domingo, 25 de maio de 2025

PS e AD: a pressa do centrão que atropela o voto popular

A 18 de Maio, os eleitores portugueses enviaram um segundo recado claro às forças políticas. O veredicto das urnas foi severo para o Partido Socialista (PS), que sofreu uma das piores derrotas da sua história recente, e consagrou a coligação de centro-direita Aliança Democrática (AD) como vencedora, pela segunda vez embora minoritária . Num cenário político fragmentado — com o partido CHEGA a conseguir um resultado histórico ultrapassando  em deputados ao PS — esperava-se que os principais partidos fizessem uma pausa para reflectir. De facto, nas horas seguintes ao desaire, vários dirigentes socialistas falaram da necessidade de «reflexão profunda, lúcida e fria». Porém, na prática, essa reflexão ficou pelo caminho. O PS optou pela pressa, saltando «directo para os braços do primeiro candidato» disponível para a liderança, sem debate interno significativo. Assim, menos de uma semana após a derrota, o PS já tinha um novo líder oficioso e braços abertos à colaboração com a AD — um movimento que, na perspectiva de muitos, ignora a vontade popular expressa nas urnas.

Essa rapidez em alinhar com a força vencedora levanta suspeitas justificadas. Afinal, não terá o eleitorado votado por uma mudança de rumo? Em vez de autocrítica, o PS apressou-se a garantir status quo e manutenção de poder nos bastidores, indicando disponibilidade imediata para viabilizar o Governo alheio. Ao fugir à introspecção pós-eleitoral e concentrar-se em arranjos rápidos, o partido acaba por desrespeitar os eleitores — tanto os que o castigaram como os que nele confiaram esperando oposição firme às políticas de direita.

O «centrão» ressuscitado e a pluralidade ignorada

Por detrás desta aproximação expedita entre PS e AD está a velha tentação do centrão: um entendimento confortável entre os grandes partidos, à revelia da diversidade de escolhas feitas pelos eleitores. Francisco Assis, por exemplo, defendeu que «PS e AD têm de dialogar para garantir estabilidade. Fernando Medina insistiu que os socialistas devem viabilizar a entrada em funções do novo Executivo, impondo apenas condições mínimas. Instalou-se, pois, no Largo do Rato, a doutrina de privilegiar acordos de bastidores, apresentando-os como «sentido de responsabilidade».

O problema é que estes consensos artificiais no topo representam um pacto dos derrotados e vencedores para manterem o jogo entre si, ignorando a pluralidade do voto popular. Forçar agora um entendimento PS-AD — que não foi sufragado explicitamente — arrisca trair o espírito de protesto e mudança. A vontade popular torna-se secundária quando as cúpulas decretam que «o povo não sabe o que quer» e que o melhor é os do costume entenderem-se uns com os outros.

Importa lembrar que a democracia portuguesa vive hoje de uma crescente diversidade de opiniões. Ignorar essa diversidade pode ser perigoso. Ao reagrupar-se num centrão formal, PS e AD enviam o sinal de que pouco mudou. Não surpreende que André Ventura denuncie esse bloco central e colha dividendos do descontentamento anti-sistema  É exactamente este o risco: ao atropelar o voto popular e isolar vozes emergentes, PS e AD podem estar a alimentar o monstro que dizem querer conter. Miguel Prata Roque já classificou estes arranjos como «consensos balofos» — verdadeiras mordaças ao debate interno e externo.

Liderança entregue de bandeja: JLCarneiro e a sobrevivência do PS 

A forma como José Luís Carneiro foi guindado a líder do PS em tempo recorde ilustra a tentativa de sobrevivência política a todo o custo. Horas após a demissão de Pedro Nuno Santos, Carneiro fez saber estar disponível para assumir as rédeas socialistas. Em poucos dias, potenciais concorrentes — Mariana Vieira da Silva, Fernando Medina, Ana Catarina Mendes, Duarte Cordeiro — desistiram, deixando-o sozinho na corrida, em nome da tão apregoada «unidade». Resultado: um líder aclamado e não eleito, escolhido pelas elites em pânico.

Com Carneiro ungido pela máquina partidária, sem oposição interna, o PS sinaliza continuidade e não ruptura. Vozes críticas internas lembram que «falta de unidade não reconcilia o PS com os eleitores». Ao presumir que basta um verniz de união e alguns acenos ao centro para recuperar votos, a elite socialista arrisca desrespeitar novamente o eleitorado.

Logo nos primeiros dias, Carneiro declarou-se pronto a «contribuir para a estabilidade política do país», abrindo os braços à AD. Carlos César foi ainda mais longe: «O natural é que o Partido Socialista viabilize este Governo». Traduzindo: o PS adoptará uma oposição de fachada, garantindo que a AD não cai — desde que preserve influência nas grandes questões nacionais. É uma doutrina de sobrevivência que põe a conveniência política acima da renovação programática ou do respeito pela alternância ditada pelas urnas.

O preço de ignorar o eleitorado 

Em democracia, contornar o veredicto popular é sempre um jogo perigoso. Ao desvalorizar a vontade expressa em 18 de Maio, PS e AD aprofundam a frustração de largas faixas do eleitorado. Muitos portugueses sentem que votam, mas «eles» fazem sempre o que querem; se virem agora um bloco central a governar, crescerá a percepção de que o voto pouco importa — e isso só alimentará quem capitaliza o descrédito no sistema.

Uma governação equilibrada exige diálogos, mas não à custa da pluralidade. O PS tem o direito de se recentrar, mas deveria fazê-lo respeitando os seus processos democráticos internos e, sobretudo, o papel que os eleitores lhe destinaram: o de oposição. A AD, sem maioria absoluta, deve formar acordos que reflictam a mudança exigida pelos seus votantes, não apenas o medo partilhado do crescimento do Chega. Se PS e AD optarem pelo caminho fácil do conluio, estarão, na prática, a dizer aos cidadãos que as eleições de pouco serviram — traindo o voto popular e enfraquecendo a democracia.

O comportamento de PS e AD após 18 de Maio merece crítica dura. A democracia portuguesa prospera da saudável tensão entre governo e oposição, e da alternância quando assim o povo o decide — nunca de acordos de bastidores que silenciem essa vontade. No dia 18 de Maio, o povo falou; ignorá-lo, como fazem PS e AD, não é liderança esclarecida nem moderação responsável — é miopia política.