(assim "pensa" a Inteligência Artificial)
centralismo caro, prevenção pobre.
Gastamos fortunas em meios de combate cada vez mais incapazes de travar fogos que se tornaram quase incombustíveis ao bom senso. Ao mesmo tempo, adiamos — ano após ano — as medidas de prevenção estrutural e a devolução de competências reais às autarquias, únicas entidades com proximidade, legitimidade e memória do território. Em 2025, a factura fala por si: Portugal já ultrapassou os 222 mil hectares ardidos — a maior percentagem de território queimado na UE — e isto depois de, em poucos dias, terem sido devorados mais de 60 mil hectares. SIC Notícias+1RTP
Um diagnóstico sem eufemismos
Quando um autarca experiente como Pedro Santana Lopes fala em “falência do Estado” na organização e no comando, apontando a durabilidade e descoordenação como traços desta época de fogos, a crítica não é um mero soundbite: é a confirmação de um modelo centralista que dispersa responsabilidades e dilui a execução. Now Canal
Não é de hoje que Santana Lopes defende responsabilização e meios ao nível municipal — incluindo obrigar proprietários a limpar e prevenir —, uma linha de coerência com mais de uma década. E no terreno, como autarca, tem estado a acompanhar limpezas e prevenção em freguesias do concelho. O problema é que o quadro legal continua a transferir “tarefas”, mas nem sempre competências plenas e recursos estáveis. Jornal de Notícias Central Press
O labirinto legal: muita norma, pouca autonomia
Sim, existe hoje o SGIFR (Sistema de Gestão Integrada de Fogos Rurais), há PMDFCI (Planos Municipais de Defesa da Floresta) e uma teia de regras sobre gestão de combustível, faixas, queimadas e autorizações. Mas a coordenação estratégica continua demasiado verticalizada (ICNF/AGIF), enquanto os municípios, que conhecem os proprietários e as servidões, ficam com a ponta da execução e com orçamentos oscilantes. Resultado: planeia-se no topo; apaga-se em baixo; previne-se pouco. Diário da RepúblicaI
Mesmo no domínio da protecção civil municipal — onde o Estado anunciou descentralização — a realidade no terreno é desigual: falta gente qualificada, equipas permanentes, mecanização e dinheiro plurianual. Transferências sem musculatura financeira tornam-se, na prática, mandatos impossíveis. Diário da República PGD Lisboa
O que fazer: oito decisões com dono e relógio
1 Cheque-Prevenção Municipal: financiamento per capita florestal (€/hectare de área de risco) directo às câmaras, plurianual, protegido de cativações, para equipas próprias de gestão de combustível, aceiros, mosaicos e caminhos florestais. Prioridade ao perímetro dos aglomerados e às interfaces urbano-rural. ICNF
2 Mosaicos obrigatórios, com comando local: tornar vinculativa a execução de mosaicos de gestão de combustível à volta de aldeias e infra-estruturas críticas, com ICNF a coordenar a rede primária e municípios a dominarem a rede secundária e a última milha. ICNF+1
3 Terras sem dono, risco com dono: processo simplificado para intervenção municipal em parcelas abandonadas ou sem proprietário identificado, com recuperação de custos via taxa de risco sobre o prédio (e leilão subsequente se houver reincidência). Este é um dossiê jurídico adiado que agrava todos os fogos. Ordem dos Advogados
4 Autorizações de queimada com critério e fiscalização: manter a regra de autorização municipal/freguesia, mas com janelas meteorológicas padronizadas e equipas de vigilância local dedicadas na época crítica. Falha? Coima efectiva e suspensão de autorizações nessa campanha. Agroportal
5 Brigadas municipais permanentes (12 meses): menos “sazonalidade de Verão”, mais equipa todo-o-ano para limpeza, arborização resistente, gestão de linhas de água e manutenção de rede viária florestal. O PRR e fundos climáticos devem privilegiar capex/opex local em vez de gadgets de combate. Diário Imobiliário
6 Seguros e energia: prémios e tarifas pró-prevenção: prémios de seguro rural bonificados para freguesias que cumpram 90% do PMDFCI; penalização nas faltas. Nos territórios de alto risco, uma fracção das receitas energéticas (produção eólica/hídrica local) afecta a um Fundo Municipal de Prevenção. ICNF
7 Comando único local na primeira hora: clarificar por lei que, na fase inicial, o Comandante Operacional Municipal lidera a resposta em solo municipal, com passagens de comando cronometradas conforme níveis de gravidade — e com dever de informação para o presidente de câmara. Diário da República
8 Transparência radical: painéis públicos diários por concelho com execução do PMDFCI (km de faixas limpas, hectares tratados, contra-fogo autorizado), causas apuradas e sanções aplicadas. Se o país soube, a meio de Agosto, que já ardia “como não se via” desde 2017, também pode saber quem cumpriu e quem falhou em cada concelho. SIC Notícias
Conclusão
Não há milagre aéreo que substitua gestão do combustível no chão. Enquanto o Estado continuar a centralizar o planeamento e a derivar a execução para quem tem menos meios, repetiremos o ritual: sirenes, heróis exaustos, balanços e promessas. O país precisa de autarquias com comando, carteira e lei — e de um Governo que lhes entregue, sem medo, as chaves da prevenção. Como alertou Santana Lopes, o que está em causa já não é apenas o combate aos fogos: é a capacidade do Estado de responder ao mínimo que os cidadãos têm direito. Com donos e com relógio. Now Canal
Notas e referências essenciais
1 2025, ano negro: 222.210 ha ardidos até 20 de Agosto; Portugal com a maior percentagem de território ardido na UE. SIC NotíciasRTP
2 “Falência do Estado”: declaração de Pedro Santana Lopes (18 de Agosto, NOW). Now Canal
3 Quadro legal: SGIFR (DL 82/2021) e PMDFCI (ICNF); descentralização de protecção civil municipal (DL 44/2019). Diário da República
4 Queimadas e autorizações: enquadramento prático com autorização municipal/freguesia. Agroportal