quinta-feira, 30 de outubro de 2025

“Isto não é o Bangladesh.”, um artigo anti CHEGA da Inês André Figueiredo


A frase tem ecoado nas redes sociais nos últimos meses e tornou-se uma arma de marketing político da campanha eleitoral de André Ventura. O presidente do Chega colocou cartazes gigantes com o slogan e tem apostado tudo numa linguagem mais radical nos últimos dias. Objetivos: distanciar-se dos “candidatos do sistema”, centrar a corrida presidencial nele próprio e, não menos importante, vincar as diferenças em relação a Henrique Gouveia e Melo — que pode estar a conseguir seduzir alguns simpatizantes e eleitores do Chega.
Depois de umas eleições autárquicas em que o partido ficou aquém dos objetivos definidos pelo próprio líder do Chega, André Ventura vira agora a agulha para as presidenciais com discurso mais forte e agressivo. Num momento em que a imigração é o centro da discussão política em Portugal, o candidato a Belém entendeu que era preciso mostrar que é o único verdadeiramente capaz de “extremar posições“, dizem ao Observador fontes próximas de André Ventura.
O líder do Chega está especialmente atento a Henrique Gouveia e Melo. As mesmas fontes insistem que é preciso aproveitar a moderação com que Gouveia e Melo se tem apresentado a jogo para tentar provar que Ventura é mesmo o único candidato antissistema — o único capaz de combater contra o “politicamente correto” que todos os outros “candidatos do sistema adotam”, incluindo o almirante.
Gouveia e Melo e Ventura: um duelo particular
Nem de propósito, André Ventura foi particularmente violento no ataque que fez a Gouveia e Melo. “Aqueles que querem ser Presidentes da República não podem achar que um imigrante ao fim de 10 anos é igual a um português, nem podem dizer que Mário Soares é a sua referência. Mário Soares foi um traidor a este país e a direita portuguesa sabe que Mário Soares foi um traidor a este país”, acusou o líder do Chega.
“É preciso mostrar que [Gouveia e Melo] não é o que se chegou a pensar”, defende um dirigente do partido, que nota outra coisa: o almirante parece empenhado em aproveitar o espaço que existe no centro e centro-esquerda para conquistar votos, pelo que importa a André Ventura aproveitar o facto de Henrique Gouveia e Melo estar a destapar o seu flanco direito.
As ações de Ventura têm provocado a reação de Gouveia e Melo. O almirante acusou recentemente o líder do Chega ter entrado “num corrupio de xenofobismo e racismo”, que faz lembrar o sistema hitleriano. Antes, em reação à frase sobre os “três Salazares“, Gouveia e Melo já tinha acusado Ventura de ser um “saudosista” do Estado Novo.
Nessa altura, almirante sugeriu que o líder do Chega “tem algumas tendências ditatoriais” e “gostaria eventualmente de ser presidente da Venezuela e poder mandar prender opositores”. Para Henrique Gouveia e Melo, aliás, “só quem não tem memória verdadeira do regime antigo que atrasou Portugal, que era opressivo e ditatorial”, é que acredita que seria preciso Salazar.
Vêm aí mais cartazes — Ventura no centro do debate
São cinco os cartazes de André Ventura como candidato presidencial que já estão nas ruas. Três sobre imigração, um focado na comunidade cigana e um último com uma mensagem relativa à corrupção. Além do já polémico “Isto não é o Bangladesh”, o líder do Chega surge ao lado de frases como “Os imigrantes não podem viver de subsídios”, “Os portugueses primeiro”, “Ciganos têm de cumprir a lei” e “Um país sem corrupção.”
São todos em fundo branco, com a fotografia do líder do Chega à frente de duas riscas, uma vermelha e uma verde, a simular a bandeira de Portugal, e letras garrafais com mensagens curtas e diretas. Fonte próxima de Ventura não tem dúvidas de que o objetivo principal foi cumprido com o impacto que os cartazes geraram. “Colocou todos a falar sobre ele e colocou todos contra ele”.
A reação de todos os adversários, de Gouveia e Melo a Catarina Martins, de Luís Marques Mendes a João Cotrim Figueiredo, reforçou, precisamente, a ideia que André Ventura quer vender: a de que é um alvo a abater por ser o “único que é capaz de dizer estas coisas” e de traduzir aquilo que os portugueses “na rua” pensam.
Além disso, este tipo de estratégia permite cavar (ainda mais) as diferenças em relação a Marcelo Rebelo de Sousa, que tem sido mais recuado do que o Governo em matéria de imigração — o atual Chefe de Estado começou por vetar a Lei de Estrangeiros e tem agora nas mãos a possibilidade de enviar a Lei da Nacionalidade para o Tribunal Constitucional. Ventura quer aproveitar a onda para mostrar que o Presidente da República pode ser “preponderante” também neste tipo de questões.
Usar uma paródia como arma de política
O cartaz que tem gerado mais polémica — “Isto não é o Bangladesh” — é inspirado numa música do artista “Bruttosuave”, que utiliza a Inteligência Artificial e produz vídeos de humor “satírico e negro”. “Nada do que é exposto neste canal deve ser levado a sério e todas as personagens dos vídeos deste canal, embora baseadas em pessoas reais, são fictícias e criadas através do recurso a IA. O universo de bruttosuave é assumidamente satírico e negro, quem não tiver estofo para este tipo de humor é aconselhado a não ver estes vídeos”, pode ler-se na descrição do perfil do YouTube, onde a música “Bangladesh” já conta com mais de 270 mil visualizações.
O vídeo há muito que entrou no universo do Chega, de tal forma que André Ventura já foi desafiado por jovens, em plena campanha eleitoral, a cantar o refrão para as redes sociais. No vídeo, as figuras de André Ventura, Rita Matias e Pedro Pinto (todas geradas por Inteligência Artificial) são protagonistas da paródia e surgem a gozar os visados, com referências a questões pessoais (o facto de André Ventura não ter filhos, por exemplo) e políticas defendidas pelo partido.
No caso do líder do Chega, a personagem diz colocar a “família acima de tudo”, menos para ele próprio, que ainda não se dignou a ter “putos“. No vídeo-paródia, há ainda referências a Miguel Arruda, o deputado apanhado a roubar malas no aeroporto, a Pedro Pinto e ao facto de ter agredido um árbitro de 18 anos num jogo de futebol, ou ainda a Rita Matias e ao discurso sobre mulheres e feminismo. No entanto, e mesmo tratando-se de um vídeo que goza com e critica objetivamente o Chega, André Ventura optou por priorizar o hype da música e aproveitar a forma como se popularizou nas redes sociais, principalmente no Instagram e TikTok.