domingo, 26 de outubro de 2025

Nem Costa nem Seguro? Nem governo nem Presidente

O PS está preparado para viver sem a sua mitologia de poder? 

A coreografia recente sugere que não. Como quem muda de camisa, os socialistas trocaram o “Sócrates menino-de-ouro” pelo “Sócrates que convém esquecer”. Não houve exame de consciência: houve gestão de dano reputacional. E quando a política se reduz a limpeza de arquivo, o resultado é sempre o mesmo — vazio.

O apagamento conveniente

“Não tivesse Portugal ficado às portas da bancarrota…” — exactamente. Se a realidade não tivesse batido à porta, São Bento teria sido rampa para Belém. O PS não “largou” Sócrates por rejeitar o modo como o poder foi exercido; largou-o porque perdeu o poder. O resto é narrativa higienizada.

O interregno do nada

Chegam as Presidenciais e o PS não tem candidato, tem números: a figura cordata, o tom afável, a moderação performativa. Serve para ganhar tempo, não para ganhar futuro. Em ciclos de mudança, o eleitor pede visão, não descanso; direcção, não gestão da expectativa.

O problema de fundo: a relação com o poder

O PS habituou-se a um estatuto de excepção no ecossistema do regime — não apenas “partido de poder”, mas instituição de mediação do poder. Com Sócrates, o privilégio virou drama. Mas o partido nunca fez a autópsia. Continua refém da imagem de poder que projecta, não de uma ideia de país que proponha. É por isso que o dilema “Carneiro ou Seguro” é falso: não é esquerda/direita, é conteúdo/casca.

Presidenciais sem presidente

Seguro poderá encarnar o “sensato”. Mas sensatez sem substância é anestesia. Aguenta umas semanas; depois devolve o eco: nada para além do tom. Quem dá a mensagem? Quem arrisca a reforma? Quem define prioridades com início, meio e fim?

O que falta dizer no Largo do Rato

Alguém terá de pronunciar a heresia: o PS é um partido como os outros. Sem esse choque de realidade, continuará a confundir ocupação do Estado com projeto de Estado; gestão de calendário com rumo; apagamento de biografias com correcção de erros.

Conclusão: “Nem Costa nem Seguro” só é diagnóstico se vier acompanhado do essencial: nem culto da máquina, nem culto da moderação vazia. Ou o PS reaprende a política como ideia, risco e prestação de contas — ou continuará a viver do passado, à espera que o passado volte a governar o futuro.