um novo “gender gap”
O sistema partidário português passa recentemente por transformações significativas, com a ascensão de novas forças (como Chega e Iniciativa Liberal) e a recomposição das bases eleitorais dos partidos tradicionais [1].
As preferências dos eleitores podem ser segmentadas por género, idade, escolaridade e região [2]. Constata-se então um novo “gender gap” em Portugal, similar a outras democracias: os homens tendem a votar mais à direita, enquanto as mulheres inclinam-se à esquerda [3]. Da mesma forma, emergem clivagens de escolaridade – com partidos diferentes atraindo eleitores de níveis de instrução distintos – e contrastes geracionais entre partidos “novos” e “antigos” [4]. Esses padrões gerais fornecem um pano de fundo para entender os perfis de cada partido em detalhe.
O eleitorado do PSD apresenta um perfil relativamente mais heterogéneo. Não há um desequilíbrio pronunciado de género [10]. Até à crise da austeridade, o PSD contava com expressiva fatia de eleitores idosos, mas estes migraram para o PS [11]. Em 2022, o PSD teve desempenho fraco nos eleitores acima de 54 anos (28% contra 51% do PS), mas disputou os mais jovens – empatando tecnicamente com o PS entre os menores de 25 anos [7]. Em 2024 e 2025, a coligação AD recuperou parte do eleitorado sênior, ultrapassando o PS nesse grupo etário [2].
A maior fatia dos seus eleitores possui ensino superior: 42% em 2022 [6]. Em 2024, AD e IL juntas chegaram a concentrar 44% dos votos dos eleitores licenciados [4]. Entre os eleitores com escolaridade baixa, a AD fica ainda atrás do PS [8]. Em termos territoriais, a AD subiu em cerca de 90% dos concelhos entre 2024 e 2025, sobretudo nos bastiões tradicionais [9].
CHEGA
O CHEGA tem um eleitorado marcado pela sobre-representação masculina, idade intermédia e escolaridade média ou baixa. É o partido com maior desequilíbrio de género a favor dos homens: em 2022, dois terços dos votantes eram homens [12]. Entre 2022 e 2024, a proporção de mulheres subiu para 40% [3]. Em 2024, o Chega liderou entre homens com menos de 55 anos e cresceu entre mulheres de 25–34 anos [13].
Em termos de instrução, apenas 7% dos licenciados votaram Chega em 2022, enquanto entre os eleitores com ensino secundário completo obteve o melhor resultado [7]. O partido apela à classe média baixa, trabalhadores e setores frustrados com os partidos tradicionais. Em termos geográficos, destacou-se nos territórios do interior Sul e no Alentejo, antigos bastiões do PS e do PCP [9].
Partido Socialista (PS)
O eleitorado do PS caracteriza-se por uma média de idade elevada e maior participação feminina. Se traçarmos um retrato-tipo, seria uma mulher com mais de 54 anos e com baixa escolaridade [5]. De fato, 57% dos votos socialistas em 2022 foram de mulheres [6]. Cerca de metade dos votantes do PS têm mais de 54 anos [7], o que faz do PS o partido preferencial dos eleitores mais idosos. Em contraste, entre os jovens adultos o PS enfrenta grande dificuldade – em 2024, ficou apenas em terceiro lugar entre os eleitores de 18 a 34 anos [8].
O PS continua ancorado nos estratos menos instruídos e populares. É o partido com maior apoio entre pessoas de baixa instrução: em 2022, 55% dos eleitores do PS não tinham terminado o ensino secundário [6]. Nas eleições de 2025, os socialistas viram a sua votação descer em 307 dos 308 concelhos do país [9]. O PS mantém um perfil de eleitorado envelhecido, maioritariamente feminino e menos instruído.
Iniciativa Liberal (IL)
A IL tem um eleitorado pequeno mas muito definido: urbano, jovem, altamente instruído e tendencialmente masculino. Em 2022, 49% dos seus votantes tinham menos de 35 anos [14], e 58% eram homens [6]. É o partido preferido dos licenciados: cerca de 61% dos seus eleitores têm diploma universitário [6].
Em termos territoriais, é forte nas áreas metropolitanas de Lisboa, Porto e no estrangeiro. A IL enfrenta o desafio de alargar a sua base para além do nível socioeconómico alto e meios urbanos instruídos [8].
O BE sempre contou com eleitorado jovem, urbano e escolarizado. Em 2022, a maioria dos votantes eram mulheres (55%) [6]. Mesmo em declínio, destacou-se entre jovens até 25 anos [7]. A base envelheceu, mas ainda está abaixo da média. Apenas 3% dos votos vieram de eleitores acima de 54 anos [7].
Em 2022, 42% dos votantes tinham curso superior [6]. A queda entre eleitoras com curso superior em 2025 prejudicou fortemente o BE [13]. Geograficamente, está concentrado em centros urbanos e universitários. Enfrenta hoje concorrência da IL e do Livre no eleitorado jovem instruído [13].
Partido Comunista Português (PCP/CDU)
O PCP tem uma base envelhecida e fiel. Em 2022, a maioria dos seus eleitores tinham mais de 54 anos, embora com diferença moderada para as demais faixas [6]. Não há grande diferença entre sexos (53% homens, 47% mulheres) [6]. O partido enfrenta dificuldade em renovar a sua base.
É o partido de trabalhadores manuais e pensionistas. Em 2022, 36% dos seus votantes não tinham concluído o secundário [6]. Geograficamente, está presente no Alentejo e Margem Sul, mas perdeu terreno nos últimos anos. É um eleitorado classista, envelhecido e ideológico.
As clivagens por idade, género e escolaridade estão a reconfigurar o sistema partidário português. PS, PSD e PCP mantêm bases mais velhas; Chega, IL e BE captam mais jovens. As mulheres votam mais à esquerda; os homens, à direita. PS e PCP têm apoio entre os menos escolarizados; BE, IL e AD entre os diplomados. Compreender estas bases permite interpretar a dinâmica dos partidos e prever onde ganharão ou perderão terreno.
[1] Pedro Magalhães e João Cancela, "As bases sociais do novo sistema partidário português, 2022–2025"
[2] ICS/ISCTE, Sondagens à boca das urnas 2022 e 2024
[3] Magalhães, Pedro. Artigo sobre gender gap em Portugal (ICS 2023)
[4] Sondagem ICS/ISCTE (Educação e voto 2022–2024)
[5] Expresso, "Perfil do eleitor-tipo do PS" (2022)
[6] ICS/ISCTE, distribuição por sexo, idade e instrução (2022)
[7] Sondagens Legislativas 2022 (Pitagórica/ISCTE/ICS)
[8] CESOP/Universidade Católica, Tracking Poll 2024/2025
[9] Observador, "Mapa Eleitoral 2025" (Maio 2025)
[10] Lisi, Marco. Entrevista RTP (2024)
[11] Lisi, Marco. "Do PSD ao PS: migração de pensionistas" (ICS)
[12] SIC/Notícias, Perfil do eleitor do Chega (2022)
[13] ICS, Relatórios de voto segmentado por sexo e idade (2024/25)
[14] Sondagem Eurosondagem 2022 (perfil da IL)