quarta-feira, 17 de setembro de 2025

O dilema presidencial de André Ventura: força e fraqueza são, afinal, duas faces da mesma moeda.

André Ventura escolheu, mais uma vez, o caminho mais arriscado. Não acredita que vá ganhar — e sabe que a sua taxa de rejeição, sobretudo à esquerda e na imprensa “a que temos direito”, o torna um candidato improvável. Mas acredita — com razão — que pode alcançar a segunda volta, graças à fragmentação ideológica dos candidatos concorrentes, que não conseguem gerar unanimidade nem dentro dos partidos que os apoiam.
O paradoxo que o move: força e fraqueza.
Quem quisesse verdadeiramente neutralizar André Ventura e enfraquecer o CHEGA talvez já não tivesse de o combater nas arenas parlamentares ou nos palcos televisivos. Bastaria elegê-lo Presidente da República. Conseguir isso seria a apoteose e a derrota, o clímax e a decadência numa mesma eleição. O CHEGA, sem André Ventura, tornar-se-ia irrelevante: um partido em estado vegetativo, reduzido a resmungos parlamentares e a intrigas de segunda linha.

Força
A força de André Ventura é evidente. Pela primeira vez na história democrática portuguesa, sondagens colocam o CHEGA como força maioritária. Ventura conseguiu, em poucos meses, assumir-se como verdadeiro líder da oposição — ao passo que José Luís Carneiro continua atolado no cinzentismo, incapaz de renovar um PARTIDO SOCILISTA à deriva, dominado pelos mesmos de sempre.
Ventura percebe que as presidenciais são o palco perfeito: sem risco de perda parlamentar imediata, com elevada exposição mediática e com a possibilidade de transformar a eleição num referendo sobre o “sistema”. Uma ida à segunda volta bastaria para projectar a sua imagem de inevitabilidade e reforçar o seu domínio interno no CHEGA.
Fraqueza
Mas a decisão revela também a sua maior fraqueza: a solidão no topo. Ventura não tem ninguém a quem delegar protagonismo credível.
Gouveia e Melo, outrora visto como “almirante salvador”, tornou-se indigesto — demasiado vaidoso para piscar o olho a um partido populista, demasiado enredado em anticorpos para uma coligação tácita. Marques Mendes, Cotrim de Figueiredo ou António José Seguro até poderiam ser hipóteses aceitáveis para uma direita “respeitável”, mas só à custa da negação existencial do CHEGA: admitir que não tinha um candidato próprio seria suicidário para um partido que vive do personalismo de Ventura.
O Argumento do “Suicídio Presidencial”
O jornalista Pedro Almeida Vieira defende que, caso Ventura fosse eleito, isso significaria o início do fim do CHEGA1. A Presidência obrigá-lo-ia à moderação, ao decoro institucional e ao silêncio táctico, amputando-lhe o estilo combativo e polémico que lhe dá identidade. Sem o seu líder a provocar, chocar e agitar as águas, o CHEGA definharia, órfão de carisma e de direcção.
A ideia assenta em três pressupostos:
O cargo presidencial é incompatível com o estilo Ventura;
Ventura não conseguiria reinventar-se para esse papel;
O partido não tem sucessor à altura.
Os Contra-Argumentos do “Suicídio Presidencial”
Outros analistas discordam desta visão.
O André Freire tem sublinhado que a Presidência portuguesa é um cargo de grande visibilidade e influência simbólica, mesmo que formalmente limitada, e que o poder depende muito da personalidade de quem o ocupa2. Marcelo Rebelo de Sousa demonstrou como um Presidente pode usar a sua popularidade para dominar a agenda, sem necessidade de exercer poderes formais — o que sugere que Ventura poderia manter protagonismo e moldar o debate mesmo de Belém.
Já Jaime Nogueira Pinto tem argumentado que figuras carismáticas adaptam o seu estilo ao cargo em vez de o perderem — e que um Ventura em Belém poderia “presidencializar” o CHEGA, elevando a sua imagem institucional e obrigando-o a crescer como estrutura partidária3.

Além disso, a história recente mostra que partidos personalistas nem sempre colapsam quando o líder muda de posição: o caso francês da Frente Nacional (Le Pen), ou o italiano da Liga (Salvini), demonstram que, se houver uma base ideológica sólida e estruturas locais activas, o partido pode sobreviver e até ganhar novos espaços com a “institucionalização” do líder4.
Cenários Alternativos
Dois cenários extremos estão em aberto:
Sucesso presidencial e declínio partidário — André Ventura ganha, mas o CHEGA definha, incapaz de gerar novas lideranças, tornando-se satélite de um Presidente neutralizado pelo protocolo.
Sucesso presidencial e consolidação partidária — André Ventura ganha e usa Belém como plataforma de influência diária, deixando a liderança formal do partido a um fiel delfim, mas continuando a condicionar todas as decisões, como fez Mitterrand no PS francês após chegar ao Eliseu.
Entre estes extremos, o cenário mais provável é intermédio: André Ventura perde, mas chega à segunda volta com uma votação expressiva que o consolida como líder da oposição e reforça o CHEGA como alternativa de poder.
A candidatura presidencial de André Ventura é um gesto de risco calculado. Se perder, ganha estatuto. Se ganhar, enfrenta o dilema de se reinventar.
A Presidência pode ser tanto um trampolim como uma jaula. Tudo dependerá menos do cargo em si e mais da capacidade de Ventura para transformar o poder simbólico em influência política quotidiana — e da capacidade do CHEGA para deixar de ser um partido de um só homem.
isto é:
A força e a fraqueza de André Ventura são, afinal, duas faces da mesma moeda.
Referências
Pedro Almeida Vieira, “E se a esquerda fizesse Ventura Presidente? Isso seria… o fim do Chega”, Página Um, 16 Setembro 2025.
André Freire, “Presidência e poder de agenda”, Diário de Notícias, 2021.
Jaime Nogueira Pinto, “A personalização da liderança política”, Observador, 2023.
Cas Mudde & Cristóbal Rovira Kaltwasser, Populism: A Very Short Introduction, Oxford University Press, 2017.