O crescimento do CHEGA tem sido objecto de múltiplas interpretações, muitas delas ancoradas em análises centradas na retórica populista, na suposta manipulação das redes sociais ou na alegada alienação do eleitorado. No entanto, persiste uma explicação mais simples, directa e, talvez por isso mesmo, muitas vezes ignorada: o CHEGA cresce não tanto pelo seu mérito intrínseco, mas sobretudo pela degradação progressiva dos partidos tradicionais. Em termos simples, o eleitorado não procura o melhor partido, procura o que ainda não falhou — e essa oportunidade, neste momento, está do lado do CHEGA.
Ao longo das últimas décadas, Portugal assistiu a uma lenta mas consistente erosão da confiança nas instituições políticas. Os ciclos de governação sucessivos protagonizados por PS e PSD (com ou sem o suporte de outras forças, como o CDS ou o BE) foram pautados por promessas incumpridas, escândalos sucessivos, reformas inconclusas e uma percepção generalizada de impunidade. As promessas de estabilidade ou progresso não se concretizaram em melhorias visíveis na qualidade de vida, na eficiência do Estado ou na redução das desigualdades estruturais.
Esta falência cumulativa alimentou uma percepção — não apenas entre eleitores mais jovens ou desiludidos, mas também entre cidadãos de perfil moderado — de que a política se tornou uma esfera autorreferencial, desconectada das exigências reais do país. É neste contexto de descrédito que emerge o espaço político para uma força como o CHEGA.
Ao contrário do que muitas vezes se argumenta, o crescimento do CHEGA não depende de uma mobilização ideológica coerente ou de uma plataforma programática robusta. O que sustenta esse crescimento é a rejeição do status quo. O eleitorado que migra para o CHEGA fá-lo, em larga medida, por exclusão — não por adesão plena aos seus princípios, mas pela convicção de que os partidos tradicionais já esgotaram qualquer benefício da dúvida.
Este fenómeno não é novo na ciência política: partidos anti-sistema prosperam quando os partidos dominantes entram em crise de legitimidade e eficácia. O caso português não foge à regra, mas tem uma nuance própria: a persistência de um discurso moralista e sancionatório por parte de muitos actores institucionais (media incluídos) que, em vez de conter o avanço do protesto, o legitimam aos olhos do eleitorado como reacção a uma ordem disfuncional.
A relação entre os media tradicionais e o fenómeno CHEGA é particularmente relevante. A tentativa recorrente de isolar ou descredibilizar o partido e os seus apoiantes — frequentemente rotulados como extremistas ou ignorantes — tem um efeito contraproducente: reforça a ideia de que há um esforço concertado para manter o sistema político fechado sobre si mesmo. O que era para ser uma crítica torna-se, na óptica de muitos eleitores, uma prova de coerência do próprio CHEGA: se todos os que falharam o atacam, é porque ele os incomoda.
Este ciclo de antagonismo simbólico serve os interesses do partido, que não precisa, para já, de apresentar soluções concretas. Basta-lhe denunciar falhas alheias, assumir um discurso de ruptura e manter uma presença combativa nos canais onde a comunicação política é hoje mais eficaz: as redes sociais.
Concentrar o debate público na figura de André Ventura ou nas declarações mais polémicas do partido é uma forma de evitar a verdadeira questão: como é que chegámos ao ponto em que o CHEGA se tornou, para muitos, a única alternativa viável? A resposta não está na retórica populista, mas na degradação das estruturas partidárias tradicionais, na falta de renovação de quadros, na captura do discurso público por agendas desligadas do quotidiano das pessoas.
Neste contexto, o crescimento do CHEGA é menos um fenómeno de radicalização do eleitorado do que uma expressão de saturação democrática. Não é que o CHEGA convença por excelência — é que os outros partidos se tornaram, para muitos cidadãos, indefensáveis.
Se o sistema quiser preservar a sua legitimidade, terá de olhar para além do populismo e começar por fazer o seu próprio exame de consciência.