segunda-feira, 24 de novembro de 2025

Porque me aconteceu um 25 de Novembro

Crónica pessoal de um tempo em que Portugal esteve à beira do abismo

Terá sido por Setembro/Outubro de 1975 quando um antigo camarada me contactou para sondar a minha disponibilidade para uma acção que iria — ou melhor, teria de — ocorrer “em breve”. Estranhei o pedido. Eu, identificado como partidário das teses de António de Spínola para o Ultramar, via essas discussões como passado encerrado, sobretudo depois daquele Verão de descolonização. Do pouco que me pôde confidenciar, percebi apenas que o contacto se devia à minha reputação de disciplinado, disciplinador, “com experiência de combatente e de ter sido comandante de uma unidade”.
Estava concentrado no trabalho, a tentar concluir os estudos interrompidos pela tropa, e a sustentar a família. Mas também inquieto com o rumo que a Pátria parecia trilhar. Respondi-lhe com um “nim”. E fiquei à espera.
Também a verdade do “nim” é que eu estava fora da “minha direita”. Apesar de terem associado ao 28 de Setembro — a minha detenção por mandato de captura “em branco” só não ocorrera antes desse vinte e oito porque o COPCON desconhecia a minha morada — depois eu também não me tinha “refugiado” na Espanha, não estava no Norte, nem no ELP, nem no MDLP. Como só soube muitos anos mais tarde, era vigiado em tudo: no emprego, na faculdade e sabe Deus onde mais.

O meu apelido “estranho” — Costa Deitado, embora usado desde 1787 — prejudicou-me em algumas situações, mas ajudou-me noutras. E o facto de ter estado na Guiné, no ComChefe, “onde tudo começou” para o 25 de Abril, pesou ainda mais. Conhecia e era conhecido pela maioria da malta que o fez 

Chegou, então, o dia 20 de Novembro de 1975. Recebi, pelo telefone fixo, uma ordem clara: apresentar-me no Regimento de Comandos.
Estranhei novamente. Oficial miliciano, ex-Capitão graduado de Cavalaria, a minha ligação ao Regimento limitara-se ao dia da desmobilização três anos antes. Como nada tinha a ver com aquela especialidade militar, suspeito que o critério tenha sido simplesmente a proximidade da minha residência aquela Unidade.
Não conhecia o comandante — e só ali descobri que éramos vizinhos e frequentadores da mesma pastelaria. Conhecia, sim, dois oficiais com quem servira na Guiné.
Apresentei-me. Ordens eram para cumprir. Encontrei alguns jovens militares, mas também (muitos?) homens feitos, certamente da minha incorporação ou até de anteriores.
A distribuição foi rápida: atribuíram-me 22 "comandos" regressados de Angola — endurecidos, experientes, marcados pela guerra. O briefing foi a seguir... 

O que se seguiu pertence à História.
àquela História que não deve ser esquecida, branquear-se, nem — pior — transformar-se em novela para tótós que recusam acreditar o quanto estivemos perto de uma guerra civil.
Tão perto que bastou um fio de decisão e um punhado de homens — militares e civis — para impedir que Portugal se partisse ao meio.
E foi assim que, sem o procurar, sem o esperar, me aconteceu um 25 de Novembro.