terça-feira, 1 de julho de 2025

o lápis do Lopes!


Pedro Marques Lopes, a quem imagino suando por todos os poros, com a ponta da língua escapando pelo cantinho da boca, ansioso como sempre por demonstrar que é incapaz de raciocinar, resolveu, a dado momento da sua vida, escrevinhar redacções. Nestas coisas da escrita, há de tudo e para todos os gostos. Lopes, encontrando-se incontáveis furos acima do aborrecimento que constitui o trabalho e o pensamento, fez da agenda da semana decorada um catecismo. Nunca se engana, acerta sempre – uma graça concedida a todos os que não vivem no sufoco de terem de pensar sozinhos e cospem o que vão ouvindo dizer conquanto pareça não aleijar. Escrevinhou, com pontuação e tudo,
uma composição anunciando ao mundo a valentia de denunciar o que alguém lhe soprou como o colaboracionismo que para aí vai para com a extrema-direita.

Se houve coisa que em Portugal, nos últimos 50 anos, não foi tolerada – e ainda bem! – foi a extrema-direita. Mário Soares, por exemplo, não deixou de avisar que uma possível vitória da direita de Sá Carneiro podia perfeitamente significar o regresso do fascismo ao país, o que, segundo vários terroristas de extrema-esquerda, serviu de mote a mais de meia década de mortes, bombas e assaltos.

Enfim, a extrema-esquerda nunca teve colaboracionistas. Talvez porque a esquerda nunca sofre de radicalismo,

e quando dele padece é porque o radicalismo é especial, magnânimo e bondoso. Talvez por isso não foram tratados como colaboracionistas os capitães de Abril que, conhecendo a ligação de Otelo Saraiva de Carvalho às FP25 de Abril, fizeram questão de lhe sugerir que se afastasse do terrorismo, mas nunca se tenham lembrado de o denunciar às autoridades. Muito menos foram rotuladas de colaboracionistas essas autoridades. Nem o presidente da República, que, conhecendo também indícios do envolvimento de Otelo com o terrorismo antidemocrático, resolveu antes condecorá-lo com a Ordem da Liberdade. Ou o então deputado Manuel Alegre, que chamava Otelo à atenção, como um cuidador informal de um filho tonto, enquanto este último ia apontando nos seus caderninhos quantos tiros se devia dar e a quem. Colaboracionistas não foram, também, todos os dirigentes socialistas que combateram mais pelos direitos dos terroristas presos do que pelas vítimas enterradas, e que proporcionaram a fuga de uma prisão que acabou em mais mortes. Nem foram colaboracionistas todos os generosos humanistas que lutaram pela amnistia de terroristas julgados e condenados e nunca gastaram do seu vasto latim para defender as famílias dos mortos e baleados: Maria de Lurdes Pintasilgo, Agostinho da Silva, Maria do Céu Guerra, José Saramago, José Mário Branco e tantos outros. Não foram colaboracionistas os dirigentes do Banco de Portugal que, tomando conhecimento de que o tesoureiro da instituição ia ser detido por dirigir uma organização que matou a torto e a direito, o deixaram fugir. Nem os médicos e professores da Universidade de Lisboa que lhe passavam atestados falsos para o manter de férias no Banco. Muito menos o jornal que convidou o terrorista em fuga a almoçar no Pabe e a dar-lhe honras de grande página. Não foram colaboracionistas os jornalistas com ligações às Brigadas Revolucionárias ou à ETA que cobriram o julgamento – talvez colaboracionistas fossem apenas os colegas honestos que por lá andavam, as polícias, magistrados ou as próprias vítimas, de quem se chegou a dizer que só o eram por culpa própria. Colaboracionista foi, como tese que vingou durante anos, o Estado que perseguiu, muito contra a vontade de boa parte do poder político, gente cândida e sonhadora.

Talvez não seja suficientemente lembrado, mas por alturas da aprovação da amnistia aos terroristas das FP25 o país, da esquerda à direita, manifestou-se largamente, e bem, contra o bárbaro e repugnante homicídio de Alcindo Monteiro. E talvez esqueça mesmo, por amnésia, ignorância ou má-fé, outros tantos detalhes da História recente deste país que o adora.

Quando o Governo de José Sócrates perseguiu professores por delito de opinião, manobrou empresas públicas e privadas para perseguir objectivos particulares, condicionou a comunicação social, perseguiu jornalistas, procurou, e chegou mesmo a ter algum sucesso na tarefa, condicionar o poder judicial e o Ministério Público, enfim, quando o Partido Socialista liderado por José Sócrates, e apascentado por uma cáfila de príncipes que se mantém impune e que continua a existir publicamente sem sanção, violou todos os princípios da democracia, também nunca por esses anos se ouvia falar em colaboracionistas. Entre 2006 e 2011, o país esteve perante a maior ameaça à democracia desde 1976, mas quem terá colaborado com a afronta? Colaboracionistas? Nem vê-los, que os democratas da época enchiam o bandulho ceando à mesa de Sócrates e sorriam para a democracia.

E quando António Costa, a respeito de uma questão de saúde pública, deixou de auscultar o Conselho Nacional de Saúde Pública e passou quase dois anos a cometer inconstitucionalidades e ilegalidades, violando liberdades básicas, quem terá visto por aí colaboracionistas? Nem um! «Diga a Constituição o que disser», arfava Costa, democraticamente. O Tribunal Constitucional, entretanto, teve de se pronunciar quase duas dezenas de vezes e reconheceu as inconstitucionalidades. Os democratas, os moderados, os sensatos, os bondosos, os santos da República, para salvarem a democracia, o que resolveram, então, fazer? Reconhecer o erro? Nunca! Marques Lopes alguma vez suspeitou do colaboracionismo para com gestos evidentes de derrube democrático vindos dos seus próprios centros de poder? Jamais! Sugeriu-se, depois, alterar-se a Constituição, para que da próxima vez não nos andemos aqui a arreliar com essas minudências dos direitos, liberdades e garantias. Colaboracionistas? Safa, são lá capazes disso os bons democratas que Marques Lopes tanto estima e bajula.

E não se mencione sequer o que a Europol menciona nos seus últimos relatórios TE-SAT (aqui analisado o de 2023 pelo Diogo Noivo, e aqui o relatório de 2024). Se o sapiente Marques Lopes tem o azar de os ler, ainda fica a saber que os atentados pela extrema-esquerda estão longe da extinção e que ultrapassam em larga medida o terrorismo praticado pela extrema-direita. Mantenha-se na ignorância, por favor, poupe-se ao colaboracionismo.

Enquanto o país, permanece incapaz de colaborar massivamente com meia dúzia de brutos com soqueiras e botas de biqueira de aço. O Marques Lopes vê numa minoria um risco anti-democrático; vislumbra colaboracionismo naqueles que, recusando a brutalidade da extrema-direita, rejeitam também a benevolência para com os leninismos empedernidos sob a aparência das boas causas; e é incapaz de olhar à sua volta sem ter a mais leve suspeita de que as maiores ameaças à democracia portuguesa nunca foram as minorias de brutos e selvagens, mas demasiados sonsos, sabujos, dependentes e tiranetes que ocuparam e ocupam as cadeiras do poder e que vestem a si mesmos o manto da democracia. Marques Lopes, coitado, não colabora, porém. Mesmo nestas coisas dos que aspiram a colaborar com a mediocridade é preciso descer uns níveis e ir aos métodos do futebol: faz sempre falta um bom jogo de cabeça. E Marques Lopes, para bem de todos, não tem.