domingo, 30 de novembro de 2025

“Portugal e Espanha: Duas Margens, Um Mesmo Pântano”

Há quem ainda acredite que Portugal e Espanha vivem em realidades políticas paralelas, distintas, incomparáveis. Mas basta olhar para o que hoje se passa em Madrid — e recordar o que vivemos em Lisboa na última década e meia — para perceber que não estamos perante realidades diferentes: estamos perante a mesma doença com sintomas apenas ligeiramente alternados.
A crise moral e política que envolve o PSOE e Pedro Sánchez seria, aos olhos de muitos portugueses, um choque… se não tivéssemos vivido Sócrates, os seus mandatos, os seus negócios, as suas anedotas amargas, e a constelação de “amigos” cujos nomes encheram o Processo que todos 
O Socialismo Ibérico e a Arte da Reunião Secreta
Em Espanha, fala-se hoje de reuniões clandestinas em caseríos do País Basco, onde se negociam votos, favores e futuros políticos com Otegi, Bildu e quem mais estiver disponível.
Em Portugal, chamámos a isto de outra maneira: reuniões na Covilhã, no Freeport, na casa de Paris, nas viagens do “amigo da Covilhã”, nos jantares discretos de São Bento, e nos corredores onde Sócrates garantia que tudo era “absolutamente falso”.
A semelhança é tão perfeita que até o léxico é familiar:
— “Não houve reunião nenhuma”, diz Sánchez.
— “É tudo mentira”, dizia Sócrates, com aquele ar de professor ofendido.
— “Não tenho nada a ver com isso”, repetia Costa sempre que os casos e casinhos dos seus camaradas começavam a subir de temperatura.
Do outro lado da fronteira, quem conduz políticos socialistas para negociações a três horas da madrugada chama-se Koldo García.
Entre nós chamou-se Armando Vara, Carlos Santos Silva, ou algum assessor que já ninguém lembra, mas de quem todos dependiam.
A Espanha não copiou Portugal: apenas seguiu o guião.
De Sócrates a Sánchez: a escolha do aliado “progressista”
Em Portugal, Costa transformou PCP e BE em parceiros de Governo numa geringonça que, apesar do romantismo mediático, foi apenas uma coligação para salvar o PS e satisfazer a gula ideológica da extrema-esquerda.
Em Espanha, Sánchez fez o mesmo — mas com uma diferença fundamental:
Costa precisou da extrema-esquerda; Sánchez precisou da extrema-esquerda, do independentismo e do separatismo.
Se em Portugal já era mau ver o PS entregar cadernos de encargos a Jerónimo e Catarina; em Espanha é patético ver o PSOE distribuir indulgências democráticas a Bildu, Junts e outras forças que, noutro contexto, seriam incompatíveis com a “saúde institucional” que tanto pregam.
Ambos vendem a mesma narrativa:
— “Para travar a direita, vale tudo.”
É o vale tudo progressista, uma espécie de indulgência moral que permite perdoar crimes, apagões judiciais, contradições e corrupções desde que a “direita” fique fora.
A Corrupção como Parente Próxima
O que hoje se investiga em Espanha — pagamentos em numerário, operações obscuras, telefonemas suspeitos, ministros em negação, secretários de Estado em pânico — é um mapa já conhecido dos portugueses.
Portugal teve o Processo Marquês, Vara, Santos Silva, as malas, a PT, o GES, o SIED, as assessorias milagrosas, as viagens providenciais, os cartões de crédito fraternais.
Espanha tem o “caso Koldo”, os pagamentos do PSOE, as transferências para Bildu e o aroma intenso de financiamento partidário “alternativo”.
Portugal teve a “culpa morreu solteira”.
Espanha tem o “não me lembro de nada”.
Ambos têm o PS.
O Método é o Mesmo: negar, negar, negar… confirmar sem querer
Se Sócrates transformou a negação num acto artístico (“não confirmo nem desminto, mas garanto que é falso”), Sánchez aperfeiçoou o estilo com uma leveza quase zen.
E se Costa era o maestro das “não-interferências”, Sánchez é o especialista das “reuniões que não existiram mas afinal existiram”.
A coreografia é sempre igual:
  1. Surge a denúncia.
  2. O Governo nega.
  3. Um assessor diz que não sabe.
  4. Alguém confirma sem querer.
  5. Outro nega outra vez.
  6. A imprensa amiga tenta abafar.
  7. O público assiste, incrédulo.
  8. O partido mantém-se firme - até ser impossível manter-se firme.
Já vimos este filme.
O título português foi “Sócrates: A Queda”.
O espanhol chama-se “Sánchez: A Tragédia em Actos”.
A Grande Semelhança Final
Tudo isto tem um ponto comum:
o socialismo ibérico acredita que o poder é um direito natural, não um mandato temporário.
- Quando perde maiorias, arranja arranjinhos.
- Quando não tem aliados, inventa alianças.
- Quando a lei incomoda, interpreta-se.
- Quando a investigação aperta, apela-se à “estabilidade”.
- Quando a democracia ameaça falar mais alto, grita-se “alerta antifascista”.
Em Portugal, chamámos-lhe geringonça.
Em Espanha, chamam-lhe progresso.
Na prática, é o mesmo: uma decadência institucional embrulhada em retórica moralista.
Dois países, Um mesmo aviso
 - Portugal passou por isto antes.
 - Espanha passa por isto agora.
Ambos os povos assistem a uma erosão progressiva da confiança, da transparência e da decência política.
Em Portugal, disfarçaram com slogans e optimismo vazio.
Em Espanha, disfarçam com discursos sobre “diálogo territorial” e “avanço democrático”.
Mas o essencial é igual:
quando o socialismo perde o pé, arrasta consigo tudo o que estiver por perto — do Estado à justiça, da economia à ética.
A lição é simples, e ibérica:
os povos toleram muito, mas não toleram tudo.
E quando chega a altura de acertar contas, a História tem sempre boa memória.
Por José Costa-Deitado (para o ReVisões)

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