Em 1938, líderes europeus reuniram-se em Munique para selar o que acreditavam ser um triunfo diplomático: o apaziguamento de Adolf Hitler. Cedendo-lhe a região dos Sudetas, retiraram-na da Checoslováquia sem que esta tivesse sequer assento à mesa. Churchill classificou o episódio como “uma derrota total e sem guerra”. Menos de um ano depois, o mundo mergulhava no conflito mais mortífero da história.
Hoje, os ecos de Munique voltam a fazer-se ouvir — não na Baviera, mas no Alasca. A possibilidade de um encontro entre Donald Trump e Vladimir Putin, centrado na “resolução” do conflito na Ucrânia por via de cedências territoriais à Rússia, representa uma afronta directa à memória histórica e à ordem internacional construída precisamente para evitar a repetição dos erros de 1938.
Se há algo que a história nos ensinou com brutal clareza, é que ceder à força não garante paz; garante mais força ao agressor. O Acordo de Munique não deteve Hitler. Pelo contrário, convenceu-o de que o Ocidente era fraco, indeciso e manipulável. Essa ilusão alimentou a sua sanha expansionista, culminando na ocupação da Polónia e no início da Segunda Guerra Mundial. O mesmo erro está prestes a ser cometido com Putin.
Sob a retórica populista de “trazer a paz”, insinua-se uma lógica geopolítica profundamente perigosa: a de que a soberania de um país pode ser negociada entre potências, desde que isso traga estabilidade aos interesses das grandes nações. A Crimeia? O Donbass? Pequenos preços a pagar, dirão alguns, para “normalizar” relações com Moscovo e encerrar uma “guerra que não é nossa”. Mas esse raciocínio é moralmente falido e estrategicamente suicida.
A Ucrânia não é apenas um campo de batalha. É um teste. Um teste à credibilidade das democracias ocidentais, à viabilidade da ordem internacional baseada no direito, e à vontade coletiva de resistir ao autoritarismo. Ceder território ucraniano à Rússia seria consagrar o uso da força como instrumento legítimo de política externa no século XXI.
Seria abrir caminho a futuras “Muniques” — na Moldávia, nos Bálcãs, nos países bálticos. Seria, acima de tudo, trair todos os compromissos que sustentam a paz na Europa desde 1945.
Perderia segurança, perderia aliados, perderia a confiança num sistema multilateral que, apesar das suas imperfeições, tem prevenido o retorno do caos. Mais grave ainda: perderia a autoridade moral para condenar qualquer outro acto de agressão no futuro.
Um possível acordo com Putin, à revelia da Ucrânia, seria um pacto de cinismo. Um novo Munique. E a Europa, se calar, tornar-se-á cúmplice.
Não há neutralidade possível entre o agressor e o agredido.
A História já julgou Munique.
Vamos permitir que a História se repita — não por ignorância, mas por conveniência.