Há noites eleitorais em que os comentadores pedem sais de cheiro; e há outras em que, subitamente, vêem tudo com uma nitidez comovente. Desta vez, em Espanha, a clarividência chegou cedo. A era de Pedro Sánchez não terminou por causa de algoritmos malévolos nem por um súbito ataque de “raiva popular”. Terminou porque a realidade tem o mau hábito de bater à porta quando a propaganda já só fala sozinha.
O essencial não é a dimensão da vitória do Partido Popular; é a dimensão da derrota do PSOE no seu antigo reduto. A Extremadura, durante décadas moldada à imagem do socialismo espanhol, resolveu lembrar que hegemonias não são direitos adquiridos. O mapa político virou, e virou sem pedir licença aos analistas de sofá.
Durante anos, explicou-se tudo com a cartilha habitual: país cansado, polarização tóxica, eleitores manipulados. Tudo menos admitir que governar é decidir — e decidir tem custos. A polarização, cuidadosamente encenada para enfraquecer o PP e empurrar votos para o Vox, acabou por produzir um efeito bumerangue: o colapso histórico do PSOE numa região que julgava cativa. Quando a política se reduz a demonizar o voto alheio, o eleitor aprende depressa a responder no único idioma que conta.
Há, claro, problemas à direita. O PP enfrenta o dilema clássico de quem vence mas nãodomina todo o seu flanco; e decisões como as de María Guardiola mostram como um passo em falso pode custar capital político. Ainda assim, a fotografia geral é inequívoca: a Espanha de amanhã está a formar-se apesar de quem a detesta — e apesar dos que insistem em dizer às pessoas que estão erradas.
E em Portugal? Convém não fingir distração. Também por cá se confundiu governo com moralização permanente, divergência com extremismo, voto popular com erro a corrigir. Também por cá se apostou na pedagogia do insulto e na esperança de que o tempo resolvesse o que a política evitou resolver. Espanha mostra que não resolve.
A lição não é importar receitas, mas reconhecer padrões. Quando partidos se fecham numa bolha de certeza moral, quando tratam antigos bastiões como propriedade privada, quando substituem resultados por narrativas, o ciclo muda — rápido e sem sentimentalismos. A Extremadura não “radicalizou”; respondeu. E respostas assim atravessam fronteiras.
O aviso está dado: quem preferir explicar o eleitor em vez de o ouvir, acabará explicado por ele. Em Espanha, o relógio acelerou.
Em Portugal, a pergunta já não é se a mudança vem - é quando.

