O jornal Observador e a sua estação de rádio associada tornaram-se, nos últimos anos, referências incontornáveis da direita portuguesa. Mas não qualquer direita: é uma direita ordeira, urbana, liberal nos impostos, conservadora nos costumes, mas – acima de tudo – institucionalista. É a direita que teme a desordem, mas que despreza o povo que não vota “como deve ser”.
Esta tensão entre o desejo de mudança e o medo de ruptura revela-se com clareza nas análises e comentários que o Observador dedica ao partido CHEGA e, talvez ainda mais interessante, aos seus eleitores.
O que pensam os jornalistas e comentadores do “Observador” sobre o CHEGA?
Uma atitude predominante: crítica e desconfiança
O CHEGA é frequentemente descrito como populista, radical, ou antieuropeísta, embora esta última caracterização varie.
Há uma tentativa frequente de diferenciar o eleitorado do CHEGA da liderança de André Ventura, numa abordagem que sugere que os eleitores podem ser compreendidos, mas o líder é muitas vezes retratado como oportunista ou perigoso.
Comentadores como José Manuel Fernandes, Rui Ramos ou João Marques de Almeida já escreveram ou disseram publicamente que o crescimento do CHEGA é um sinal de falência da representação tradicional, mas recusam normalizar o partido ou incluí-lo numa eventual coligação governativa.
Editorialmente:
O jornal recusa associar-se à tese de “cordão sanitário” à moda francesa, mas também recusa dar legitimidade institucional plena ao CHEGA, especialmente ao nível do governo nacional.
Mas em vários artigos de opinião, considera-se que o partido:
não apresenta um programa de governo consistente,
alimenta-se do ressentimento e de um discurso de rutura emocional,
beneficia da inépcia do sistema partidário tradicional e da impopularidade da esquerda.
Na generalidade dos seus editoriais, artigos de opinião e espaços de comentário, o CHEGA é descrito como um partido populista, radical, perigoso para as instituições e para o prestígio do regime. Não se trata apenas de uma crítica ideológica, mas de um juízo moral: André Ventura é apresentado como manipulador, oportunista e calculista. Já o partido, por seu turno, é visto como um vazio programático preenchido por indignação e ressentimento.
Contudo, o Observador não comete o erro ingénuo de tratar todos os eleitores do CHEGA como fascistas, ignorantes ou xenófobos. Pelo contrário, alguns dos seus colunistas mais sérios – Rui Ramos ou João Marques de Almeida – reconhecem que muitos votos no CHEGA são respostas legítimas a uma representação política falhada, a um sistema que abandonou os seus cidadãos, e a uma classe política que vive num mundo paralelo.
A tensão é esta: compreendem-se os eleitores, mas recusa-se a sua escolha.
Compreendem os eleitores, mas desprezam o seu voto.
O Observador diz entender os portugueses que votam CHEGA… mas continua a tratar o partido como um acidente, um erro ou uma ameaça.
Talvez o que os incomoda não seja o radicalismo de Ventura, mas o facto de milhares de cidadãos terem deixado de pedir licença para protestar — e começado a votar contra o regime.
O Artigo Que Foge ao Roteiro
Curiosamente, é o próprio Observador a publicar (17Junho2025), um artigo intitulado “O que pensam os eleitores do CHEGA?”, que procurou, com alguma honestidade, contrariar a narrativa dominante. Nesse texto, os autores denunciam a visão condescendente com que muitos jornalistas tratam os apoiantes de Ventura: como se fossem analfabetos funcionais, desinformados, ou fanáticos racistas.
Nada disso resiste ao confronto com a realidade: o artigo retrata um eleitorado que, longe de ser irracional, revela consistência nos temas que elege como prioritários (corrupção, insegurança, imigração, justiça), e um profundo descrédito nas promessas recicladas pelos partidos do costume.
A ironia não deixa de ser amarga: o jornal que alberga colunistas que diabolizam Ventura, é o mesmo que reconhece que milhares de portugueses apenas querem ser ouvidos – e que, sendo ignorados, começaram a gritar.
O Limite da Compreensão
O Limite da Compreensão
O Observador quer ser moderno, mas não disruptivo. Quer ser crítico do regime, mas sem romper com ele. Quer dar espaço à crítica popular, mas teme a força do povo quando este se organiza politicamente fora das fronteiras convencionais.
Talvez por isso o CHEGA seja simultaneamente o partido mais escrutinado e o mais mal interpretado pelas direitas institucionais. Porque representa não uma alternativa intelectual, mas uma insurreição emocional e social – o grito de quem já percebeu que este sistema não muda com bons modos.
E é exactamente por isso que, mesmo quando os jornalistas do Observador escrevem que compreendem os eleitores do CHEGA, continuam a escrever como se esses eleitores tivessem votado mal.