«Este espírito do 'não querer arranjar chatices' além de legitimar o condicionamento de decisões para agradar a quem governa, tem a perversa consequência de transformar aqueles que não se conformam com este malsão estado de coisas em seres amalucados, pois só uma criatura doida e quezilenta é que anda para aí 'à procura de chatices' quando podia levar a vida em bom sossego.
Nas ditaduras a coisa é simples: o censor não deixa e já está. Ele fica com o ónus da questão.
Nas democracias, as decisões censórias são necessariamente mais subtis. Fazer de conta que não aconteceu nada é uma das estratégias (...)
A censura é, em Portugal, o que mais parecido existe com o amigo preto dos racistas brancos: ninguém é a favor da censura, não há ninguém que não diga que "a censura é uma coisa inaceitável" e que declare a sua profunda admiração pelo jornalismo de investigação, mas, feita esta declaração inicial, tal como os racistas ressalvam que até têm um amigo que é preto, aqueles que se dizem contra a censura desatam na legitimação daquilo que supostamente condenam: suspensão de um programa, desaparecimento de um livro do mercado ou tentativa de controlo de um jornal.
Tudo claro, sempre em nome do bom gosto, da decência e da verdade.»
Helena Matos in Público via portugal dos pequeninos: NÃO ARRANJAR CHATICES