sábado, 15 de novembro de 2025

a primeira grande derrota do PCP, ou o princípio do fim do PREC.

Há 50 anos, a 5 de Setembro de 1975, acontecia a primeira grande derrota do PCP, o princípio do fim do PREC. Tratou se da Assembleia do MFA ou também conhecida pelo pronunciamento de Tancos.

Este acontecimento, provavelmente menos considerado na altura, é hoje visto como um dos momentos de viragem, com consequências a curto prazo, na demissão de Vasco Gonçalves, na relativização da força do PCP no Conselho da Revolução e mais tarde na própria demissão de Otelo e esvaziamento do COPCON.
Desde o início do verão, o PS e o PSD tinham abandonado o governo. Portugal, desde julho, era governado por uma troika comunista constituída por Costa Gomes (PR), Vasco Gonçalves (PM) e Otelo (COPCON). O grupo dos moderados, também chamado de Grupo dos Nove, tinha publicado um documento que contestava o rumo totalitário que o governo comunista, com o apoio de alguns setores militares, estava a implementar.
Otelo reagia com o documento "Autocrítica revolucionária do COPCON e proposta de trabalho para um programa político", que não apenas criticava o documento dos moderados liderados por Melo Antunes, como também se distanciava do PCP. O Documento do COPCON, claramente influenciado por militares e civis ligados à extrema-esquerda, rejeitava a democracia do tipo ocidental e propunha um modelo de democracia popular e de base. Eles defendiam que as eleições só tinham vindo a confundir o povo, impedindo que a consciência revolucionária fosse alargada às massas populares, já que o voto universal conduziria sempre à perpetuação da burguesia.
Este documento replicava as ideias defendidas pelo movimento terrorista do PRP/BR de Isabel do Carmo e Carlos Antunes, pela UDP, por Mário Tomé e pela LCI, partido de extrema-esquerda que mais tarde daria origem ao PSR (Partido Socialista Revolucionário). Tal como a UDP, este partido seria fundido no atualmente moribundo Bloco de Esquerda. Todos eles eram muito próximos de Otelo e dos seus conselheiros políticos. Otelo tinha vindo de Cuba "com o fogo revolucionário todo no rabo". 
Existiam agora, claramente, três blocos dentro do MFA: os moderados liderados por Melo Antunes, os comunistas alinhados com o PCP e cuja face visível era Vasco Gonçalves, e os radicais liderados por Otelo. Mas, ao que parece, já nem os comunistas acreditavam em Vasco Gonçalves.
A enorme fragilidade política de Vasco Gonçalves era indiscutível, tal como a sua loucura, evidenciada no famoso discurso de Almada. Nele, parece claramente um homem perturbado, desequilibrado e acossado. Os relatos falam de um começo amorfo, defensivo e abatido, e um fim eufórico, onde acaba a distribuir cravos à população. De forma tão descontrolada e doente, oferecia flores a quem as tinha acabado de entregar para as distribuir. É um general perdido que gasta os últimos cartuchos, um discurso desesperado que mais parece um dobre de finados.
O Grupo dos Nove (moderados) consegue, então, obter uma plataforma de entendimento com Otelo para o fim do V Governo Provisório. "…..Percorremos juntos e com muita amizade um curto-longo caminho da nossa História. Agora companheiro, separamo-nos. Julgo estar dentro da realidade correcta deste País ao assim proceder. Como dizia Mao - citando os clássicos - um revolucionário deve estar sempre com as maiorias populares. Só com elas poderemos caminhar em frente na Revolução que é e se quer Nacional…"
É nesta altura que Otelo resolve romper com Vasco Gonçalves, proferindo: "Agora, companheiro, separamo-nos (...) Peço-lhe que descanse, repouse, serene, medite e leia."
Sentindo a total falta de base de apoio, quer no MFA e no CR, Costa Gomes demite Vasco Gonçalves, propõe-o para CEMGFA e nomeia Pinheiro de Azevedo para Primeiro Ministro, o único nome que tinha conseguido algum consenso. 
No final de agosto, o PCP ainda tenta uma aliança com as forças mais radicais, apoiantes de Otelo: o MDP/CDE (o seu partido satélite), a UDP, a LUAR, a LCI, o PRP/BR, o MES e alguns outros. O objetivo era garantir o apoio político a Vasco Gonçalves, anular o crescente protagonismo dos moderados (à volta do Documento dos Nove) e confrontar o PS, que começava a tomar conta da contestação na rua. Esta aliança, que começa por se chamar FUP (Frente de Unidade Popular), não deve ser confundida com a Força de Unidade Popular que surgiria cinco anos mais tarde pela mão de Otelo para ser o braço político das FP25. No entanto, a extrema-esquerda não chega a acordo, o PCP sai da formação e esta passa a ser denominada de FUR (Frente de Unidade Revolucionária).
Esses setores mais radicais, ligados a Otelo Saraiva de Carvalho, mas também ao PCP, criavam os SUV (Soldados Unidos Vencerão), uma organização clandestina dentro do exército. Apresentavam-se em conferências de imprensa com o rosto tapado, tal como anos mais tarde veio a acontecer com a famosa conferência de imprensa das FP25, na Costa da Caparica. No domingo do início de setembro, à noite, no Porto, um oficial e dois soldados, embuçados por razões de segurança, deram a primeira conferência de imprensa dos S.U.V. Eles representavam a proletarização do exército, uma organização de trabalhadores fardados, implantada à escala nacional e capaz de combater a reação, defender os direitos dos soldados e fazer avançar a Revolução.
Desta forma, Otelo mas também o PCP teriam um exército privado e clandestino, como uma estrutura de comando autónoma. Mesmo que tenha nascido no âmbito das forças radicais que apoiavam o COPCON. No entanto, dada a capacidade de infiltração do PCP, e toda a sua técnica de orquestrar e mobilizar , “estando por perto mas sem dar a cara”não é claro que este não dominasse também os SUV. As assustadoras manifestações em Lisboa, Porto e Coimbra são prova disso, com militares fardados junto com vários milhares de “revolucionários”.
Prevendo já um futuro confronto militar, foi delineado dentro do COPCON um plano para distribuir dez mil metralhadoras G3 a grupos de populares próximos dos movimentos de esquerda radical. Em setembro, no auge da confrontação entre radicais e moderados, o capitão Álvaro Fernandes, oficial do COPCON, desviou mil G3 guardadas no depósito de munições de Beirolas e entregou-as a Carlos Antunes e Isabel do Carmo. Quando confrontado, Otelo procurou serenar os ânimos: “Sei pelo menos que as armas se encontram à esquerda e isso é uma satisfação muito grande. Se elas se encontrassem à direita é que era perigoso. Como se encontram à esquerda, para mim estão em boas mãos”. Ainda hoje, não conseguimos saber quantas vidas foram ceifadas por estas armas e quantos bancos assaltados por força da sua intimidação. Isabel do Carmo, entre outros, ainda está viva e pode explicar. Sabemos sim, que estiveram na posse do PRP/BR de Isabel do Carmo e
Carlos Antunes e dai transitaram para as FP25 de Otelo Saraiva de Carvalho.
Mas, mesmo moribundo, o V Governo ainda consegue suspender os acordos de Alvor, permitindo que o MPLA, que dominava Luanda, fizesse face à FNLA, que a cercava, e à UNITA, que dominava grande parte do território. Em Angola, a guerra está praticamente interrompida ou suspensa e discute-se a independência. A FNLA está às portas de Luanda e tem uma clara vantagem militar, beneficiando do apoio dos EUA, China e Zaire. Rosa Coutinho, Governador Geral do Governo Provisório de Angola, tudo faz para consolidar a posição dominante do MPLA, que conta com o suporte da URSS e dos seus satélites, como Cuba e a RDA. Mas faltam-lhe armas e tropas. Na viagem a Angola, Otelo recebe um pedido de Fidel Castro para enviar tropas para Angola em apoio ao MPLA. Otelo, diz que transmitiu a Costa Gomes e este desmente-o. Em qualquer caso, o destino estava traçado e como relatará mais tarde o então embaixador em Havana, José Fernandes Fafe, no dia da independência, 11 de novembro, “já havia 16 mil militares cubanos em Angola”, em território ainda português e em violação de todas as normas de direito internacional. Estava validada a trágica guerra civil de Angola.