1789, quando os Representantes que vinham de todo o país para discutir e votar a nova Constituição. Começaram a formar-se grupos naturais, a princípio de representantes da mesma região que se reuniam localmente para trocar ideias e fixar posições comuns e quando a Constituinte se reúne em Paris, também ali procuraram locais onde se pudessem continuar a encontrar, dai que muitos destes grupos passaram a ser conhecidos pelo nome da Rua ou do Hotel onde se reuniam (rue de Castiglione, rue de Poitiers, etc.). Rapidamente, no período tumultuoso da Revolução Francesa, aqueles grupos começam a ganhar uma unidade ideológica ou doutrinária. Surgem os jacobinos, cujo núcleo inicial é originário dos representantes da Bretanha, os girondinos e tantos outros que passam à História. Mas, mesmo assim, pouca semelhança tinham com os Partidos Políticos actuais. Isto é, ainda estavam na sua pré-história.

Com o nascer do Socialismo e da necessidade de se organizarem os Movimentos Proletários acelera-se a história dos modernos Partidos políticos.

Na Inglaterra, os Sindicatos começam a transformar-se em Organizações Políticas, levando-lhes quer a experiência da luta sindical, quer a sua estrutura.

Na Alemanha e na França, finalmente, os Socialistas organizam-se em Partidos. Como reacção, os grupos seus adversários começam também a estruturar-se.

o funcionamento da democracia

Hoje, em sociedades com milhões de habitantes, os Partidos políticos são fundamentais para que possa haver democracia.

Os governos totalitários buscam o apoio directo das massas porque este apoio directo é mais fácil de obter que o de grupos ou Partidos Políticos já que as reacções da multidão são emocionais e repentinas. Com veículos de comunicação disponíveis, os governantes totalitários podem obter adesões simultaneamente tumultuosas e incondicionais.

Ora, numa democracia, onde o povo se manifesta por intermédio de Partidos, a adesão, se a houver, é condicional, Em grupos menores, os debates podem aprofundar-se, mas minorias são mais respeitadas.

Seria impossível a participação directa, por exemplo, de todos os portugueses na administração do país, dado que, a cada momento, milhares de decisões são tomadas em diferentes escalões da Administração Pública. Não há condições para o povo ser consultado nem para se fiscalizar a acção dos governantes em cada uma situação emergente.

A prática da democracia no mundo moderno exige a organização de instituições que possam desempenhar o papel de, consultado e fiscalizador, em nome do povo.

São os Partidos, sem os quais a Democracia seria impensável ou impossível.

legitimidade democrática

Para que os Partidos desempenhem aquele papel, é indispensável que sejam legítimos, isto é, que representem algum sector da sociedade.

Não basta que haja Partidos Políticos, é preciso que eles actuem de acordo com a vontade e as aspirações daqueles que representam.

Para a legitimidade dos Partidos, não basta que seus líderes e representantes, tenham sido escolhidos pelo povo. Também há oligarquias nascidas do voto popular. Um grupo pode ter sido eleito pelo povo e afastar-se dele para auto-beneficiar-se do poder ou realizar as suas próprias aspirações. A História, está repleta de exemplos.

Governantes eleitos em condições históricas excepcionais (guerras, calamidades, etc.), deixam de ser representativos, logo que essas condições se alteram.

Conclui-se, assim, que se os Partidos políticos não representarem realmente os seus eleitores, todo o edifício da democracia estará em perigo.

tipos de partidos

Há diferentes classificações para Partidos políticos resultantes da observação da sua vida e prática política porque os Partidos não seguem modelos teóricos; nascem e actuam de acordo com as circunstâncias e com a época em que actuam.

Considerada uma certa realidade da vida política, longínqua e recente, classifico-os da seguinte forma:

1 Partido Único.

2 Partidos de Ocasião. (catch party)

3 Partidos de Interesses. (cartel party)

4 Partidos Ideológicos.

5 Partidos Doutrinários.

1 - Partido Único

Os Partidos Únicos são uma contrafacção dos Partidos Políticos já que ao assumirem integralmente o poder se confundem com o próprio Estado.

Como a Democracia Moderna só é possível com Partidos Políticos, a existência de Partido Único impossibilita a Democracia, mesmo que haja separação de poderes.

Reconheça-se que só há Partidos Únicos quando não há eleições ou, havendo-as, são fraudulentas. Como qualquer sociedade se divide em diferentes grupos, com ideias e aspirações diversas, as eleições nunca podem resultar no domínio exclusivo de um só conjunto. Neste caso verifica-se que ou existe fraude na manipulação dos votos, ou no cerceamento da propaganda eleitoral, ou nada disto é necessário, porque outros Partidos são simplesmente impedidos de concorrer.

Os Partidos Únicos nascem em consequência da tomada do poder por um grupo autoritário, disso são exemplo, a ex-União Soviética, a Alemanha nazi e, na actualidade, o Irão e a maioria dos Países Africanos e destinam-se à manutenção do controle do Estado. Aqui devem ainda ser incluídos os partidos União Nacional de Oliveira Salazar e Acção Nacional Popular de Marcelo Caetano que aparecem em Portugal de 1932 a 1974.

Nalguns casos, há a convivência de vários Partidos, mas um deles assume o integral controle da vida política, que pela fraude ou pela coacção e quantas vezes pela guerra, acaba por retirar seus concorrentes do cenário político. São geralmente máquinas burocráticas de lideranças pessoais (Hitler, Mussolini, Khomeini, Fidel Castro, Stroessner). Podemos ainda considera que em muitos Países Africanos, o partido é apenas um braço político do exército no poder.

2 - Partidos de Ocasião

São os que se formam para um dado momento da vida nacional ou para a defesa de uma aspiração específica. Encerrado aquele período histórico, conseguido o objectivo ou se este se torna inviável, o partido desaparece.

Isto acontece com frequência nos Estados Unidos graças à facilidade que a Constituição Americana concede. Organizam-se Partidos locais para a melhoria de uma escola ou até para a abertura de uma estrada e concorrem ás eleições, obtido ou não o resultado pretendido, depois delas, acabam.

Os Partidos que se formaram em Portugal, pós 25 de Abril, mais de 120, são disso exemplo. Deles resiste uma história folclórica, apenas 5 ou 6 com assento Parlamentar acrescidos de uma dúzia que aparecem apenas para actos eleitorais e obtêm menos votos do que o número constitucionalmente exigido para a formação de um Partido...

Incluímos neste grupo os Partidos que se formam exclusivamente para operacionalizar uma liderança pessoal, como o actual PND – Partido da Nova Democracia-[1]. Se esta liderança chegar ao poder e consolidar o partido, ou se transmitir um forte conteúdo ideológico ou doutrinário, o partido sobrevive ao líder e deixa de ser de Ocasião. Caso contrário, o partido desaparece com o fim de seu líder.

Os Partidos de Ocasião são os que mais frequentemente abrigam frentes temporárias de diferentes formações doutrinárias. Reúnem-se por terem um objectivo comum imediato, caso do Bloco de Esquerda que engloba uma dezena de pequenos partidos da extrema-esquerda portuguesa. Uma vez atingido ou esgotado o objectivo, irá desaparecer o motivo que justificava a coesão e o partido, inevitavelmente, volta a dividir-se.

3 - Partidos de Interesses

Aristóteles referia, aquando da Constituição de Atenas, Partidos de pescadores e marinheiros, de agricultores e artesãos. Do mesmo modo na vida partidária moderna, surgem Partidos de caracter sindicalista de que é exemplo o Partido Trabalhista inglês que outrora teve como objectivo específico a defesa do proletariado.

Mas, na actualidade, os Partidos de classe ou desapareceram, ou transformaram-se em Partidos ideológicos ou doutrinários.

À medida que a luta de classes foi desaparecendo ou perdendo as suas características, aqueles partidos também perderam sua motivação, isto é, os elos que hoje ligam Sindicatos a Partidos são ténues. Mesmo o Partido Comunista Francês, historicamente o mais ligado ao sindicalismo e à Confederação Geral do Trabalho (C.G.T.), tem hoje na sua direcção representantes da Confederação mas apenas em respeito à tradição.

Mas há excepções, por exemplo, no Brasil, formou-se o Partido dos Trabalhadores (P.T.) quando organizações partidárias semelhantes já desapareciam em todo o mundo. Nasceu como um partido de interesses, mas tornou-se um partido ideológico, passando também a procurar sustentação nas classes médias urbanas e em muitos intelectuais diletantes. Refira-se que o Partido dos Trabalhadores acabou por alcançar o poder no inicio do século XXI.

Contudo os grandes Partidos Políticos americanos são o exemplo mais visível dos Partidos de Interesses.

Nos Estados Unidos, os Partidos começaram a formar-se quando nascia o próprio país, formado pelas antigas colónias inglesas. Alguns que queriam ceder poucos poderes à União, fortalecendo as colónias acabaram por se reunir em torno de Jefferson[2] dando origem ao actual Partido Republicano. Outros, com ideias aparentemente mais progressistas, queriam fortalecer a Federação e unidos sob a liderança de Hamilton, criaram o núcleo do que hoje é o Partido Democrata.

Estas referências são hoje meramente históricas. Os representantes e eleitores de cada partido americano não obedecem a qualquer programa ou doutrina. Aqueles Partidos existem exclusivamente em função das eleições.

Em cada local ou região, vão-se formando grupos que têm como afinidade o interesse de disputarem juntos eleições presidenciais, parlamentares (Senado ou Congresso) ou para vários outros cargos Estatais ou Locais. Reúnem-se no Partido Republicano ou Democrata. A tradição consolidou o grupo e seus sucessores, sempre reunidos apenas com o objectivo de chegar ao poder.

Os Partidos americanos frequentemente não têm sedes locais e não se reúnem fora de períodos eleitorais. As suas direcções são nomeadas, sem contestação, pelos candidatos aos cargos maoritários, nos diferentes níveis. A burocracia não exerce qualquer influência sobre os candidatos, pelo contrário, é escolhida e dirigida por eles.

a Fisiologia

No Brasil e em parte da América Latina, criou-se a expressão "partido fisiológico" para designar os Partidos que se estruturam e sobrevivem às custas de cargos e dinheiros públicos. Esta expressão é de difícil tradução para outros idiomas, mesmo para o português de Portugal, porque nas democracias modernas, o uso dos dinheiros públicos é criminalmente punida. Na maioria dos Países e, em especial, na União Europeia, onde as diferentes leis caracterizam como crime de prevaricação a utilização de dinheiros públicos para beneficiamento pessoal.

Não se confundam estes partidos Fisiológicos com os chamados Partidos de Interesse. Os fisiológicos não mereceriam sequer fazer parte da classificação dos Partidos. Desaparecem quando se aprimoram os costumes políticos e são meros e lamentáveis acidentes na vida política.

Em todo o mundo, ao assumir o poder, os Partidos levam os seus Quadros a ocupar lugares em cargos políticos e públicos para concretizar seu programa. Se um partido político existe para disputar o poder e executar seu programa é natural que ocupe cargos e lugares com os seus militantes e dirigentes. Deviam ser excepção os cargos técnicos que, mesmo em regimes presidencialistas, não deviam ser atingidos quando mudam os governos.

Deste modo a fisiologia, na politica, caracteriza-se quando pessoas são nomeadas não com objectivos de governar mas apenas, para obter vantagens pessoais e eleitorais.

4 - Partidos Ideológicos

Os Partidos ideológicos têm uma visão integral do mundo, uma atitude definida e preconcebida diante do facto social e político. Procuram chegar ao poder para pôr em prática as suas ideias. Não necessitam da crítica ou do debate com outras correntes porque imaginam terem a verdade absoluta descoberta nas suas análises e formulações teóricas. Os Partidos nazis, fascistas e comunistas são ideológicos.

A vitória de Partidos ideológicos conduz inevitavelmente à autocracia e à ditadura que está na própria essência do autoritarismo ideológico.

Os Partidos Socialistas assentavam todo o seu modelo na premissa da luta de classes, isto é, os interesses dos patrões e empregados seriam sempre opostos e este facto deveria ser o tema de todo o programa de acção política. De repente, descobriram que a luta de classes era. nas sociedades mais desenvolvidas, apenas uma expressão vazia de conteúdo. O operário europeu ou americano quer, cada vez mais, que a sua empresa seja forte para lhe pagar melhor e os patrões querem operários bem pagos para que lhes comprem o que produzem.

Por tal, cada vez mais, os Partidos Ideológicos foram reduzindo o seu discurso a slogans ou a pequenas frases que têm apelo meramente emocional.

Contudo o apelo emocional que foi sempre uma característica dos Partidos Ideológicos, no nosso tempo, com um discurso incapaz de enfrentar a realidade concreta, a emoção passou a ser, não um instrumento adicional, mas a única via para a acção, tanto mais que um slogan já não resume um raciocínio lógico! Substitui-o!

Na realidade vivemos hoje o fim das ideologias que não se devem confundir com doutrinas. A complexidade do mundo moderno, o desenvolvimento das ciências, a necessidade de se desenvolverem as técnicas de administração, fizeram com que as ideologias fossem superadas. Ao cidadão não interessa se uma providência é rotulada como de direita ou de esquerda, socialista ou liberal, interessa-lhe que seja eficiente e o beneficie. Sem a preocupação de modelos, os governantes procuram dar eficiência ao Estado, não se preocupando com rótulos. Tudo isto tem originado que os Partidos Ideológicos se esvaziem ou se transformem em Partidos Doutrinários.

5 - Partidos Doutrinários

Benjamim Constant (1787-1830) pensava nos grupos doutrinários e não nos Partidos com as características actuais, quando disse: "Um partido é um agrupamento de pessoas que professam a mesma doutrina política"... Mas, apesar de tudo, esta frase também é válida para os actuais Partidos Políticos.

Um Partido Socialista terá sempre presente uma visão colectivista da sociedade, tal como um Partido Social-Democrata tenderá a acreditar na possibilidade do Estado Providencia. Um Partido Liberal defenderá sempre o indivíduo contra a opressão do Estado ou das maiorias, enquanto coerentemente, estará a enxergar os diferentes problemas e a propor soluções de acordo com a sua doutrina. Mas, nestes casos, a doutrina não o estará a cegar para a realidade concreta e impondo-lhe decisões acabadas.

Ora um Partido Doutrinário tem um sistema coerente de ideias que lhe inspira o programa, estimula e delimita a sua actuação. Ao contrário dos Partidos ideológicos, os Doutrinários não pretendem ter uma visão acabada do facto político e social. As suas posições vão-se formando quer em estudos, quer em debates.

Os Partidos Doutrinários estimulam a crítica e a análise e, por isso, tendem a fortalecer a democracia.

PARTIDOS POLÍTICOS

a estrutura partidária

Os Membros de um Partido

No estudo dos Partidos políticos, a divisão clássica é: Partidos de Massas e Partidos de Quadros.

Os Partidos de Massas procuram ter um grande número de filiados e geralmente dispõem de lideranças carismáticas que fazem os seus apelos directamente às bases do partido, por esta razão, os Partidos únicos são quase sempre Partidos de Massas.

Os Partidos de Quadros têm uma maior preocupação em formar dirigentes e militantes, que lhes servem de ponte entre as lideranças de topo e as suas bases.

participantes, militantes e dirigentes

Podemos classificar os filiados a um partido como participantes, militantes ou dirigentes.

Os participantes são aqueles que preencheram uma ficha de filiação, participam em convenções e nas maiores reuniões do partido, mas não lhe dedicam qualquer tempo especial. O participante pode ser um entusiasta e propagandista do partido, mas o seu trabalho não está coordenado com o dos dirigentes, em alguns casos pode ser um pequeno líder de opinião.

Os militantes trabalham de acordo com a táctica e a orientação que lhes é dada pelos dirigentes. Executam tarefas e trabalham de acordo com a estratégia do partido. O que caracteriza um militante não é a intensidade do seu entusiasmo, é a sua dedicação, eficácia e disciplina.

Os militantes participam em reuniões, conselhos e Cursos de formação partidária. Frequentam a sede e são particularmente importantes nos períodos eleitorais, quando organizam as bases partidárias, fazendo-lhes chegar a mensagem do Partido e dos seus candidatos.

Os Partidos Europeus, exceptuando os Partidos Socialistas, Comunista e as extremas-Esquerda, não têm a tradição de fortes militâncias, especialmente nos maiores centros urbanos. Neles, os militantes são geralmente recrutados entre os possíveis candidatos a futuras eleições e preocupam-se mais com seus próprios interesses de que com os do partido e com isto, se vai enfraquecendo a disciplina partidária, essa característica fundamental do bom militante.

Os dirigentes são os que ocupam os mais altos cargos da direcção partidária. São também os responsáveis, em cada nível (municipal, estatal ou nacional) pela máquina burocrática do partido.

A disciplina partidária

Para que um partido político seja eficiente é fundamental que seus membros, especialmente os seus militantes e funcionários, sejam fortemente disciplinados.

Ao contrário de um clube, um partido nasce e existe para a luta contra adversários. O combate está na própria essência do Partido Político e não se luta sem disciplina!

Michels, o primeiro teórico da organização partidária, comparava no princípio de nosso século, o partido indisciplinado e desestruturado a "um exército selvagem e amorfo, incapaz de fazer frente a um simples batalhão onde haja disciplina". Pensando sobretudo nos Partidos Socialistas do seu tempo, chega a recomendar, com exagero: "A democracia não é para consumo interno, é artigo de exportação dos Partidos".

Duverger, mais moderno, dirá que "no catecismo das obrigações partidárias, a observância de regras hierárquicas chega a ser o “primeiro” dos artigos. A hierarquia nasce como consequência das condições técnicas e a sua formação é um postulado essencial da máquina partidária que funciona bem". Filiados indisciplinados podem ser, no máximo, bons agitadores, mas nunca militantes eficientes.

Se a disciplina é fundamental para a eficiência de qualquer organização, nos Partidos políticos ainda se torna mais importante. Os Partidos trabalham com líderes e estimulam sua usual vaidade. Sem disciplina será impossível conciliar os interesses e conduzir a máquina a actuar com eficiência. Os interesses pessoais e a vontade de sobressair fazem com que haja uma natural tendência para conflitos internos que enfraquecem os Partidos. O hábito da disciplina e do respeito às lideranças reduz esses riscos.

Por outro lado, no mundo moderno, a eficiência de um partido depende cada vez mais do bom emprego de técnicas de comunicação e de organização. Nem todos os militantes e candidatos de um partido são capazes de compreender a sua utilização, sobretudo quando buscam votos individuais. Para que o partido chegue a melhores resultados, precisará de estar disciplinado, pois só assim haverá uma utilização tecnicamente correcta dos recursos disponíveis.

Lenine sempre atribuiu à disciplina grande parte do êxito de seu partido. Sem ela, massas de revoltosos teriam sido metralhados pelos cossacos em Janeiro de 1905. Só com disciplina e organização, o Partido conquistou o poder. Por isso, sem a obediência de todos a uma direcção táctica, pode formar-se "um grupo de teóricos, mas nunca uma unidade política eficiente".

Liderança, Solidariedade e Convívio Partidário

Para que a indispensável disciplina interna não conduza ao autoritarismo, é fundamental que as lideranças partidárias sejam legítimas e que haja mecanismos internos que estimulem a consciencialização, o estudo e o respeito à doutrina do partido. Um dos maiores riscos da indisciplina interna é o de enfraquecer a fidelidade aos princípios.

Nos Partidos Únicos, frequentemente a chefia é meramente carismática. O chefe é o chefe porque é! É-o por questões naturais (Führerprinzip). Não se elege e não é votado: é reconhecido!

Nos Partidos Democráticos, a liderança emerge pelo voto, mas naturalmente. Apenas os falsos líderes procuram obter cargos, exaltam as suas próprias qualidades, dizem das suas virtudes, tentam impor a sua vontade. Os líderes democráticos reais não se preocupam em impor sua liderança, porque ela é descoberta e reconhecida no correr da actividade partidária.

É grande a responsabilidade das lideranças partidárias, porque, na realidade, elas têm uma ampla delegação para agir em nome dos militantes e do povo que representam.

Rousseau lembrava que "soberania não se delega". Quando se indicam líderes para actuar em nome dos filiados e do povo, há uma renúncia. Os filiados não são consultados em cada momento cada decisão é tomada em seu nome, isto é, uma elite partidária decide por eles.

Só os anarquistas recusam o reconhecimento das elites nos grupos sociais. De Max Weber a Schumpeter, há o reconhecimento de que inevitavelmente, em democracia, elas existem,. As elites devem ser representativas e, sobretudo, todos lhe devem poder aceder porque aí estará a característica do sistema democrático. Num Partido Democrático, as elites partidárias e dirigentes são formadas pelos quadros mais competentes e eficazes, reconhecidos pelas massas e pelos militantes do Partido.

Não haverá autoritarismo se no Partido for desenvolvido o espírito de solidariedade que, nos seus vários níveis de direcção, estimula o debate e a autocrítica. É a solidariedade horizontal que assegura o estudo da doutrina, o bom convívio entre os militantes e que inspira e limita as lideranças.

Existem três tipos de convívio partidário:

- ideológico,

- societário,

- comunitário.

Nos Partidos totalitários e ideológicos, os militantes comportam-se como se pertencessem a uma Ordem (Bund). Obedecem porque o chefe sempre tem razão. É o convívio ideológico.

Outras vezes, o militante sente-se como se pertencesse a uma sociedade (Gesellschaft), uma espécie de empresa. Como se fosse um accionista, aceita o que os dirigentes decidiram, em seu benefício. É o mais comum, em Partidos de Interesse ou de Ocasião. É o convívio societário.

Num partido doutrinário democrático, o militante sente-se parte de uma comunidade (Gemeinschaft). O partido é uma comunidade da qual faz parte e com o qual é solidário. Sabe então que, para o bom funcionamento do seu partido, é necessária a obediência às normas hierárquicas. É o convívio comunitário.

As lideranças partidárias, em Partidos democráticos, são sempre eleitas e participantes dos debates internos e estão em permanente contacto com as suas bases.

Formação Partidária

Os modernos Partidos políticos Doutrinários mantêm permanentes Cursos de Formação política que se começaram a desenvolver nos Partidos Socialistas. A primeira organização de cursos partidários foi do Partido Socialista alemão, em 1906 (Parteischule). Logo de seguida estendeu-se aos Partidos Democrata-Cristão e Liberais de toda a Europa Ocidental.

Actualmente, os Partidos europeus, sobretudo os alemães, austríacos, italianos e franceses, mantêm verdadeiras escolas de política, destinadas ao estudo dos seus programas e à formação de militantes. São poderosos instrumentos para a consciencialização e para o fortalecimento da democracia interna.

A Burocracia Partidária

Os Partidos modernos dispõem de técnicos e funcionários permanentes que formam o que é conhecido como aparelho partidário.

Em alguns Partidos, o aparelho assume tais proporções que se torna responsável não só pela organização burocrática, mas até pela estratégia política. Nesses casos, geralmente é comandado pelo Secretário-Geral do Partido.

As actuais técnicas de organização e de comunicação vão tornando cada vez mais importante a burocracia do Partido. É ela que dispõe das informações fundamentais para as decisões dos dirigentes.

Em 1921, Lenine dizia: "Teríamos todos desaparecido, se não houvesse o aparelho".

O desenvolvimento do nazismo na Alemanha dependeu fundamentalmente da organização partidária que acabou por se tornar a máquina de Estado. A partir de certa época, não se permitia a existência de qualquer associação no país, mesmo um inocente clube recreativo juvenil, sem a presença de militantes nazis na sua direcção. A coordenação (Gleichshaltung) exigia um aparelho partidário extremamente disciplinado e eficiente. Por intermédio dela, o Partido Nacional Socialista estava presente em todas as células da sociedade.

Nos Partidos democráticos modernos, a burocracia tem os seus membros seleccionados pela sua capacidade profissional, dado que, ao contrário do que acontece com os militantes, o entusiasmo e o devotamento partidário são menos importantes que a capacidade técnica e a eficiência. A burocracia não toma decisões; informa às lideranças e executa as suas determinações. Não deve participar da política interna do partido. Por isso, os funcionários não devem ser recrutados entre antigos ou futuros candidatos.

PARTIDOS POLÍTICOS

as grandes correntes

Ao contrário do liberal, o socialista enxerga o homem em função da colectividade e não como indivíduo acima dela. A partir daí, surgirão muitas divergências, sobretudo nas décadas que se seguiram à Revolução Industrial.

origens do marxismo

Karl Marx (1818-1883) vê no mundo da sua época o modelo da exploração capitalista desenvolvida pelos que proclamavam a liberdade.

Estudioso, com extraordinária argúcia, trabalhador incansável, autoritário, Marx consegue empolgar os vários movimentos socialistas de seu tempo. A partir dele, não se falará em socialismo sem ter a sua obra como referência.

Na realidade, a obra de Marx é complexa, muito extensa e, em vários momentos, contraditória. Por isso, tudo se faz em seu nome. Como tal, citando Marx, a União Soviética escravizou milhões de homens e mulheres ou enviou-os para os campos de concentração e asilos psiquiátricos.

Diferentes movimentos socialistas e comunistas defendem teses contraditórias, sempre a cita-lo...

Marx foi um pensador teórico, mais preocupado com ideias que com homens ou com a concretização da sua sociedade ideal. O seu amigo Engels (1820-1895), mais próximo da realidade, sobreviveu a Marx, mas não procurou aplicar as suas teorias e ideias a situações concretas. Os seus seguidores foram sobretudo activistas que conheciam e admiravam o tema da sinfonia marxista, mas, muitas vezes, não estavam sequer à altura de conhecer em profundidade toda a sua obra. Lenine (1870-1924) é disso o melhor exemplo. Agiam, como agem até hoje e depois vão buscar as justificações á vasta obra de Marx, da qual até hoje só se publicam textos dispersos. E encontram sempre a justificação que os satisfaz.

Para Marx, o conceito burguês de liberdade é erróneo. Traduz uma conquista da burguesia no fim da Idade Média e está ligado a estruturas feudais que nada têm a ver com o mundo actual e apenas serve para oprimir o proletariado ou para aliená-lo.

Tomando de Hegel a noção do processo dialéctico, Marx vê uma sociedade que será levada pela luta de classes a uma inevitável revolução que culminará com a vitória do proletariado.

A todos os factos ou acontecimentos, a tese, seguem-se os movimentos ou factos contrários, a antítese. Os elementos positivos da tese e da antítese gerarão uma síntese que se transforma em tese, provocando uma antítese e assim por diante. Este movimento não é presidido por nenhuma mão invisível ou por algum Absoluto (Hegel), mas processa-se de forma inexorável na infra-estrutura económica, determinando o que se passa na superestrutura. As ideias e as artes, por exemplo, são determinadas pela realidade económica e pelos processos de produção.

Marx não aceita a instituição da propriedade privada. Irrita-se com a célebre frase de Proudhon (1809-1865), um dos pais do socialismo moderno: "A propriedade é um roubo". Para Marx, dizer que ela é um roubo significa que foi roubada a alguém, logo alguém era proprietário e por isso Proudhon reconhecia a propriedade, sem o perceber.

O proletariado é sacralizado. Nele residem a sabedoria e a capacidade de acção adquiridas ao longo de tanto tempo de espoliação e de sacrifícios. O proletariado fará a revolução.

A sociedade medieval teria engendrado a sociedade industrial. A síntese das duas, aproveitando o humanismo de uma e as técnicas, mas não o modelo, de produção da outra, seria a sociedade comunista.

Mas aí, o movimento dialéctico não poderia continuar. Como o seu motor são as contradições internas que geram antítese, teriam de ser eliminadas. Marx sugere então, logo após a revolução se crie uma ditadura do proletariado, para que desapareçam todos os resquícios da burguesia. Depois se chegaria naturalmente a uma sociedade ideal, onde, após algumas etapas intermediárias, todos viveriam de acordo com as suas necessidades, sem a exploração do homem pelo homem.

Marx viveu num mundo de absoluta exploração do trabalho. As unidades de produção tornar-se-iam cada vez mais caras com o desenvolvimento tecnológico, então, imaginava ele, cada vez mais os capitalistas terão de acumular fortuna para adquirir bens. Terá de explorar o proletário e aumentar a mais-valia[3]. Chegar-se-ia a um ponto em que o operário não podia resistir mais... e a revolução seria inevitável.

A grande contribuição de Marx não foram as suas conclusões, mas o seu método de análise histórica em que procurava observar os factos e concluir. Deu à Economia a sua justa importância, demolindo a velha História, apenas dirigida por heróis e guerreiros. Fez a grande crítica da sociedade burguesa da sua época, mas não soube encontrar soluções; e as suas previsões não se confirmaram. Analisava o presente e o passado, mas não previu o futuro.

As revoluções comunistas não aconteceram, como pensava Marx, na Inglaterra ou na Alemanha, em consequência do desenvolvimento industrial. Pelo contrário, a Rússia ou a China viviam ainda fases pré-capitalistas, quando o socialismo marxista assumiu o poder. Bastaria isso para abater toda a lógica da cosmovisão marxista. E, nesses países, o poder não foi tomado pelo proletariado, mas por soldados descontentes, agricultores e vítimas de generais corruptos ou incompetentes. Curiosamente, ao invés de serem consequentes da industrialização, esses Estados criaram sociedades industriais. Neles, como em toda a Europa Oriental, não houve revolução; houve golpes.

Mau economista, Marx só examinou o processo pelo ângulo da produção, esquecendo o do consumo.

Os capitalistas não poderiam indefinidamente oprimir o trabalho, ou não haveria consumidores para seus produtos. A partir de certo momento, o centro dinâmico do processo teria de deslocar-se para a procura. Fortalecem-se os sindicatos, aumentam-se os salários reais, desenvolvem-se as sociedades anónimas, confundindo-se as figuras do trabalhador e do empresário. E a experiência foi mostrando que o proletário, ao contrário de se revoltar, foi procurando melhorar os seus padrões de consumo, de acordo com os hábitos da burguesia. Nem revolta, nem solidariedade proletária. Se chega ao poder, o trabalhador segue, às vezes com maior rigor, a velha gramática burguesa. Tudo ao contrário do que previra Marx.

Romântico, Marx imaginava uma sociedade sem pecado e sonhava com um mundo perfeito, onde todos estariam consciencializados para o bem comum. Na realidade, a ditadura do proletariado serviu apenas de desculpa para o domínio de grupos mais tirânicos que os das velhas monarquias europeias.

Nem Marx, nem Engels, sabiam como iria funcionar o seu sistema. Na prática, aplicou-se da sua teoria apenas o que convinha aos detentores do poder. O ateísmo, por exemplo, era norma seguida à risca, não porque as religiões estimulem e sejam fruto da alienação, como sugerira Marx, buscando inspiração em Feuerbach. Eliminaram-se as religiões para tentarem fazer desaparecer os parâmetros éticos e evitar resistências ao poder dos tiranos, como aconteceu na Polónia. Lenine, o prático, lembrava que "o marxismo é o materialismo". Somente sem religiões no horizonte, poderia dizer que "é moral tudo que serve para destruir a antiga sociedade".

Sem um projecto definido, Marx sempre foi usado no que era útil para o Estado socialista e para os que detinham o poder.

origens do socialismo

Rousseau (1712-1778) via na propriedade privada a grande fonte de problemas. Para ele, o homem vivia na natureza, em estado de inocência. O conceito de propriedade privada acabara com esta inocência e a harmonia do mundo. Ela, não o pecado, como sugerira Milton, havia-nos feito perder o paraíso.

Para restabelecer a ordem e permitir o convívio, os homens fizeram uma espécie de pacto, o Contrato Social, concedendo algum poder aos soberanos. Apenas neste sentido Rousseau foi um liberal, ao defender a limitação desse poder que só seria legítimo para o cumprimento do pacto. Mas a sua preocupação não era o indivíduo, era a da "vontade geral" e do poder da colectividade. Também a sua crítica radical à propriedade o afasta do liberalismo e o coloca próximo do socialismo radical.

Muitos pensadores e durante muito tempo, combateram os conceitos individualistas de liberdade. Saint-Simon (1809-1865), por exemplo, com grande rigor lógico, referia que: “não imaginava o homem livre dentro de um mundo físico governado por leis imutáveis”.

A preocupação obsessiva e exclusiva com a liberdade individual e com a propriedade criava modelos individualistas e egoístas que não poderiam satisfazer a todos. Os movimentos socialistas e anarquistas multiplicaram-se, inconformados com esse individualismo do liberalismo clássico a que Hegel chamaria de "despotismo da liberdade". Uma liberdade cómoda para os que já eram livres e proprietários.

A Revolução Industrial agravou o quadro social. Edmund Wilson descreve com rigor aquela época: "... as crianças que começavam a trabalhar nas fábricas aos cinco ou seis anos, recebiam pouca atenção das mães que também passavam todo o dia nas fábricas e nenhuma instrução de uma sociedade que só queria delas que executassem operações mecânicas. Quando se deixavam sair das verdadeiras prisões que eram as fábricas, as crianças caíam exaustas, cansadas demais para lavar-se ou comer, quanto mais estudar e brincar... Também nas minas de ferro e carvão, mulheres e crianças, juntamente com os homens, passavam a maior parte das suas vidas, rastejando em túneis estreitos debaixo da terra e, fora deles, viam-se presas nos alojamentos da empresa".

Este quadro de miséria e a crítica justa ao liberalismo clássico que o aceitava, estimulou o pensamento socialista que encontraria em Marx a sua maior expressão.

o pós-socialismo

É natural que as guerras aumentem o poder e a influência dos Estados. A segurança das nações depende de exércitos que os governos comandam. Todo o consumo e a produção se alteram e os povos vivem sobretudo o esforço comum que tem como objectivo a vitória militar. O Estado é o actor principal e o organizador de todo esse espectáculo...

No século passado, tivemos duas grandes guerras que acostumaram as nações à direcção centralizada dos Estados. A primeira permitiu o aparecimento do Estado socialista (bolchevista) na Rússia e de uma série de governos totalitários na Europa e na América do Sul.

O mundo cansara-se do egoísmo do liberalismo clássico e das evidentes injustiças que o processo capitalista gerara no final do século XIX. Os sonhos de Marx, dos seus antecessores e dos seus seguidores encontraram terreno fértil.

O socialismo desenvolveu-se então por toda parte. Socialista chegou a parecer sinónimo de humano e bom. Em certa época, criou-se a consciência de que o mundo caminharia inevitavelmente para o socialismo e assim se criaria uma sociedade mais justa e igualitária.

A propriedade privada sofria restrições e o Estado aumentava seus tentáculos, tornando-se protector e administrador. Durante quase cem anos, o socialismo teve a sua oportunidade de provar eficiência e realizar aqueles sonhos de justiça e igualdade.

Mas, com o fim das guerras e a volta do mundo à sua rotina de progresso, o modelo começou a mostrar as suas falhas. O desenvolvimento tecnológico tornou a produção tão diversificada que o Estado se tornou incompetente para administrar o mercado. As teorias socialistas e marxistas foram sendo derrubadas uma após outra, como um castelo de cartas que se desmancha.

A ideia socialista do Estado burguês a serviço de uma classe dirigente passou a aplicar-se não às democracias ocidentais, mas exactamente aos regimes socialistas, onde o Estado era o grande opressor.

O Estado socialista tornou-se dramaticamente ineficiente. Retirava o dinheiro do mercado para fazer mais caro e pior do que a empresa privada faria com mais eficiência. Em toda parte, onde as empresas foram estatizadas, os resultados foram lamentáveis.

A União Soviética conseguira progredir graças à escravização do trabalho e a uma férrea ditadura. As comparações indicam que, com tal sacrifício do consumo e disponibilidade de mão-de-obra, num regime liberal teriam conseguido resultados incomparavelmente melhores. Sem o sacrifício das liberdades, o operário alemão e o inglês libertaram-se e têm hoje um padrão de vida que não se poderia conceber na primeira década do século. E muito superior aos dos antigos regimes socialistas.

Em 1970, Benoist, socialista, numa obra que se vai tornando clássica, anunciava: "Marx morreu". E dez anos depois, Alain Touraine, socialista insuspeito, chegaria a dizer: "O socialismo é hoje apenas uma ideologia que atrasa a compreensão de uma sociedade que nasce sob nossos olhos".

Gorbatchev deu o tiro de misericórdia num regime cuja sentença de morte já estava anunciada. Os regimes socialistas desabaram em toda a Europa e na União Soviética. A destruição do Muro de Berlim é o símbolo do fim de uma época de opressão, mantida em nome de ideais populares.

É importante que não se confunda o fim do socialismo com a ressurreição do liberalismo clássico capitalista. Esse liberalismo de Adam Smith desapareceu antes do socialismo e, talvez até tenha estado na sua origem...

Entusiasmados com o que vêem no Ocidente, líderes de antigos países socialistas sonham com o aparecimento, nos seus países, de vitrines de electrodomésticos achando que basta deixar livre o mercado e o progresso virá! Como se o Ocidente não estivesse a acumular este progresso desde o século XVI...

o neoliberalismo

Com o fim do socialismo, o liberalismo volta a fortalecer-se. Duas correntes irão buscar as suas inspirações ás doutrinas liberais: o neoliberalismo e o liberalismo social.

O neoliberalismo moderno tem como um dos seus maiores teóricos Von Mises (1881-1973) e Hayek (1889-1992) que são fortemente individualistas e despreocupados com a realidade social. Acham que tudo se resolverá, se as leis do mercado forem seguidas.

Os neoliberais tendem a sacralizar a liberdade, inclusive a do mercado, considerando-a um bem em si mesmo e o objectivo final que deve ser procurado. Para Hayek, a liberdade é a ausência de qualquer coerção ou coacção. A coacção existe quando a acção do indivíduo está a serviço da vontade ou da intenção do outro, por exemplo, um militar da Legião Estrangeira perdeu a sua liberdade, ainda que tenha livremente feito a sua opção, mas um soldado de um exército regular não fica na mesma situação, porque não se submete à vontade de alguém, mas a leis que são obedecidas também pelos seus superiores.

Diante do fracasso socialista, o neoliberalismo vai mais além que Adam Smith na rejeição do Estado e na defesa da liberdade de mercado. O liberal clássico aceitava a protecção do Estado em certas áreas fundamentais, por exemplo, na navegação e para certos fins sociais, tais como promover a educação dos mais desfavorecidos.

Os neoliberais acreditam que qualquer intervenção do Estado é prejudicial, porque desequilibra a sociedade de mercado, provocando, em cadeia, outras intervenções para corrigir este desequilíbrio.

Para os neoliberais, expressões como Justiça Social e Bem Comum são meros álibis de grupos de pressão que pretendem satisfazer seus interesses às custas do Estado e daqueles que produzem riqueza.

Para que haja liberdade, é preciso que haja progresso permanente e este progresso precisa de um mercado absolutamente autónomo. Alterar esta autonomia ou o lucro paralisa os mecanismos que promovem o progresso e asseguram a liberdade. Para Hayek, a ideia de liberdade consolidou-se no pensamento humano não por questões religiosas ou éticas, não é antecedente, é consequente. Corresponde apenas à racionalidade. O homem é livre porque sendo-o, é mais eficiente e produz melhor.

Para o pensamento neoliberal, numa sociedade competitiva, como deve ser para progredir, a miséria, por exemplo, é um preço inevitável que se tem que pagar. Às vezes, este preço é elevado, mas não há alternativa, ou os homens teriam que se submeter a opções e a escolhas subjectivas das alternativas dos que os governam e todo o equilíbrio da sociedade livre desapareceria.

O mercado é deificado pelos neoliberais e só ele, deve determinar as regras da vida e da sociedade.

A acção humanitária ou social do Estado parece aos neoliberais, pelo menos, hipócrita e despida de lógica. Para Hayek, se o homem não fosse, por exemplo, tão egoísta e se se tivesse realmente preocupado com os que morrem em desastres de automóvel, teria uma solução: acabar com os automóveis. O que ele não faz.

Da mesma forma, é ilógico pretender parecer que resolve problemas, quando apenas prejudica a livre competição entre os homens, gerando problemas maiores.

Negam-se os serviços sociais do Estado. Para Hayek, não é justo obrigar pessoas a contribuírem para objectivos que talvez não lhes interessem, como a assistência social. Se quiserem ser caridosas que o sejam livremente. Além disso, o Estado não é confiável e não se pode julgar a necessidade real, a extensão e o custo de tais serviços. Nesta linha de raciocínio, mesmo os impostos progressivos que taxam mais os mais ricos, são injustos.

Este neoliberalismo traz fatalmente, como consequência da sua ideologia, a apologia de grupos, de empresas ou corporações capitalistas que falam em "liberdade de mercado" apenas como uma desculpa para justificar a exploração do consumidor e da sociedade e a busca de lucros sempre maiores.

O neoliberalismo é ideológico, tal como o socialismo. Parte de premissas discutíveis e sobre elas assenta todo um programa mais radical que o do liberalismo clássico.

Raymond Aron, um dos maiores liberais contemporâneos, resumiu a sua crítica numa frase:" Não recuso a Hayek a minha admiração. Mas eu reservo-me a dar-lhe a minha fé".

o liberalismo social

O Conceito de Liberdade no Liberalismo Social

O homem é livre quando, sem sofrer coacção, pode realizar-se, de acordo com as leis naturais, isto é, a busca da liberdade e do estado de liberdade, não nos autoriza a agir contra a natureza. A natureza impõe-nos limites, às vezes estreitos e que não dependem de nossa vontade.

É-nos assegurado o livre-arbítrio, conceito diferente do de liberdade. Podemos, usando nosso livre-arbítrio, matar, roubar ou viciar-nos em drogas, mas em qualquer destas hipóteses, não estaremos a ganhar, mas, pelo contrario, a perder a nossa liberdade. Resumindo, livre-arbítrio não é igual a liberdade.

Só exercitamos a nossa liberdade quando utilizamos o nosso livre-arbítrio dentro dos limites éticos que a Natureza nos impõe. Fora disso, estamos a contrariar a nossa própria condição humana, na qual a liberdade está inserida.

A liberdade não pode ser alegada, por exemplo, para o acto imoral ou, no plano social, para a opressão de outro indivíduo. Ela é um bem que visa à dignificação do homem.

Para sermos livres, não podemos dizer, como Lúcifer, "não servirei", em busca do poder total e da suposta liberdade total. Pelo contrário, quando procuramos essa pretensa liberdade, fora da ordem natural, escravizamo-nos.

O neoliberalismo clássico retira da liberdade qualquer conteúdo ético, que já esvaziara o liberalismo clássico, tornando-o antinatural. Talvez por isso, Lamennais (1782-1854) escreve: "Torne-o cristão e ele renascerá".

Na primeira metade do século XIX, M.me de Stäel também se opunha à separação dos liberais das religiões, lembrando que não é preciso ser ateu para amar a liberdade.

Estes dois autores não queriam dizer que o liberalismo deveria ser cristão ou religioso.

Diziam que se se lhe acrescentasse os valores éticos das religiões engrandeceria. O liberalismo individualista e antinatural, baseado no egoísmo e no individualismo, tal como o socialismo, foi e é fortemente condenado pelos papas, ao longo dos tempos.

O liberalismo social, ao contrário desse liberalismo egocêntrico, entende a liberdade dentro da ordem natural.

O conceito de Humanismo no liberalismo social

A liberdade é um bem fundamental e, por isso, deve estender-se a todos, não servindo de desculpa para que os grupos sociais sejam privados dela. É fundamental, porque permite a plena realização do ser humano e, assim, todos têm direito a ela.

Com esta visão, damos ao liberalismo a sua dimensão humanista, retirando-o das cadeias de um individualismo egoísta, impostas pelos liberais clássicos.

No mundo de Adam Smith, um pequeno grupo civilizado desinteressava-se das grandes massas, entendidas apenas como força de produção ou mão-de-obra disponível. Os que dirigiam a sociedade pretendiam garantir apenas o seu próprio direito à liberdade. Numa moderna democracia de massas, têm de ser considerados todos os que querem obter esse direito.

Quando Adam Smith, por exemplo, se entusiasma com a divisão do trabalho levada a seus limites extremos, vê o homem como simples máquina, um instrumento da produção. Quando imagina que todos são iguais aos seis anos, nem sequer pensa nos mais desfavorecidos. Realmente, as forças do mercado tendem a equilibrar preços, mas enquanto isso não acontece e não é inevitável que aconteça, porque o mercado perfeito não existe, mulheres e homens podem morrer de fome ou serem escravizados através de um trabalho mal pago. Como o centro das suas preocupações não é o ser humano, todas essas considerações são irrelevantes para os liberais clássicos e para os neoliberais.

O mercado não deve ser sacralizado. Acredita-se nele porque ali os homens fazem as suas trocas e encontram satisfação para seus interesses. É então, um meio, não um fim. O meio mais eficaz para que o homem progrida e se realize, no plano económico.

A obsessão teórica pelo mercado faz com que os liberais clássicos esqueçam os vícios que o mercado pode adquirir quando não é regulado. O monopólio e o oligopólio são os mais comuns desses vícios. Em nome da não-ingerência do Estado, um grupo impõe preços a consumidores que não têm alternativa. São, na realidade, tão opressores quanto o Estado e devem ser reprimidos.

O conceito de Conteúdo Social no liberalismo social

O liberalismo social procura conciliar os ideais de liberdade e de justiça; de liberdade para todos e satisfação de necessidades da colectividade.

De pouco adiantaria falar em liberdade de mercado para os desfavorecidos que não têm sequer como chegar ao mercado e, muito menos, pressioná-lo. Não são agentes económicos, mas esquecê-los em nome de uma ideologia de mercado, seria esquecer que o ser humano deve estar no centro de todas as preocupações, ainda que não esteja a comprar ou a vender.

No princípio, o liberalismo era a luta contra a arbitrariedade. Depois, também a defesa da liberdade do indivíduo e das minorias. Hoje, busca estender essa defesa a todos os membros da colectividade.

William Beveridge certa vez, num dos seus relatórios, lembrou a Churchill,: "Liberdade também quer dizer ser livre da miséria".

Na obra Porque sou Liberal, Beveridge (1879-1963) discorda da tese da Liberdade Indivisível de Hayek. Lembra, por exemplo, que a liberdade dada a fábricas inglesas para investir onde quisessem, criou a promiscuidade e a miséria nos subúrbios de Londres. Para ele, há liberdades primárias e secundárias. "Só sacrificando algumas das liberdades menos importantes do passado, poderemos preservar as liberdades essenciais e aumentar seu efectivo usufruto por todos."

No passado, como o conceito de liberdade surgira associado ao de propriedade, a preocupação implícita era a defesa do proprietário, da sua capacidade de dispor dos seus bens e de os poder trocar. Um pioneiro do liberalismo social, Friedrich Harkort, dirá em 1844: "Não aceito a criação da riqueza humana baseada na degradação da classe operária. O papel da máquina é libertar o homem e não modelar uma escravidão ainda mais terrível".

A democracia política, conquista liberal, dá ao liberalismo a sua dimensão social quando não-proprietários de terras ou de máquinas passam a também participar das decisões do poder. A co-gestão e a participação nos lucros, são institutos práticos que dão o exemplo da aplicação dessa dimensão social.

A liberdade de comércio não pode ser instrumento de opressão ou teria um mero objectivo de enriquecimento individual. Se assim fosse a moral estaria reduzida a um código de conduta pessoal e estariam esquecidos os próprios objectivos da vida em sociedade.

A Igreja e a sua Doutrina Social exerceram forte influência sobre o liberalismo social, desde a Rerum Novarum (1891), de Leão XIII. A noção do Bem Comum que deve ser estudado pelo Direito ou pela Economia, tira do liberalismo a sua marca de individualismo egoísta dos séculos passados. Não torna o homem uma simples parcela da colectividade; antes pelo contrário, é visto como o seu centro, o sujeito e o objecto da actividade política ou económica.

Mantém-se a defesa do direito à propriedade, considerado um direito natural e a liberdade, inclusive a de mercado, é, considerada dentro da sua verdadeira dimensão humana.

Nesta linha, é fundamental o conhecimento da encíclica Centesimus Annus, de João Paulo II.

José Guilherme Merquior (1941/1991) escreve, na obra, O Argumento Liberal: "Se suprimir o mercado é ferir de morte o substrato material das liberdades modernas, deixar tudo entregue a seu império é limitar significativamente o livre gozo dessas mesmas liberdades a minorias — e a minorias compostas de privilegiados também pelo berço, não só pelo mérito".

O conceito de Propriedade no liberalismo social

Para os liberais sociais, o direito à propriedade é um direito natural. Ou seja, é anterior ao direito positivo, ao direito escrito. Uma lei que proíba a propriedade privada é ilegítima, porque contraria a natureza humana. É um direito natural, porque o mundo foi criado com bens que se tornaram muitas vezes indispensáveis para o exercício da liberdade e para a própria realização do homem.

Chesterton, um famoso pensador inglês referia que para que o homem se pudesse sentir livre eram indispensáveis "três alqueires e uma vaca"...

Usando esta simbologia, dizia que, tendo esse mínimo, o homem poderia resistir a pressões e ser livre, porque não lhe faltaria onde ficar e como se alimentar. Sem a propriedade, o homem pode tornar-se escravo de quem a tenha, porque não tem condições mínimas de sobrevivência. É neste sentido que se deve entender o direito à propriedade.

Esse direito, como qualquer outro, não pode, no entanto, ser usado contra as suas próprias finalidades. Se a propriedade é utilizada, não para a liberdade, mas para a escravização, não existe o uso, mas o abuso do direito. Nesse caso, é ilegítimo e não pode ser alegado.

O liberalismo social defende a propriedade com mais intransigência que os liberais clássicos ou os neoliberais, porque não a defende apenas por motivos económicos ou egoísticos, dá-lhe a dimensão de um direito natural.

Por outro lado, o liberalismo social não acredita, como os neoliberais, no direito absoluto de propriedade. Não defende apenas os actuais proprietários, mas o direito de todos a ter propriedade, inclusive dos que actualmente não a têm, pois se é um direito, é de todos e não só de alguns privilegiados.

Sobre o assunto, o Papa João Paulo II, na Centesimus Annus, pontifica, com extrema precisão, a posição da Igreja que coincide com a do liberalismo social: " A posse dos meios de produção, tanto no campo industrial como no agrícola, é justa e legítima, se serve para um trabalho útil. Inversamente, torna-se ilegítima, quando não é valorizada ou quando serve para impedir o trabalho dos outros ou para a obtenção de ganhos que não provêm da expansão global do trabalho humano e da riqueza social, mas antes da sua repressão, da ilícita exploração, da especulação e da ruptura da solidariedade no mundo do trabalho.

Tal propriedade não tem qualquer justificação e constitui um abuso diante de Deus e dos homens."

O conceito de Estado no liberalismo social

Liberais sociais e neoliberais coincidem em seu esforço para reduzir a acção do Estado. Há, no entanto, diferenças importantes entre as duas correntes, por exemplo, para os neoliberais, o Estado é um mal necessário.

Como é preciso que alguém cuide dos sinais de trânsito ou defenda as fronteiras do país, aceita-se a existência do Estado. Mas, o equilíbrio social será obtido naturalmente pela sociedade e pelo mercado livres. Esse modelo é teórico e não se aplica à realidade de qualquer país.

Para o liberalismo social, o Estado deve ser fortemente limitado, mas não é um mal em si. Como todas as instituições, deve ser um agente e promotor do bem comum. Está na origem da própria organização social, cabendo à Constituição orientá-lo para funções claramente definidas e limitadas.

Tal como o neoliberalismo, o liberalismo social não acredita no Estado Providencia que visa à eliminação da miséria e das desigualdades entre os homens. Os bens devem ser procurados pelo trabalho, pela iniciativa, pela prudência e não pelas doações do Estado. Mas têm que admitir que há situações em que a acção do Estado é fundamental para que se corrija a desigualdade de poder dos mais fortes e dos mais fracos.

Há áreas específicas em que a acção do Estado sempre foi reconhecida pelos liberais. Quando do mercantilismo, a empresa socorreu-se do Estado que lhe deu protecção para aventuras comerciais e para o acumular de riquezas. O proteccionismo foi utilizado por liberais de todos os países quando isso lhes convinha. Mesmo nos Estados Unidos as ferrovias americanas não hesitavam em receber concessões que lhes permitiam determinar o valor das terras, das colheitas e até os limites de crédito, sem qualquer obediência ou respeito às leis de mercado.

A acção do Estado está directamente ligada ao fortalecimento empresarial nos Estados Unidos, na Europa e no Japão.

É Keynes quem lembra que a acção do Estado foi o que interrompeu, a partir dos anos 50, a série de ciclos que o mercado livre provocava na economia mundial. No mundo moderno, a sua actuação é fundamental para evitar crises e flutuações das moedas e para prevenir monopólios.

Muitas vezes, o Estado é indispensável para garantir liberdades, mas deve ser limitado e não deve competir com as empresas privadas. Mas, ao mesmo tempo, deve ser fortalecido para cumprir a sua missão de garante das liberdades e de prestador de serviços indispensáveis. A Educação e Saúde para todos são exemplos de serviços que o Estado deve prestar quando o cidadão os quiser utilizar ou não dispuser de recursos para garanti-los para si próprio e para a sua família.

O Fim das Ideologias

Por estranho que possa parecer com o fim do socialismo, parece que acabaram as ideologias.

O ideólogo acredita ter uma visão integral e completa do mundo. Tem um sistema que lhe parece coerente para explicar todos os fenómenos e problemas e para indicar soluções. O ideólogo concebe o mundo e tenta adaptar-lhe e enquadrar-lhe a realidade aos seus modelos. Como julgam ter as soluções, dentro da sua omnisciência, os ideólogos tendem sempre para o totalitarismo. Não precisam de crítica ou de debate; basta-lhes o poder para realizar aquilo que lhes parece melhor e, assim, o nazismo, o comunismo, o fascismo são ideologias.

No mundo moderno, quando os factos económicos e sociais podem ser tão bem estudados, as ideologias cederam à análise do real, do concreto. Busca-se hoje uma maior eficiência, sem a preocupação de modelos.

Os modelos ideológicos não resistiram ao choque da realidade. O socialismo que seria a teorização do movimento operário, acabou numa simples teoria do poder do Estado. Desse Estado que foi, após as guerras, a fortaleza do socialismo e que ao invés de libertar os oprimidos, tornou-se o grande protector de privilégios e de direitos dos detentores do poder.

Neste sentido, o socialismo, como ideologia, tornou-se conservador e reaccionário, subvertendo todos os antigos conceitos de esquerda e direita.

Hoje sem preocupações ideológicas, os países da Europa Oriental abrem-se para a iniciativa privada, procurando dar eficiência à sua economia. Por outro lado, nos Estados Unidos, o governo interfere na actividade económica do país, protegendo sectores da sua indústria, ao mesmo tempo que desenvolve programas de benefícios sociais, o que seria inconcebível numa "ideologia" liberal clássica.

O importante não é saber as motivações ou teorias que expliquem o comportamento e o justifiquem. O importante é descobrir, sem compromissos ideológicos, qual o melhor processo e que método se aplica a cada situação.

Um partido doutrinário procura essas soluções atendendo aos princípios que inspiram a sua Doutrina.

Não há uma ideologia a limitar a acção, mas a acção não pode, mesmo em nome da eficiência, contrariar a Doutrina.

PARTIDOS POLÍTICOS

a ética na vida pública

De nada valerão as teorias políticas, se não forem aplicadas por homens que tenham a noção ética da sua missão porque "A Política é uma actividade essencialmente ética".

Nas últimas décadas, a política abastardou-se. Multiplicam-se os exemplos de homens públicos que chegam aos cargos para o simples gozo do poder, para distribuir recursos públicos e facilidades aos que o ajudaram a eleger-se ou que colaboraram para a sua nomeação.

O exercício do cargo público deve voltar a ser entendido em toda a sua nobreza. O político é um eleito pelo povo para defendê-lo e cuidar do Bem Comum: a sua missão é de sacrifício e de desprendimento.

No momento em que o homem público esquece esses deveres éticos, comporta-se como os antigos reis ou os, mais recentes, autocratas.

Bibliografia Resumida

Albert, Michel. Capitalisme contre Capitalisme. Seuil, Paris, 1991.

Benoist, J.M. Marx est mort. Gallimard, Paris, 1970.

Bramsted, E.K.,. El Liberalismo en Occidente (8 vol.). Unión Editorial, Madri, 1982.

Mair, Peter. Comparative Politics: an overview

Mannent, Pierre (apr.). Les Libéraux (2 vol.). Hachette, Paris, 1986.

Merquior, J.G. Liberalismo Antigo e Moderno. Nova Fronteira, Rio, 1991.

Merquior, J.G. O Argumento Liberal. Nova Fronteira, Rio, 1987.

Schooyans, Michel. La Dérive Totalitaire du Liberalisme. Editions Universitaires, Paris, 1991.

Touraine, Alain. L'Après Socialisme. Grasset, Paris, 1980.

Valle, A. Carta para um Jovem Cristão. Nórdica, Rio, 1978.

Valle, A. O Bom Combate. Advice, Rio, 1985.

Wilson, Edmund. Rumo à Estação Finlândia.


[1] Fundado por Manuel Monteiro dissidente do português CDS/ Partido Popular

[3] mais-valia: a diferença entre o que ganha o trabalhador e o valor real do seu trabalho ou o tempo que trabalha a mais do que deveria, pelo que recebe.