A expressão “máquina de propaganda” tem sido recorrentemente utilizada para descrever mecanismos de produção discursiva que, sob o véu da informação, operam como instrumentos de orientação ideológica e manipulação da opinião pública. Embora o termo tenha sido popularizado em contextos políticos específicos — nomeadamente por Cavaco Silva em referência à comunicação social — a sua aplicabilidade transcende conjunturas partidárias, revelando-se pertinente na análise da paisagem mediática contemporânea.
Da Vigilância Democrática à Produção de Narrativas
Historicamente, o jornalismo desempenhou um papel essencial na consolidação das democracias liberais, funcionando como instância de escrutínio do poder e de mediação entre os factos e o público.
Contudo, nas últimas décadas, tem-se assistido a uma mutação profunda na prática jornalística, marcada pela crescente fusão entre informação e entretenimento, pela espectacularização da política e pela erosão dos princípios de imparcialidade e pluralismo.
Autores como Noam Chomsky e Edward S. Herman, em Manufacturing Consent, já haviam identificado os mecanismos estruturais que condicionam a produção noticiosa, desde a concentração dos meios de comunicação até à dependência de fontes institucionais. Em Portugal, esta tendência manifesta-se na proliferação de comentadores residentes, na uniformização das narrativas mediáticas e na marginalização de vozes dissidente
Jornalistas, Comentadores e Influenciadores
A máquina de propaganda contemporânea não opera de forma clandestina. Os seus operadores são figuras públicas, com presença regular nos meios de comunicação e nas redes sociais, que desempenham simultaneamente funções de informação, interpretação e prescrição. Entre estes destacam-se:
- Comentadores mediáticos que, sob o pretexto da análise, reproduzem leituras ideológicas alinhadas com interesses dominantes, frequentemente sem declarar conflitos de interesse.
- Jornalistas de referência que adotam uma linguagem valorativa, recorrendo a adjetivações como “extremista”, “negacionista” ou “populista”, contribuindo para a estigmatização de actores políticos ou sociais.
- Influenciadores digitais que amplificam narrativas mediáticas, reforçando bolhas informativas e dinâmicas de polarização.
- Painéis televisivos que simulam pluralismo, mas que na prática promovem uma homogeneização discursiva, excluindo perspectivas alternativas ou críticas.
A Retroalimentação da Desconfiança
Paradoxalmente, quanto mais se intensifica o controlo discursivo, mais se alimenta a desconfiança pública. A tentativa de deslegitimar determinados partidos ou movimentos através da saturação mediática e da demonização simbólica, tem frequentemente o efeito inverso: a vitimização e a radicalização dos seus apoiantes.
Reconfiguração Ética versus Comunicação Social
A persistência da máquina de propaganda na esfera mediática contemporânea exige uma reconfiguração ética e epistemológica do jornalismo. É imperativo recuperar os princípios de rigor, transparência e pluralismo, promovendo uma cultura informativa que valorize o contraditório e que resista à tentação da engenharia de consenso.
Mais do que denunciar os operadores da máquina, importa construir espaços de resistência discursiva — como este ReVisões — que permitam a emergência de vozes críticas, a problematização dos discursos hegemónicos e a revitalização do debate público.
