Ao contrário dos 1001 comentadores que agora garantem que estavam mesmo a ver que as eleições iriam terminar assim, eu não estava.
As sondagens indicavam que o crescimento do Chega era possível, e até provável, mas João Miguel Tavares não queria acreditar nisso, por três razões:
1) porque os 50 deputados do Chega tinham oferecido uma única coisa ao país: maus modos e gritaria;
2) porque o episódio das malas e outros casos de polícia tinham revelado a qualidade lastimável dos seus quadros;
3) porque estava convencido que parte do seu eleitorado não tinha apreciado a queda do Governo e poderia transferir os votos para a AD. (…)
É certo que sempre me esforcei para compreender o Chega, nunca engoli a conversa do regresso do fascismo, e sempre achei que a estratégia das linhas vermelhas iria desembocar aqui — no crescimento da direita radical através da agregação de uma multidão de descontentes que não precisam de concordar em nada, excepto no ódio aos partidos do regime.
Mas, ainda assim, nunca pensei que o crescimento fosse tão rápido, e era, para mim, inimaginável, no contexto destas eleições, que o Chega pudesse ultrapassar o PS em deputados. (…)
Eis boa parte do problema da tribalização: quem se interessa por política enfia palas nos olhos e não se esforça minimamente para perceber o mundo à sua volta — e isto inclui gente que é paga precisamente para isso.
Estou farto do exército de comentadores que acerta nos resultados do Totobola às segunda-feiras.
Todos nós — comunidade de jornalistas, de comentadores, de leitores — temos de fazer um esforço genuíno para sair da bolha onde estamos enfiados.
Neste momento, há dois países políticos, e o de 22,5% permanece na sombra. 
Responder com indignação já não chega.
É preciso começar a estagiar fora da bolha.
Nunca ninguém combaterá com eficácia aquilo que não consegue compreender.”