Nas últimas décadas, os jornalistas e comentadores têm recorrido obsessivamente à ideia de “responsabilidade política”. Invocam-na como mecanismo de pressão: um ministro deve sair por uma decisão mal explicada, um autarca deve demitir-se por uma falha de gestão, um deputado deve prestar contas por uma frase menos feliz. Muitas vezes, nem é necessária culpa criminal ou administrativa — basta a perceção pública, amplificada pelos próprios média.
Ora, se aceitamos que um político deve responder por erros, falhas ou até lapsos simbólicos, porque não aplicar o mesmo princípio ao jornalismo?
O jornalista não é um mero espectador. Pelo contrário: é mediador entre factos e cidadãos. Através das suas escolhas — o que noticia, o que omite, o que repete, o que dramatiza — influencia o espaço público e, muitas vezes, as próprias decisões políticas. Um artigo enviesado, uma manchete manipuladora ou um comentário que se limita a ecoar a máquina de propaganda de um partido podem ter consequências tão sérias quanto uma má decisão de governo.
Se há responsabilidade política, deve existir também responsabilidade jornalística. E não basta a desculpa fácil de “opinião” ou “linha editorial”: a responsabilidade nasce do impacto social. Quem exige escrutínio deve aceitar ser escrutinado.
Infelizmente, vivemos numa assimetria:
· Aos políticos cobra-se responsabilidade.
· Aos jornalistas concede-se imunidade, mesmo quando abusam do seu papel.
No mínimo, esta “responsabilidade jornalística” deveria traduzir-se em três pontos:
1. Transparência nas ligações políticas, económicas ou ideológicas.
2. Prestação de contas quando se comete erro ou manipulação — com igual destaque ao da notícia original.
3. Consequências reais no plano profissional ou reputacional para quem usa o jornalismo como arma de propaganda.
Sem isso, o discurso sobre “responsabilidade política” não passa de hipocrisia: os que mais exigem são os que menos aceitam ser responsabilizados.