quinta-feira, 14 de agosto de 2025

Portugal e a encruzilhada migratória: entre o realismo e a inércia

Portugal encontra-se hoje, tal como a generalidade da Europa, perante uma questão existencial: a definição do rumo da sua política migratória. Não se trata de um debate episódico ou de mera oportunidade política — é uma escolha de sobrevivência nacional. Continuar a responder a desafios novos com soluções antigas e desadequadas é receita certa para o desastre. A generosidade, por mais nobre que seja, tem limites físicos e económicos; ignorá-los é condenar o país a um colapso social, cultural e financeiro.

O quadro é claro: Portugal não tem condições para albergar, de forma digna e sustentável, milhões de migrantes, tal como antecipam projeções para as próximas décadas. Nem a Europa, com recursos e infraestruturas mais robustas, tem capacidade para tal. A preservação da nossa matriz cultural, o equilíbrio demográfico e a coesão social exigem uma ação decidida e um reordenamento democrático do nosso quadro jurídico. E, se a Constituição se revela desajustada face à realidade e produz efeitos perversos, o debate sobre a sua revisão torna-se inevitável.

A tentativa mais recente de ajustar esta política foi a nova Lei dos Estrangeiros, aprovada em julho de 2025 pela Assembleia da República, que endurecia os critérios de entrada e permanência no país. Entre as principais alterações, destacava-se a exigência de dois anos de residência legal para aceder ao reagrupamento familiar, a eliminação do regime especial para cidadãos da CPLP — obrigando à obtenção de visto no país de origem — e a priorização de trabalhadores qualificados, alinhando a imigração com as necessidades reais da economia.
O Governo de Luís Montenegro apresentou estas medidas como resposta a uma política migratória “desorganizada e insustentável”, apontando o congestionamento crónico da AIMA, a proliferação de situações de ilegalidade e a incapacidade do Estado em assegurar integração digna. Para os defensores da lei, como André Ventura, era tempo de travar a imagem de Portugal como “paraíso da imigração descontrolada” e devolver credibilidade ao sistema.
Contudo, o Presidente da República decidiu não promulgar o diploma, remetendo-o ao Tribunal Constitucional, que identificou disposições potencialmente incompatíveis com direitos fundamentais. O resultado foi o regresso ao quadro legislativo anterior — precisamente aquele que a maioria parlamentar considerava incapaz de responder à realidade atual.

A questão que fica é simples: podemos continuar a protelar decisões estruturantes, escondendo-nos atrás de formalismos constitucionais, enquanto o país enfrenta pressões migratórias inéditas e um sistema administrativo em rutura? A prudência humanista é necessária, mas o imobilismo é uma escolha — e, neste caso, uma escolha que poderá custar-nos a estabilidade social, a coesão nacional e a própria identidade de Portugal.