[a propósito de um excelente artigo de opinião no Observador]
"Como hoje é dia de reflexão cada um reflecte no que pode. Eu, por exemplo, não consigo deixar de reflectir no destino dos kufiya e keffiyeh espalhados pelos pescoços desta Europa. [...]
Mas, algures na China estas mudanças estão a ser acompanhadas com atenção. Por causa do merchandising. E não só." (Helena Matos)
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“Sim, caso o fim da guerra em Gaza se torne de facto num acordo de paz, para onde irá tanto keffiyeh que agora anda espalhado pelos pescoços desta Europa?
Talvez o keffiyeh ainda faça parte do guarda-roupa de Inverno mas arrisca-se a acabar encafuado naquele canto do armário onde já está a bandeira com o arco-íris.
Ainda se lembram quando não conseguíamos sair à rua sem sermos submersos no arco-íris? Camisolas, canecas, chapéus de chuva, bolos, gelados, peluches, sapatos, pijamas, cortinados e cortinas, molduras, cartazes, cadernos, pastas, lápis e borrachas e sei lá que mais cobriram-se com o arco-íris. Até que o excesso de activismo matou o arco-íris. O arco-íris deixou de ser aquela sucessão do vermelho, laranja, amarelo, verde, azul, anil e violeta, símbolo de alegria, para se tornar num símbolo da luta LGBT+++ e depois também do feminismo interseccional que segundo o google é “uma corrente feminista que analisa como diferentes formas de opressão, como raça, classe, orientação sexual, religião e deficiência, se cruzam e se combinam com o género para criar experiências únicas e múltiplas de discriminação para mulheres” e muitas outras lutas cujo detalhe parece o índice dos livros barrocos sobre anjos e milagres. Aliás a luta tem-se fraccionado tanto que a bandeira não só ganhou outras cores — preto e castanho — como até triângulos e círculos… Deve haver um observatório no ISCTE que explique isto com mais detalhe, quiçá até seja matéria de doutoramentos, mas eu não tenho nem tempo nem paciência para tal exercício.
Seja como for, com tanto acrescento na bandeira tenho a forte esperança de que dentro de alguns anos o nosso festivo arco-íris esteja de volta porque este é um caso em que os lutadores acabarão a lutar entre si, ou seja a esfarrapar a bandeira. Mas por agora, e numa espantosa ironia do destino, a bandeira que já foi do arco-íris deve ir conviver com o kufiya ou keffiyeh palestiniano no mesmo armário donde talvez esteja para sair a boina à Che ou a t-shirt com o rosto de Ernesto Guevara estampado. Porquê?
Em primeiro lugar porque o activismo e a moda estão cada vez mais ligados (qualquer alusão nesta fase a Sofia Aparício é desnecessária). Os activistas precisam de se identificar entre si e nada é mais transversal do que o vestuário.
Em segundo lugar, e é aí que entram a boina e a t-shirt do Che, a atribuição do Prémio Nobel da Paz a Corina Machado veio enfatizar aquilo que é incontornável: a agonia dos regimes narco-comunistas da Venezuela, Cuba e Nicarágua.
O maior foco sobre estas ditaduras levará ao habitual frenesi dos activistas subsidiados que não tardarão a andar por aí com o Che estampado a gritar a versão latino-americana dos dislates que gritaram a propósito de Gaza.