terça-feira, 17 de junho de 2025

Por que razão?

Não restem dúvidas sobre dois factos.

O primeiro é este: todos estes casos de violência são repugnantes, os seus actores merecem desprezo moral e o Estado deve ter os mecanismos próprios de Direito e Justiça para lhes responder, investigando e, sendo o caso, punindo exemplarmente quem os cometeu.

O segundo é o seguinte: independentemente dos mecanismos do Estado de Direito (que merecem toda uma discussão à parte desta), nenhuma democracia sobrevive moral e eticamente quando, no espaço de poucos dias, uns crimes merecem destaque mediático e reacções do poder político, e outros não. Ou quando o poder político decide reagir em função do mediatismo que é oferecido a determinados crimes, ou em função do peso eleitoral que tem a classe profissional a que a vítima pertence.

Por que razão todos os agentes políticos se manifestam perante um episódio levado a cabo por um grupo de extrema-direita e ao mesmo tempo se calam perante um homicídio levado a cabo por um português de etnia cigana que, além de ter assassinado um filho, queria forçar uma sua filha, menor, a casar-se contra a sua vontade?
Por que razão (mais um) caso de violência entre adeptos de desporto é olimpicamente ignorado pelo poder político, mas tratando-se de um agente da PSP até o Primeiro-ministro sente necessidade de vir a público manifestar-se e repudiar a violência?
Por que razão o episódio da Amareleja se cinge às páginas do Correio da Manhã? A menina cigana não tem dignidade suficiente ou os desejosos de demonstrar a sua superioridade moral, sempre tão zelosos dos direitos das mulheres, ficaram hesitantes sobre de que lado estar neste caso concreto?

É assim tão difícil afirmar que nenhum acto de violência, excepto em casos de exclusão de ilicitude (como a legítima defesa, por exemplo), é aceitável, e que todos eles merecem repúdio e que as autoridades devem fazer o seu trabalho? Não, não é. Excepto numa sociedade que vive mais da exibição da sua superioridade moral, das suas agendas políticas e da sua cobardia do que da coerência e da integridade dos seus valores.
(Nuno Gonçalo Poças)

Entre o Medo e o Desprezo: Como o “Observador” Fala do CHEGA… e dos seus Eleitores

O jornal Observador e a sua estação de rádio associada tornaram-se, nos últimos anos, referências incontornáveis da direita portuguesa. Mas não qualquer direita: é uma direita ordeira, urbana, liberal nos impostos, conservadora nos costumes, mas – acima de tudo – institucionalista. É a direita que teme a desordem, mas que despreza o povo que não vota “como deve ser”.

Esta tensão entre o desejo de mudança e o medo de ruptura revela-se com clareza nas análises e comentários que o Observador dedica ao partido CHEGA e, talvez ainda mais interessante, aos seus eleitores.
O que pensam os jornalistas e comentadores do “Observador” sobre o CHEGA?
Uma atitude predominante: crítica e desconfiança
O CHEGA é frequentemente descrito como populista, radical, ou antieuropeísta, embora esta última caracterização varie.
Há uma tentativa frequente de diferenciar o eleitorado do CHEGA da liderança de André Ventura, numa abordagem que sugere que os eleitores podem ser compreendidos, mas o líder é muitas vezes retratado como oportunista ou perigoso.
Comentadores como José Manuel Fernandes, Rui Ramos ou João Marques de Almeida já escreveram ou disseram publicamente que o crescimento do CHEGA é um sinal de falência da representação tradicional, mas recusam normalizar o partido ou incluí-lo numa eventual coligação governativa.
Editorialmente:
jornal recusa associar-se à tese de “cordão sanitário” à moda francesa, mas também recusa dar legitimidade institucional plena ao CHEGA, especialmente ao nível do governo nacional.
Mas em vários artigos de opinião, considera-se que o partido:
não apresenta um programa de governo consistente,
alimenta-se do ressentimento e de um discurso de rutura emocional,
beneficia da inépcia do sistema partidário tradicional e da impopularidade da esquerda.

O Partido que os Assusta e os eleitores que os Incomodam 
Na generalidade dos seus editoriais, artigos de opinião e espaços de comentário, o CHEGA é descrito como um partido populista, radical, perigoso para as instituições e para o prestígio do regime. Não se trata apenas de uma crítica ideológica, mas de um juízo moral: André Ventura é apresentado como manipulador, oportunista e calculista. Já o partido, por seu turno, é visto como um vazio programático preenchido por indignação e ressentimento.
Contudo, o Observador não comete o erro ingénuo de tratar todos os eleitores do CHEGA como fascistas, ignorantes ou xenófobos. Pelo contrário, alguns dos seus colunistas mais sérios – Rui Ramos ou João Marques de Almeida – reconhecem que muitos votos no CHEGA são respostas legítimas a uma representação política falhada, a um sistema que abandonou os seus cidadãos, e a uma classe política que vive num mundo paralelo.
A tensão é esta: compreendem-se os eleitores, mas recusa-se a sua escolha.
Compreendem os eleitores, mas desprezam o seu voto.
O Observador diz entender os portugueses que votam CHEGA… mas continua a tratar o partido como um acidente, um erro ou uma ameaça.
Talvez o que os incomoda não seja o radicalismo de Ventura, mas o facto de milhares de cidadãos terem deixado de pedir licença para protestar — e começado a votar contra o regime.
O Artigo Que Foge ao Roteiro
Curiosamente, é o próprio Observador a publicar (17Junho2025), um artigo intitulado “O que pensam os eleitores do CHEGA?”, que procurou, com alguma honestidade, contrariar a narrativa dominante. Nesse texto, os autores denunciam a visão condescendente com que muitos jornalistas tratam os apoiantes de Ventura: como se fossem analfabetos funcionais, desinformados, ou fanáticos racistas.
Nada disso resiste ao confronto com a realidade: o artigo retrata um eleitorado que, longe de ser irracional, revela consistência nos temas que elege como prioritários (corrupção, insegurança, imigração, justiça), e um profundo descrédito nas promessas recicladas pelos partidos do costume.
A ironia não deixa de ser amarga: o jornal que alberga colunistas que diabolizam Ventura, é o mesmo que reconhece que milhares de portugueses apenas querem ser ouvidos – e que, sendo ignorados, começaram a gritar.
O Limite da Compreensão
O Observador quer ser moderno, mas não disruptivo. Quer ser crítico do regime, mas sem romper com ele. Quer dar espaço à crítica popular, mas teme a força do povo quando este se organiza politicamente fora das fronteiras convencionais.
Talvez por isso o CHEGA seja simultaneamente o partido mais escrutinado e o mais mal interpretado pelas direitas institucionais. Porque representa não uma alternativa intelectual, mas uma insurreição emocional e social – o grito de quem já percebeu que este sistema não muda com bons modos.
E é exactamente por isso que, mesmo quando os jornalistas do Observador escrevem que compreendem os eleitores do CHEGA, continuam a escrever como se esses eleitores tivessem votado mal.

Manuela

 


domingo, 15 de junho de 2025

Avenida Almirante Reis

Ballymena, ouviu falar? E de barbarização?

Há vários dias e noites que nesta cidade da Irlanda do Norte se r
epetem os ataques à polícia, a destruição de casas e os confrontos. Habitualmente estas situações são objecto de notícias e debate com a grelha do costume: sim, poderá ter acontecido a violação – mas alegada – duma adolescente. Sim, os alegados autores da alegada violação podem ser imigrantes, no caso talvez romenos ou ciganos originários da Roménia (desconhece-se a identidade dos detidos porque são menores mas sabe-se que o tribunal recorreu a um tradutor de romeno para recolher as suas declarações). E sim, desde então sucedem-se manifestações em Ballymena e noutras cidades irlandesas contra o crescimento da imigração, muito particularmente contra os imigrantes cuja cultura e/ou religião os levam a não respeitar as leis, os costumes locais e, não menos importante, o modo de vida das mulheres e raparigas europeias. Foram destruídas casas onde residiam alguns desses imigrantes, há relatos de quem tenha tido de fugir e quem afixe autocolantes na porta a dizer que é filipino.

Até há algum tempo eu concluiria este texto escrevendo, desembaraçada de alegadismos, que tanto os agressores da adolescente como os agressores das manifestações terão de ser confrontados com as suas responsabilidades. Mas agora há que acrescentar que os líderes políticos também têm de ser responsabilizados porque foram eles que durante anos subestimaram o impacto que teria nas sociedades que se propunham governar o rápido crescimento das populações imigrantes. 
Ballymena é precisamente uma das cidades da Irlanda do Norte que teve uma mais rápida e profunda alteração demográfica e é mesmo a zona da Irlanda do Norte que teve o mais rápido crescimento de população que não fala inglês ou que não tem o inglês como primeira língua.

sábado, 14 de junho de 2025

O que nos une e que nos querem que esqueçamos!

À semelhança do que se passou nas Forças Armadas e na guerra, a Cerimónia da XXXIII Homenagem aos Combatentes da Guerra do Ultramar teve sempre portugueses de todas as cores, raças e credos religiosos. O que nos unia, aos que fomos para a guerra, era a defesa do que então considerávamos território nacional. Dizer-se que “muitos dos que lá morreram não concordavam com aquela política de defesa do Ultramar” é esquecer que os que não concordavam podiam sempre ser refráctários e evitar o serviço militar – e houve bastantes que o fizeram – ou, depois de lá estarem, desertar – e também houve alguns.
Mas a maioria, à volta de um milhão em 14 anos, foi, serviu e voltou. Morreram mais de nove milhares, cujos nomes estão inscritos nas paredes do Forte do Bom Sucesso que rodeiam o lago. Em 1975, já no caos do PREC, ainda lá ficaram umas dezenas.

Também nas fileiras, em Angola, na Guiné e em Moçambique, serviram muitos jovens do recrutamento local, na sua maioria negros. Em 1974, nas vésperas do 25 de Abril, dos cerca de oitenta mil militares portugueses em Angola, metade era desse recrutamento local; em Moçambique, em cerca de setenta mil, eram mais de metade; e na Guiné eram um terço dos 36 mil que compunham as forças portugueses.
Ora em Moçambique e na Guiné, muitos destes combatentes eram muçulmanos, e as suas convicções religiosas não os impediram de combater por Portugal. E muitos morreram.
Por isso, a partir de 2005, nos encontros do 10 de Junho dos Combatentes passou-se a realizar uma cerimónia religiosa mista, em que o xeique Munir, imã da Mesquita de Lisboa, juntamente com um sacerdote católico, rezavam em memória dos caídos. É, portanto, uma cerimónia inter-religiosa que se realiza há mais de 20 anos, decorrendo sempre no maior respeito e unidade. 
Foi, por isso, com grande surpresa e indignação que, na terça-feira, 10 de Junho, depois da oração conjunta do xeique Munir e do capelão militar católico, se ouviram de dois intrusos uma série de impropérios insultuosos contra o Xeique.
Houve surpresa e houve indignação. Os provocadores foram mandados calar pela assistência e foram depois retirados pela PSP. 
A este incidente juntaram-se outros insultos dispersos contra um candidato a Presidente da Republica, estes vindos, aparentemente, de alguns “negacionistas” presentes, acusando-o de, com as vacinas, ter contribuído para a morte de muitos portugueses.

Foi o que bastou para que as cadeias de televisão entrassem em excitação e se precipitassem para “cobrir” o acontecimento. Ignorando, tanto como os arruaceiros, que a cerimónia inter-religiosa era ali uma tradição de há mais de vinte anos, os insultos e o par de provocadores que os proferira foram redimensionados, amplificados e generalizados, dando a entender que, entre os antigos combatentes, havia um grupo racista e fundamentalista que queria correr com o Islão entre saudações nazis. E que confundia o Islão com o jihadismo, que, como é sabido, tem feito mais vítimas entre muçulmanos do que entre cristãos.
(Jaime Nogueira Pinto)

sexta-feira, 13 de junho de 2025

Marcelo, Ventura, o Imã e a Memória que Incomoda

O Presidente da República deslocou-se a Lagos para mais uma encenação pública de virtudes abstractas. Disse, com o ar de quem recita verdades eternas, que “ninguém é mais português do que o outro”. Disse-o, sabendo que não é verdade. E nós sabemos que ele sabe que não é verdade. Mas a frase, embora oca, serve bem à política da emoção fácil e da fuga ao essencial.
Acontece que há portugueses que deram a vida por Portugal, e outros que apenas se servem dele. Há portugueses que o são por identidade, por enraizamento, por história — e há quem apenas o seja por conveniência, por utilidade, por papel passado. Não, Senhor Presidente: nem todos os portugueses são iguais. A Pátria não se mede em centímetros de cartão de cidadão.
Em Belém, na mesma semana, outro episódio revelou como a ignorância histórica continua a comandar a política e a reacção pública. Um indivíduo, ignorante ou oportunista, insurgiu-se contra a presença do Imã David Munir na homenagem aos antigos combatentes do Ultramar. Talvez tenha visto ali um sinal de rendição ao politicamente correcto. Enganou-se!

As comunidades muçulmanas da Guiné e de Moçambique deram provas de lealdade a Portugal durante as décadas de 60 e 70. Muitos dos combatentes portugueses eram africanos e muçulmanos — lutaram e tombaram por esta Nação. A presença do Imã não é um acto de submissão ao multiculturalismo moderno; é uma evocação justa da História real, aquela que não cabe nos manuais da esquerda urbana.
E nem só a esquerda escorrega na ignorância histórica. Também André Ventura, num reel recentemente publicado incorre num erro semelhante. Ao comentar a homenagem, insinua que a presença do Imã representa uma concessão ao globalismo e à descaracterização nacional. Esquece — ou ignora — que muitos dos soldados que deram a vida por Portugal na Guerra do Ultramar eram precisamente africanos muçulmanos. Esquece que Portugal foi sempre mais vasto do que a Europa, e que a lusitanidade se construiu com base numa ideia de comunidade política e afectiva, não num critério étnico ou religioso. https://www.facebook.com/reel/1021033176812474
Ora, em 1974, os muçulmanos da Guiné ou de Moçambique eram tão portugueses como qualquer habitante de Braga, de Évora ou de Ponta Delgada. E quem lhes tirou esse direito não foi nenhum nacionalismo de direita. Foi a esquerda revolucionária, com Vasco Gonçalves à cabeça, que em 1975 impôs o critério racial e de sangue como base da nacionalidade. Pela primeira vez, deixou de bastar o vínculo cultural, afectivo e político a Portugal. Passou a ser necessário “provar” o sangue europeu — como se a Pátria se reduzisse a uma genealogia.
Ironicamente, a mesma esquerda que excluiu os africanos que queriam continuar a ser portugueses, é hoje aquela que exige que qualquer recém-chegado, mal atravessa a fronteira, seja imediatamente considerado um “novo português”. A esquerda que, em 1975, dizia que os pretos não podiam querer ser portugueses, porque isso era ilusão colonialista, é a mesma que hoje diz que qualquer cidadão do mundo é português desde que o diga.
O problema da imigração em Portugal não tem que ver com cor, fé ou origem. Tem que ver com volume, ritmo e vontade de integração. Ser português não é ter um cartão. É pertencer a uma comunidade histórica, cultural e afectiva. E, sim, quem se revê nos valores, nos símbolos, na memória colectiva desta Pátria — independentemente da pele ou da religião — é mais português do que qualquer “português” que despreze tudo isso.
Por isso, Marcelo Rebelo de Sousa erra. E sabe que erra. E sabe que nós sabemos que ele sabe que erra. A sua frase — “ninguém é mais português do que o outro” — é uma dessas mentiras sentimentais que os políticos gostam de repetir quando já desistiram de defender a verdade. Mas Ventura, quando se esquece da história real dos portugueses do Ultramar, aproxima-se perigosamente da mesma ignorância moral da esquerda que diz combater.

terça-feira, 10 de junho de 2025

dia de PORTUGAL

 


Transcrição integral do discurso proferido pelo Sr. Coronel CMD Pipa Amorim na CERIMÓNIA DE HOMENAGEM NACIONAL AOS COMBATENTES do 10 DE JUNHO DE 2025 em Belém.

"Exmo. Senhor Presidente da Comissão Executiva da Cerimónia de Homenagem Nacional aos Combatentes, Major General Avelar de Sousa, 

Meu General,  

Concedeu-me Vossa Excelência, a singular oportunidade e o raro privilégio de intervir nesta Cerimónia, do maior sentido e significado para todos os Combatentes. Sinto-me muito honrado e sensibilizado pela distinção que me confere de, em nome dos Portugueses, homenagear todos aqueles que deram e dão o melhor de si, até a própria vida, por esta Pátria que amamos.   

Permita que, na sua pessoa, enalteça o papel determinante e fundamental das Associações de Combatentes, as quais se têm constituído como permanentes e indefetíveis guardiãs da 

memória de todos os que combateram por Portugal, participando, uma vez mais, de forma massiva e empenhada, na concretização desta Cerimónia. 

Muito mais que o ponto de encontro e polo de união, dos que tiveram e têm a subida honra de envergar o uniforme das nossas Forças Armadas, transversais a todas as épocas e a todas as gerações, as Associações têm desempenhado um papel fundamental sempre, onde e como os Combatentes necessitam, constituindo-se, múltiplas vezes, perante a mudez institucional, como o único respaldo e a voz da consciência pública na defesa da própria Instituição Militar. 

Excelentíssimas Autoridades Civis, Militares e Religiosas,  

Militares das Forças Armadas e da Guarda Nacional Republicana, 

Elementos das Forças e Serviços de Segurança, 

Minhas Senhoras e Meus Senhores, 

Caros Combatentes, 

A Pátria Portuguesa é obra coletiva dos portugueses e de modo muito particular dos seus Soldados, tendo sido forjada na dureza das batalhas e na esgotante demanda das descobertas e conquistas, com a força do braço e a genialidade da mente.

Por entre perigos e esforços sobre humanos, em terra, no mar e no ar, milhares de heróis, muitos dos quais anónimos, passando por privações e provações, firmaram fronteiras, descobriram mundos, defenderam Impérios e aprenderam a lidar com o assombro e o  quebranto, a transfigurar o receio e o pavor, a sofrer com o insucesso e a sorrir com a vitória, fazendo do perigo o alimento do espírito.  

Moldaram, fizeram e refizeram a História de Portugal, mas não puderam erguê-la com facilitismos e comodidades, medo da morte e da vida, mas pelejando, rezando e sofrendo. 

Cada um deu, na humildade ou grandeza dos seus préstimos, tudo quanto sabia e podia, e por isso lhe somos devotadamente gratos. 

Assim, neste Dia de Portugal, em que no Território Nacional e nos quatro cantos do Mundo, milhões de portugueses se recolhem e comungam connosco os mesmos sentimentos de devoção e orgulho na nossa imortal Pátria, assim como de exaltação e de reconhecimento a todos os que, tal como vós, ao longo de quase 900 anos combateram pela sua liberdade e independência, começo por evocar e homenagear os melhores de todos nós, os que tombaram oferecendo generosamente o seu bem mais precioso, no estrito respeito pela grandeza dos valores, que presidem à doação integral do Combatente, ao cumprir o juramento com o sacrifício da própria vida. 

Caros Combatentes, 

A vossa presença e participação nesta Cerimónia, é a demonstração que ser Soldado de Portugal é para toda a vida e que os inquebrantáveis vínculos que vos unem, alicerçados na camaradagem e no espírito de corpo, tendo sido forjados nas condições extremas da vereda estreita e agreste, que tantas vezes vos separou de todos aqueles que, ombro a ombro, convosco combateram e morreram, não têm paralelo na nossa sociedade. 

Uma especial referência, a todos os que combateram na defesa do Território Nacional, dum Portugal pluricontinental, em que o Ultramar era parte integrante da Nação, encontrando-se hoje, como é vosso timbre, massivamente aqui presentes. 

Vós, sois dos últimos “Guerreiros do Império”, os representantes dos cerca de um milhão de bravos que, independentemente do processo político a que obedeceram, de forma estoica e abnegada, sem a espera da paga ou de recompensas de qualquer natureza, por Portugal combateram, defendendo estoicamente a Bandeira Nacional no Estado Português da Índia, vencendo militarmente uma guerra travada nas picadas mais perigosas e nos locais mais ínvios das matas de Moçambique, das florestas e “chanas” de Angola e das “bolanhas” e do “tarrafo” da Guiné e que, com feridas no corpo e na alma, após o regresso de uma guerra a que foram chamados, se viram estigmatizados e quase ostracizados pela sua condição de Combatentes.  

Mesmo neste Portugal esdrúxulo e envergonhado, que não segue o exemplo Universal do culto aos que combateram pelo seu Pais, não deixa de ser irónico que, perante as atitudes pífias e complacentes das mais altas figuras do Estado, aqueles que faltaram ao chamamento da Pátria tenham sido reabilitados, legitimados e até mesmo enaltecidos e condecorados pelas “boleias” e pelos “contorcionismos” dos ciclos políticos e os que, como vós, não traíram nem desertaram, tenham sido um anátema para sectores obscuros da nossa sociedade que, apostados em reescrever a História, múltiplas vezes os demonizaram e mimosearam com os mais soezes impropérios. 

Mas, por mais que essas almas menores, tentem denegrir o vosso carácter, a vossa resiliência, a vossa coragem e o vosso patriotismo, vós sois a grande inspiração e a referência das atuais gerações de Combatentes, que hoje também aqui homenageamos. Homens e mulheres que, no âmbito das Organizações Internacionais em que o País está inserido, ou em missões unilaterais do Estado Português, em terra, no mar ou no ar, tão longe de “casa” quanto os interesses nacionais o exigem, com ausências prolongadas, também acompanhadas de dor e luto, têm sido determinantes na continuidade do Esforço Militar Português, sempre pugnando pelo referencial comum a todos os que combateram por Portugal – o devotado amor à Pátria que um dia juraram defender e pela qual, durante a sua História, tantos verteram o seu generoso sangue, na defesa deste “chão sagrado” onde nasceram. 

Excelentíssimas Autoridades  

Minhas Senhoras e Meus Senhores, 

Caros Combatentes, 

Este é também um momento propício ao exercício da memória, pelo que, apesar de muitos deles estarem fisicamente longe de nós, não esquecemos, pelo muito que lhes devemos, os militares portugueses de ascendência africana que, de forma honrosa e valorosa, combateram e morreram por Portugal. 

E, quando falamos dos nossos “Irmãos de Armas” Africanos, raras vezes a memória não nos leva para os trágicos acontecimentos ocorridos, numa das páginas mais negras da nossa História Contemporânea. 

Em 1975, as novas e “progressistas” autoridades portuguesas, abordaram o problema ultramarino com um critério de grande e cristalina simplicidade, baseado na cor da pele: África era para os negros e Portugal para os brancos. Assim, por força do Decreto-Lei 308/75, todos os Portugueses residentes nas Províncias ltramarinas, que não eram de ascendência europeia, nomeadamente os combatentes de origem africana que, como cidadãos nacionais, tinham servido as Forças Armadas, perderam, automaticamente, a nacionalidade portuguesa, sem qualquer direito de opção. 

Traídos pela Pátria que defenderam, abandonados à sua sorte, inúmeros destes Combatentes acabaram fuzilados, muitas das vezes com as suas próprias famílias, pelas autoridades dos novos Países. E os que lograram sobreviver, depois de torturados e humilhados em “campos de reeducação”, foram obrigados a fugir e a procurar refúgio em contextos e em locais que tornaram os sonhos quase impossíveis. 

Durante décadas, os cúmplices morais desta barbárie, quais Pôncio Pilatos, lavaram as mãos, procurando cobrir esta vergonha com o silêncio e a omissão, bem como com as triviais narrativas, forjadas para tranquilizar a sua boa consciência. 

Passados cinquenta anos sobre estes ignóbeis acontecimentos, quando hoje assistimos a tantas facilidades e expedientes na obtenção da nacionalidade portuguesa, dada de “mão beijada” a quem vem de latitudes que nada têm a ver com a Lusofonia, a devolução da cidadania portuguesa aos militares africanos que juraram fidelidade à Pátria, combateram por Portugal e que querem ser Portugueses, é um imperativo ético e a única forma que nos faz estar bem com a nossa consciência, pela quebra do pacto sagrado da Nação com esses homens. 

Não se trata de confessar e pedir desculpas às vítimas, como hoje uma mentalidade woke, que se “metastizou” na nossa sociedade, tornou habitual exigir. 

Trata-se sim, de corrigir uma cabal injustiça, nos poucos casos em que, a “Lei da Vida”, ainda permite que tal seja possível e de, ao fazê-lo, nos reconciliarmos connosco mesmos e com o primado dos valores e dos preceitos que formam e enformam o Estado de Direito que nos orgulhamos de ser. 

Permitam-me, para finalizar, uma última reflexão, alusiva à nossa fatal idiossincrasia, de alheamento e permissividade, perante os ciclos da História, sendo particularmente dramático, quando áreas da soberania do Estado acumulam problemas que se arrastam, agravam e perpetuam no tempo. 

Nas últimas décadas, a Defesa Nacional foi passando para um plano meramente secundário que, é justo que se diga, apenas nos últimos tempos, tal como os Militares e os Combatentes, tem estado a ser tratada com alguma preocupação e dignidade. Só na última década, num verdadeiro ataque à condição militar, com as medidas completamente inócuas e avulsas para recrutar e reter recursos humanos, as Forças Armadas perderam mais de 30% dos seus efetivos e as verbas destinadas à Defesa, com as sucessivas reduções orçamentais, acrescidas de artifícios impeditivos da sua execução, encontraram outros e muito questionáveis destinos, deixando as nossas Forças Armadas, de forma displicente e 

irresponsável, à beira da rotura e da inoperacionalidade. 

Mas, infelizmente, se olharmos aos últimos conflitos em que Portugal esteve envolvido, constatamos que, face à inépcia das sucessivas tutelas políticas, este é, ciclicamente, o nosso “fado”. 

Assim, quando evocamos todos aqueles que combateram e morreram, enterrados na gélida lama das trincheiras da Flandres e no escaldante pó africano da Primeira Guerra Mundial, fica-nos o seu exemplo de estoicismo e abnegação, tão característicos dos Combatentes portugueses, mas também nos fica a dura lição da sua total impreparação para o conflito, com trágicas consequências e custos humanos elevados. 

Estes referenciais de imediatismo, de improvisação e de facilitismo, incompatíveis com os requisitos de aprontamento de forças militares, ficaram igualmente bem patentes no início do Conflito Ultramarino, em que muitos de vós estiveram envolvidos, na falta de efetivos, de meios e de experiência, com que as Forças Armadas foram lançadas naquele novo tipo de guerra e na maneira de a conduzir; assim, como no final do século passado, quando nos confrontámos com a necessidade de aprontar, projetar e manter as primeiras Forças Nacionais Destacadas, como elemento da ação externa do Estado, no cumprimento das nossas responsabilidades de segurança partilhada e cooperativa, em resposta aos riscos e 

ameaças induzidos pelas alterações no Sistema Político Internacional. 

Hoje, em determinados círculos políticos, apoiados por manobras de influenciadores, media e redes digitais, visando manipular e formatar as mentalidades dos cidadãos, ainda há quem continue a pensar, ou a dizer que pensa, que a conflitualidade se compadece com quimeras e amadorismos e não perceba que há décadas em que nada acontece e dias que valem por décadas, pelo que os aparelhos militares, de preparação complexa, rigorosa e demorada, requerem um permanente estado de prontidão, de atualização e de desenvolvimento. 

Assim, uma vez mais, “batemos no fundo”, coincidentemente, em tempos de grande incerteza geopolítica e perante uma conjuntura internacional, em que o Mundo em geral e a Europa em particular vivenciam tempos de insegurança e ameaça, sem paralelo desde os finais da Segunda Guerra Mundial, provando-se, uma vez mais, que “os países não têm inimigos perpétuos nem aliados eternos”. 

Em suma, como o tempo não perdoa a quem o perde e os ventos da História recomendam ações imediatas, a inexplicável situação de penúria a que chegaram as nossas Forças Armadas exige medidas de emergência, consubstanciadas em muita vontade e seriedade política, para que se evite o descalabro de novos “milagres de Tancos”, como sucedeu na nossa participação na Grande Guerra, em que os Combatentes a única coisa que realmente 

tinham era a sua heroica coragem. 

Caros Combatentes, 

Apesar de estarmos aqui a pisar as terras do mítico “Velho do Restelo”, símbolo dos pessimistas e temorosos de ontem e de hoje, os Combatentes sempre provaram que, independentemente das más lideranças que, infelizmente, pululam na nossa História, são daqueles que nunca recuam nem vacilam perante as tempestades que vierem e que escolhem sempre a esperança e não o medo. E, foi precisamente deste icónico local à beira Tejo que, ao longo dos séculos, partiram homens da vossa têmpera, aqueles que olhando o horizonte obscuro e desconhecido nada temeram, dando novos mundos ao Mundo, numa das maiores gestas da História da Humanidade, provando que ser parco em território, reduzido em população e escasso em recursos não limita a capacidade de um povo em inventar e construir o seu destino. 

Assim, imbuídas dessa vossa energia individual e coletiva, venerando a grandeza de todos aqueles que sofreram no corpo e na alma o preço do dever cumprido, estou certo que, olhar o futuro com a responsabilidade do excelso legado de que são portadoras, continuará a temperar as almas das futuras gerações de Combatentes, as quais continuarão a gritar bem alto o brado que nos une, que nos galvaniza e nos levará sempre à vitória: Viva Portugal. 

Belém, 10 de Junho de 2025"

Paulo Júlio Lopes Pipa de Amorim 

Coronel

sábado, 7 de junho de 2025

Clareza ideológica na Polónia…

Domingo, 1 de Junho,
na eleição presidencial polaca, não faltou clareza ideológica.
De um lado estava o candidato apoiado pelo governo, o presidente da câmara de Varsóvia, Rafal Trzaskowsky, que a imprensa de referência claramente definiu como “europeísta”;
Do outro, Karol Nawrocki, o candidato apoiado pelo partido Lei e Justiça, que a imprensa de referência claramente definiu como “hooligan”.

De facto, o candidato nacionalista conservador, Karol Nawrocki, um boxeur vindo da classe operária e doutorado em História, defendeu claramente a prioridade da nação e da soberania do Estado frente às pretensões hegemónicas de Bruxelas, a protecção da vida na fragilidade do seu princípio e do seu fim, e a família tradicional (um hooligan, portanto). Foi também claro em política internacional – mantendo a natural desconfiança em relação ao vizinho russo, não contava provocá-lo, apoiando a entrada da Ucrânia na NATO e na União Europeia.

O primeiro-ministro Donald Tusk empenhou-se com tal clareza ideológica contra ele e na defesa do seu candidato, Rafal Trzaskowsky, que chegou a perder a sua proverbial “moderação” – perante a iminente vitória do rival populista, recorreu a ataques pessoais ao bom nome e reputação de Nawrocki, a quem chamou “hooligan” e “proxeneta” (sem que com isso incorresse em “discurso de ódio”, evidentemente). 

De qualquer forma, na Polónia, o confronto político-ideológico foi claro e a competição renhida. Tão renhida que a esquerda e o centrão se entusiasmaram e tomaram os desejos por realidades, com o seu candidato a festejar, antecipadamente, com base nos primeiros resultados, a vitória Também o prestigiado Le Monde, começou também por dar a vitória ao “europeísta”, mas logo emendou a mão com um “L’historien nationaliste Karol Nawrocki remporte l’election présidentielle”. Já um dos nossos jornais de referência, que também começou por se enganar, foi mais claro ideologicamente no título com que, no dia seguinte, emendou a mão (sem uma desculpa pelo erro aos leitores que tinha desinformado na véspera): “Karol Nawrocki conservador, hooligan e anti-LGBT: o novo presidente da Polónia” 

No entanto, com todas estas peripécias e incidentes, o vencedor polaco não deixará de ser um árbitro já que, à sua direita, ou seja, à direita deste “conservador hooligan anti-LGBT”, ainda estavam mais dois candidatos: um super-hooligan e um mega-hooligan, (Jaime Nogueira Pinto)




segunda-feira, 2 de junho de 2025

A Dor da Esquerda Não é o Chega, É o Espelho!

Vivemos tempos de viragem política. O resultado das eleições de 18 de Maio trouxe à tona uma realidade que muitos já intuíram, mas poucos ousavam afirmar: o regime saído do 25 de Abril, tal como foi conduzido nas últimas décadas, faliu na sua promessa fundadora. E o que vemos agora, em reacção ao sobressalto democrático provocado pelo voto popular, lembra demasiado as velhas resistências do chamado Verão Quente de 1975.
Só os mais velhos — aqueles que viveram e sentiram os dias tensos do PREC, os comunicados incendiários, as capas alarmistas e os apelos moralistas da comunicação social da época — conseguem hoje reconhecer os tiques autoritários e o tom paternalista com que certos sectores das elites políticas e mediáticas têm reagido. A indignação contra o voto livre é disfarçada de preocupação com a democracia, exactamente como o foi naquela altura: quando o povo se desvia do guião pré-escrito pelos “donos da razão”, surge o pânico entre os seus escribas.

É evidente o incómodo que lhes causam hoje as redes sociais. Estas plataformas, com todos os seus defeitos, quebraram o monopólio da opinião e da informação. Já não é possível calar vozes incómodas ou moldar a realidade a partir de redacções alinhadas com a narrativa dominante. A pluralidade de fontes e a velocidade da circulação da informação roubaram à imprensa tradicional o papel de intermediário exclusivo entre o poder e o povo. E isso dói-lhes. Muito.
Compreende-se, pois, a amargura dos militantes da esquerda institucionalizada. Não é o Chega que os assusta verdadeiramente. Nem o espantalho do fascismo, que tanto invocam e de forma cada vez mais inócua. O que lhes dói, no mais íntimo, é a evidência de um falhanço histórico. Após 51 anos de promessas, programas, planos e propaganda, os mais desfavorecidos — precisamente aqueles a quem mais se prometeu — continuam esquecidos, explorados e votados à periferia da cidadania. São esses que agora votam “mal”. São esses que, cansados de esperar por um futuro que nunca veio, decidiram dar o seu voto a quem, pelo menos, reconhece as suas dores.

Não se trata de um voto ideológico, mas existencial. Um voto de afirmação. E, talvez por isso, seja tão doloroso para quem ainda vive do mito de que a esquerda detém o monopólio da virtude.
O regime, como o conhecemos, esgotou-se. E a reacção crispada de certas elites só o confirma: não estão preparadas para perder o controlo da narrativa. Mas o povo já começou a escrever a sua própria.

a Comunicação Social que só tem olhos para o PS

A culpa foi toda do Pedro Nuno Santos e de mais ninguém.
Não sabiam? 
A comunicação social diz que sim.

Não se julgue que PNS tinha um séquito, o apoio do partido em peso que nele votou, um grupo de apoiantes incondicionais. Não, não. Conforme explica o Público de sábado, 24 de maio, na manchete e nas páginas 4-5, o «Núcleo duro de Pedro Nuno Santos foi contra voto que fez cair Governo» (e trouxe a desgraça). Presenças e porta-vozes de PNS na imprensa, nas rádios e nas televisões, afinal nem Mariana Vieira da Silva, nem Ana Gomes, nem Pedro Delgado Alves, nem Carlos César, nem João Paulo Rebelo, aliás, nem ninguém o apoiou no chumbo da moção de confiança. E já antes o atacavam por causa do Orçamento de Estado.

Não sabiam? 
Num artigo de cinco páginas na Revista do Expresso de dia 23, Ricardo Costa explica melhor como é que um «jovem líder encadeado» levou o PS «para o seu Alcácer Quibir» (sendo AD, Chega e Iniciativa Liberal os mouros, supõe-se), esse PS que «entronizou um líder que o eleitorado nunca viu como tendo qualidades para ser primeiro-ministro, acabando por ser arrastado para a sua muito pessoal vingança», levado por «vertigem e pulsões de morte» para uma «conjugação fatal».
Pois é, a culpa deve ser mesmo de PNS, toda ela. Porque se não fosse, Ricardo Costa decerto teria escrito sobre os governos do irmão e as consequências que tiveram para este resultado do PS. Mas se conseguiu o difícil exercício de não escrever sobre isso nem uma linha, é porque se calhar foi assim. Foi tudo culpa do PNS.
Será assim, e tudo isto é uma desgraça, mas não se preocupem, isto passa, diz a comunicação social. Que logo deita mãos à obra de «resgatar a esperança», como diz Ricardo Paes Mamede no Público de dia 26, sobretudo porque, obviamente, está «a democracia em perigo».
E lá vão jornais e televisões à uma na sua nobre missão de resgatar a democracia e o PS.
Ah, os «nomes experientes» que estas eleições nos fizeram perder, ah o talento que se foi! O Parlamento, diz o DN desta 6.ª feira 23, nas páginas 10 e 11, ficou sem Luís Graça, do PS (lembram-se?), sem Sérgio Ávila, do PS (lembram-se?), sem Maria Begonha, do PS (lembram-se?), sem Mara Lagriminha, do PS (lembram-se?). Perdemos até uma gémea Mortágua, a Joana (lembram-se?), e Isabel Pires, também do BE (lembram-se?).

No Sábado, dia 24, o noticiário da RTP2 dá-nos José Luís Carneiro, depois Carlos César, depois PNS às portas da Convenção; e às 21 horas ouve detidamente Vitalino Canas (do PS) sobre «o partido mais fiável» (o PS), e sobre «o triunfalismo da direita», que parte dela é «revanchista». Segue-se uma entrevista com o autarca socialista de Campo Maior, que estranha ter sido o Chega a vencer ali.
A SIC abre o primeiro Jornal com a Convenção (do PS), após o que ouve Ascenso Simões (do PS) e Miguel Prata Roque (do PS), após o que anuncia uma peça sobre «As origens de José Luís Carneiro», a cargo provavelmente da secção de hagiografia.

No Domingo, 25, a CNN enche-se de brios, e às 22 horas oferece uma entrevista de 40 minutos com Augusto Santos Silva, cuja contribuição para o desastre socialista a estação julgará irrelevante. A CNN supõe que os portugueses todos anseiam por beber as palavras de Santos Silva, o qual não se faz rogado e determina o que o próximo governo deve e não deve fazer.

No dia seguinte, a mesma CNN esmera-se e, num arroubo de originalidade, apresenta às 21
horas o programa «A Bússola», com José Luís Carneiro, que surge como «comentador da CNN», e no seu «comentário à situação política» diz que tenciona tornar o PS «o maior partido de Portugal», julgo que não como comentador.
Ainda que fosse na falta de decoro, a CNN acabara de ultrapassar a concorrência. O que terá levado o Público a dar no dia seguinte chamada de capa e página 10 ao mesmo Santos Silva que a CNN repescara?
Depois, por ser fatal que nestas manobras militantes surjam sempre uns minions com excesso de zelo e propensão para o desastre, houve um episódio cómico.
Na Terça feira, ao noticiar o encontro de Carneiro com fundadores do PS, uma voz off na RTP1 adiantara que o candidato a líder «revela que ainda não houve contactos com Luís Montenegro». Mas no mesmo dia, na CNN, a mesma notícia surge com o rodapé: «Carneiro revela não ter sido contactado por Montenegro» – o sonho de algum pobre escrevedor que imagina o primeiro-ministro eleito a contactar o líder por eleger do PS para pedir-lhe umas batatinhas.

E não há nuvens negras no horizonte?
Sim, há nuvens negras no horizonte da excitação da comunicação socialista, perdão, social.
Pedro Adão e Silva, que por vezes tolda intencionalmente as próprias aptidões intelectuais para melhor servir o seu PS, permite-se ser inteligente e diz-nos que José Luís Carneiro está de passagem. Assim: «Perdido num trauma pós-eleitoral, o PS decidiu que o melhor que tinha a fazer era evitar o confronto (…) e olhar para a frente como se nada tivesse acontecido», com «custos que tendem a revelar-se com o tempo». E «o PS tinha ganhado se tivesse uma disputa interna» e «o novo secretário-geral teria a força adicional de ter sido legitimado num processo aberto e competitivo» (Público, 28 de maio, última página).
E assim não tem.
Se a comunicação social fosse atenta, em vez de cega por parciais entusiasmos, ter-se-ia também perguntado por que razão Fernando Medina, depois de aguardar pacientemente o enterro de Pedro Nuno Santos, resolveu ainda e por agora abster-se em nome da «unidade partidária». Naturalmente, a comunicação social não se perguntou.

domingo, 1 de junho de 2025

«Já que não pode ser o PS, ao menos que seja o Centrão»

Se não podem ter tudo do PS todo para eles durante todo o tempo, então os media desejam ao menos e por agora um Bloco Central com o PS lá dentro.

Cuidado com o Chega, o Chega é fatal, dizem
João Vieira Pereira e David Dinis na página 2 do Expresso de dia 23, nada de acordos, não vão por aí. E na página 6, o semanário põe as coisas mais por extenso ao titular «Navegar “pelo meio” e fazer fé no novo PS». Explica o texto que «na AD olha-se com expectativa para o PS, sendo José Luís Carneiro elogiado por Hugo Soares». E diz uma fonte – anónima, é claro – que, eleito José Luís Carneiro, o PSD acha que «mais depressa temos interlocutor». O artigo chega a ser comovente; lê-se como a confissão de um anseio profundo.
Viram que era tudo culpa do PNS?! Mal ele saiu porta fora, é só moderados no PS.

O DN pensa exactamente o mesmo, e ninguém expõe melhor o sonho do que Bernardo Ivo Cruz, que na página 4 da edição de dia 26 se propõe «reconstruir o centro (…) num esforço urgente de reinvenção política», já não para salvar o país, apenas, mas «para salvar a Europa».

Acontece que, depois e mais uma vez, eis que vem o excesso de zelo borrar a pintura toda. «Duas das maiores agências de rating preferem Governo da AD com apoio do PS», diz a manchete do DN de quarta-feira, dia 28. «A Fitch e a Moody`s», lê-se na entrada, «sinalizam preferência pela manutenção dos acordos entre AD e PS que permitem, dizem, prosseguir a rota esperada de “políticas prudentes” e “redução da dívida”, excluindo o Chega da equação.» E acrescenta o DN que «o cenário de um Governo de minoria AD com “apoio implícito” do PS em pontos-chave da política económica e orçamental (…) é o preferido dos dois mais influentes avaliadores internacionais».
ps:
Há um pequeno pormenor: a notícia é falsa; resulta de mera interpretação abusiva. As duas maiores agências de rating não «preferem» coisa nenhuma, não há «cenário preferido» nenhum. A Fitch e a Moody`s não «sinalizam» porra alguma, com vossa licença. Limitam-se a analisar e a enunciar probabilidades.
A Fitch não «prefere o cenário de um Governo AD com “apoio implícito” do PS». No relatório «Portugal`s Election Outcome Should Not Interrupt Debt Reduction», de 27 de Maio, a Fitch apenas considera que esse é o cenário «mais provável» visto que «a AD excluiu uma coligação com o Chega.» E não só a Fitch não prefere nem sinaliza o que o DN diz, como escreve no seu relatório que, seja como for, «a posição da AD como maior partido no parlamento sugere ser provável uma geral continuidade política sob a próxima administração, com foco sobre superavits orçamentais moderados».


os Defuntos a que a comunicação social se agarra...

A Coligação Democrática Unitária, o Bloco de Esquerda, o Livre, podem conseguir 10, ou 5, ou 1% dos votos, ou trocar entre si percentagens, agora sobes tu, agora desço eu, agora dá cá, agora toma lá. Pouco interessa. O que interessa é que contam com uma garantia: ainda que não cheguem a somar 10% das preferências do eleitorado, a comunicação social que temos, as televisões, as rádios, a imprensa, dedicar-lhes-ão teimosamente espaço e atenção desproporcionados e a todos os títulos injustificáveis. Bloco exige. PC inabalável. Livre garante. PAN quer. Os media têm até um berloque de esquerda novo, exótico e insular, que já chegou da Madeira.
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Na sexta-feira, 23, o Público sugere uma união de esquerda para as autárquicas, uma ideia menos ambiciosa do que a daquela jornalista que defendia que se a esquerda tivesse ido unida às eleições tirava deputados a AD, IL e Chega [se os partidos fossem todos unidos, conquistavam 230 lugares, troçava adequadamente alguém].
No mesmo dia, o DN informa na pág.13 que Mariana Mortágua, com a força do seu novo grupo parlamentar de uma só, «denunciou alegadas intenções de PSD, Chega, Iniciativa Liberal de “atacar a democracia”».
No Expresso, também no mesmo dia, Rui Tavares indigna-se por se falar de revisão constitucional, um tema de que não se falou na campanha – e faz por não se lembrar se na campanha de 2015 alguém falou da geringonça negociada nas sombra
À noite, na RTP2, volta Mariana Mortágua, que discursa sobre o que ela chama «a extrema-direita e a direita extrema» (um desarrincanço, pensará), e lamenta «o discurso que impuseram ao país».
Vem depois Raimundo, segundo o qual «as eleições agravam a instabilidade».
E depois Inês Sousa Real, que diz mais alguma coisa olvidável: «Resistimos e isso está-lhes atravessado», ri Raimundo na RTP, à hora do almoço de domingo. Após o que Mariana Mortágua anuncia que «uma ampla maioria» no seio do Bloco rejeitou a sua demissão. (Compreendo a dúvida, e esclareço: Mortágua disse de facto que tem «uma ampla maioria». Agora já podem rir.)
«A revisão constitucional é populismo» decide Real do PAN, logo a seguir. Era um argumento exótico, embora não tão extremado como o de Pedro Tadeu, que nessa mesma semana escrevia no DN que o caminho para uma sociedade socialista não pode ser cortado da Constituição, não por falta de uma maioria, não por falta de consenso, não por razões ideológicas, mas porque lá foi inscrito numa determinada fase da evolução pós 25 de abril; e retirar a frase seria, portanto, falsear a história. Quando pensávamos que não havia limites…

Findo o recato do fim-de-semana, o Público de 2.ª feira informa, tremendista e na última página, que o «PCP não se resigna e avisa: “Vamos para cima deles”». E mais informa o Público que o PCP informa que os que votaram na direita vão ser os primeiros a arrepender-se.

O partido que a comunicação social acha que não devia existir

O Chega conseguiu 67.826 votos e 1 deputado em 2019; 7,18% e 12 deputados em 2022; 18,07% e 50 deputados e no dia 18 de maio conseguiu 23% de votos, 60 deputados, e a liderança da Oposição.

Mas, 
diz a comunicação social, isso não pode ser.
Pacheco Pereira e a proverbial reductio ad deplorabilis: «Desesperança, solidão e ignorância» explicam o Chega, escreve ele no Público de dia 24.
É pior, diz o mesmo jornal no dia seguinte: foram «zanga, racismo e medo» que fizeram crescer o Chega em Sintra. E além disso, assegura o editorial na página 6, «é fácil de prever» que o Chega que se diz anti-sistema se vai envolver nas «contas de mercearia do aparelho de Estado».
O Chega é «o caos, a instabilidade permanente», diz Filipe Santos Costa, na CNN, 3.ª feira, 27, ao fim do dia. O Chega «sabe que tem que fazer mais e pior».
É «uma ameaça real para a democracia portuguesa» como a vertigem fascista dos anos 20 e 30, determina Manuel Loft no Público na 4.ª feira; é «uma agremiação de oportunistas sem escrúpulos». Havemos de esperar, remata ele citando Ugo Palheta, «ter pela frente um movimento neofascista triunfante»?
O que me sugere uma reflexão: 
de quem é afinal «o medo», de quem é a «zanga», de quem é «a raiva»? 
Do Chega ou destes defensores da democracia, herdeiros do comunismo torcionário e assassino, para quem milhão e meio de eleitores são um perigo intolerável, a eliminar se pudessem?

sábado, 31 de maio de 2025

Gouveia e Melo é uma enorme ameaça para Ventura

Após leitura atenta ao artigo em epigrafe, hesitei apodar o comentador Miguel Pinheiro no Observador, entre uma Pitonisa de Delfos e o Tullius Detritus enviado especial de César…
Fiquei-me pelo Tullius por causa do César
O tratamento de imbecilidade dado aos milhão e meio de votantes do CHEGA é chocante!
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“Numa frase: mesmo que não queira, e mesmo recebendo uma maioria de votos do PSD e do PS, Gouveia e Melo mobilizará também uma gigantesca fatia dos eleitores do Chega. E será visto pelos próprios como o Presidente deles.”
“André Ventura está indeciso sobre o que fazer nas presidenciais. Pode avançar como candidato para tentar segurar o eleitorado do Chega, mas há a hipótese de ser humilhado no dia do voto. Pode enviar um soldado raso para a campanha, mas fica com a certeza de que o resultado será uma pequena vergonha. Pode declarar o apoio a Gouveia e Melo, mas arrisca-se a ser ignorado ou, pior, rejeitado. A primeira hipótese é má, a segunda é péssima, a terceira é potencialmente catastrófica.”
“Gouveia e Melo mobilizará também uma gigantesca fatia dos eleitores do Chega. E será visto pelos próprios como o Presidente deles. “
“A partir de Março do próximo ano, esses 1,5 milhões de eleitores passarão a ter dois líderes, um formal e outro informal: no Palácio de São Bento, André Ventura; no Palácio de Belém, Gouveia e Melo.”

terça-feira, 27 de maio de 2025

O pior cego!

O negacionismo político em Portugal continua, e é notável como jornalistas e comentadores persistem em ignorar que o cenário mudou profundamente após as eleições legislativas de 18 de Maio. O país político já não é o mesmo, mas há ainda quem continue agarrado à ilusão de que é possível excluir ou isolar um partido que foi democraticamente validado pelas urnas. A tentativa obstinada de marginalizar o CHEGA revela uma incapacidade preocupante em compreender e aceitar a nova realidade política.

O CHEGA, legitimado pelos votos, terá inevitavelmente direito a lugares institucionais importantes. Entre estes cargos estão a primeira vice-presidência da Assembleia da República e a liderança de Comissões Parlamentares fundamentais, como a Comissão das Finanças e do Orçamento. Além disso, será incontornável a presença deste partido em diversos órgãos essenciais ao funcionamento e supervisão democrática do Estado português. Refiro-me especificamente aos Conselhos Superiores de Segurança Interna, de Defesa Nacional, da Magistratura Judicial e do Ministério Público, bem como à fiscalização dos serviços secretos (SIS e SIRD).

Negar estas realidades não é apenas uma manifestação de incompreensão política, mas também um acto antidemocrático. Gostar ou não das opções políticas do CHEGA é uma questão pessoal e legítima; porém, negar-lhe o espaço institucional correspondente à sua representação democrática é negar o próprio princípio democrático. Os media e a classe política precisam rapidamente de ultrapassar o choque inicial e encarar o novo quadro político com seriedade e responsabilidade, deixando para trás um negacionismo que só alimenta tensões inúteis e fragiliza ainda mais a confiança nas instituições democráticas.

domingo, 25 de maio de 2025

PS e AD: a pressa do centrão que atropela o voto popular

A 18 de Maio, os eleitores portugueses enviaram um segundo recado claro às forças políticas. O veredicto das urnas foi severo para o Partido Socialista (PS), que sofreu uma das piores derrotas da sua história recente, e consagrou a coligação de centro-direita Aliança Democrática (AD) como vencedora, pela segunda vez embora minoritária . Num cenário político fragmentado — com o partido CHEGA a conseguir um resultado histórico ultrapassando  em deputados ao PS — esperava-se que os principais partidos fizessem uma pausa para reflectir. De facto, nas horas seguintes ao desaire, vários dirigentes socialistas falaram da necessidade de «reflexão profunda, lúcida e fria». Porém, na prática, essa reflexão ficou pelo caminho. O PS optou pela pressa, saltando «directo para os braços do primeiro candidato» disponível para a liderança, sem debate interno significativo. Assim, menos de uma semana após a derrota, o PS já tinha um novo líder oficioso e braços abertos à colaboração com a AD — um movimento que, na perspectiva de muitos, ignora a vontade popular expressa nas urnas.

Essa rapidez em alinhar com a força vencedora levanta suspeitas justificadas. Afinal, não terá o eleitorado votado por uma mudança de rumo? Em vez de autocrítica, o PS apressou-se a garantir status quo e manutenção de poder nos bastidores, indicando disponibilidade imediata para viabilizar o Governo alheio. Ao fugir à introspecção pós-eleitoral e concentrar-se em arranjos rápidos, o partido acaba por desrespeitar os eleitores — tanto os que o castigaram como os que nele confiaram esperando oposição firme às políticas de direita.

O «centrão» ressuscitado e a pluralidade ignorada

Por detrás desta aproximação expedita entre PS e AD está a velha tentação do centrão: um entendimento confortável entre os grandes partidos, à revelia da diversidade de escolhas feitas pelos eleitores. Francisco Assis, por exemplo, defendeu que «PS e AD têm de dialogar para garantir estabilidade. Fernando Medina insistiu que os socialistas devem viabilizar a entrada em funções do novo Executivo, impondo apenas condições mínimas. Instalou-se, pois, no Largo do Rato, a doutrina de privilegiar acordos de bastidores, apresentando-os como «sentido de responsabilidade».

O problema é que estes consensos artificiais no topo representam um pacto dos derrotados e vencedores para manterem o jogo entre si, ignorando a pluralidade do voto popular. Forçar agora um entendimento PS-AD — que não foi sufragado explicitamente — arrisca trair o espírito de protesto e mudança. A vontade popular torna-se secundária quando as cúpulas decretam que «o povo não sabe o que quer» e que o melhor é os do costume entenderem-se uns com os outros.

Importa lembrar que a democracia portuguesa vive hoje de uma crescente diversidade de opiniões. Ignorar essa diversidade pode ser perigoso. Ao reagrupar-se num centrão formal, PS e AD enviam o sinal de que pouco mudou. Não surpreende que André Ventura denuncie esse bloco central e colha dividendos do descontentamento anti-sistema  É exactamente este o risco: ao atropelar o voto popular e isolar vozes emergentes, PS e AD podem estar a alimentar o monstro que dizem querer conter. Miguel Prata Roque já classificou estes arranjos como «consensos balofos» — verdadeiras mordaças ao debate interno e externo.

Liderança entregue de bandeja: JLCarneiro e a sobrevivência do PS 

A forma como José Luís Carneiro foi guindado a líder do PS em tempo recorde ilustra a tentativa de sobrevivência política a todo o custo. Horas após a demissão de Pedro Nuno Santos, Carneiro fez saber estar disponível para assumir as rédeas socialistas. Em poucos dias, potenciais concorrentes — Mariana Vieira da Silva, Fernando Medina, Ana Catarina Mendes, Duarte Cordeiro — desistiram, deixando-o sozinho na corrida, em nome da tão apregoada «unidade». Resultado: um líder aclamado e não eleito, escolhido pelas elites em pânico.

Com Carneiro ungido pela máquina partidária, sem oposição interna, o PS sinaliza continuidade e não ruptura. Vozes críticas internas lembram que «falta de unidade não reconcilia o PS com os eleitores». Ao presumir que basta um verniz de união e alguns acenos ao centro para recuperar votos, a elite socialista arrisca desrespeitar novamente o eleitorado.

Logo nos primeiros dias, Carneiro declarou-se pronto a «contribuir para a estabilidade política do país», abrindo os braços à AD. Carlos César foi ainda mais longe: «O natural é que o Partido Socialista viabilize este Governo». Traduzindo: o PS adoptará uma oposição de fachada, garantindo que a AD não cai — desde que preserve influência nas grandes questões nacionais. É uma doutrina de sobrevivência que põe a conveniência política acima da renovação programática ou do respeito pela alternância ditada pelas urnas.

O preço de ignorar o eleitorado 

Em democracia, contornar o veredicto popular é sempre um jogo perigoso. Ao desvalorizar a vontade expressa em 18 de Maio, PS e AD aprofundam a frustração de largas faixas do eleitorado. Muitos portugueses sentem que votam, mas «eles» fazem sempre o que querem; se virem agora um bloco central a governar, crescerá a percepção de que o voto pouco importa — e isso só alimentará quem capitaliza o descrédito no sistema.

Uma governação equilibrada exige diálogos, mas não à custa da pluralidade. O PS tem o direito de se recentrar, mas deveria fazê-lo respeitando os seus processos democráticos internos e, sobretudo, o papel que os eleitores lhe destinaram: o de oposição. A AD, sem maioria absoluta, deve formar acordos que reflictam a mudança exigida pelos seus votantes, não apenas o medo partilhado do crescimento do Chega. Se PS e AD optarem pelo caminho fácil do conluio, estarão, na prática, a dizer aos cidadãos que as eleições de pouco serviram — traindo o voto popular e enfraquecendo a democracia.

O comportamento de PS e AD após 18 de Maio merece crítica dura. A democracia portuguesa prospera da saudável tensão entre governo e oposição, e da alternância quando assim o povo o decide — nunca de acordos de bastidores que silenciem essa vontade. No dia 18 de Maio, o povo falou; ignorá-lo, como fazem PS e AD, não é liderança esclarecida nem moderação responsável — é miopia política.

sábado, 24 de maio de 2025

Perfis dos Eleitores do PS, PSD, Chega, IL, BE e PCP em Portugal (2022–2025):

um novo “gender gap”
O sistema partidário português passa recentemente por transformações significativas, com a ascensão de novas forças (como Chega e Iniciativa Liberal) e a recomposição das bases eleitorais dos partidos tradicionais [1].
As preferências dos eleitores podem ser segmentadas por género, idade, escolaridade e região [2]. Constata-se então um novo “gender gap” em Portugal, similar a outras democracias: os homens tendem a votar mais à direita, enquanto as mulheres inclinam-se à esquerda [3]. Da mesma forma, emergem clivagens de escolaridade – com partidos diferentes atraindo eleitores de níveis de instrução distintos – e contrastes geracionais entre partidos “novos” e “antigos” [4]. Esses padrões gerais fornecem um pano de fundo para entender os perfis de cada partido em detalhe.
Partido Social Democrata (PSD / AD)
O eleitorado do PSD apresenta um perfil relativamente mais heterogéneo. Não há um desequilíbrio pronunciado de género [10]. Até à crise da austeridade, o PSD contava com expressiva fatia de eleitores idosos, mas estes migraram para o PS [11]. Em 2022, o PSD teve desempenho fraco nos eleitores acima de 54 anos (28% contra 51% do PS), mas disputou os mais jovens – empatando tecnicamente com o PS entre os menores de 25 anos [7]. Em 2024 e 2025, a coligação AD recuperou parte do eleitorado sênior, ultrapassando o PS nesse grupo etário [2].
A maior fatia dos seus eleitores possui ensino superior: 42% em 2022 [6]. Em 2024, AD e IL juntas chegaram a concentrar 44% dos votos dos eleitores licenciados [4]. Entre os eleitores com escolaridade baixa, a AD fica ainda atrás do PS [8]. Em termos territoriais, a AD subiu em cerca de 90% dos concelhos entre 2024 e 2025, sobretudo nos bastiões tradicionais [9].
CHEGA
O CHEGA tem um eleitorado marcado pela sobre-representação masculina, idade intermédia e escolaridade média ou baixa. É o partido com maior desequilíbrio de género a favor dos homens: em 2022, dois terços dos votantes eram homens [12]. Entre 2022 e 2024, a proporção de mulheres subiu para 40% [3]. Em 2024, o Chega liderou entre homens com menos de 55 anos e cresceu entre mulheres de 25–34 anos [13].
Em termos de instrução, apenas 7% dos licenciados votaram Chega em 2022, enquanto entre os eleitores com ensino secundário completo obteve o melhor resultado [7]. O partido apela à classe média baixa, trabalhadores e setores frustrados com os partidos tradicionais. Em termos geográficos, destacou-se nos territórios do interior Sul e no Alentejo, antigos bastiões do PS e do PCP [9].
Partido Socialista (PS)
O eleitorado do PS caracteriza-se por uma média de idade elevada e maior participação feminina. Se traçarmos um retrato-tipo, seria uma mulher com mais de 54 anos e com baixa escolaridade [5]. De fato, 57% dos votos socialistas em 2022 foram de mulheres [6]. Cerca de metade dos votantes do PS têm mais de 54 anos [7], o que faz do PS o partido preferencial dos eleitores mais idosos. Em contraste, entre os jovens adultos o PS enfrenta grande dificuldade – em 2024, ficou apenas em terceiro lugar entre os eleitores de 18 a 34 anos [8].
O PS continua ancorado nos estratos menos instruídos e populares. É o partido com maior apoio entre pessoas de baixa instrução: em 2022, 55% dos eleitores do PS não tinham terminado o ensino secundário [6]. Nas eleições de 2025, os socialistas viram a sua votação descer em 307 dos 308 concelhos do país [9]. O PS mantém um perfil de eleitorado envelhecido, maioritariamente feminino e menos instruído.
Iniciativa Liberal (IL)
A IL tem um eleitorado pequeno mas muito definido: urbano, jovem, altamente instruído e tendencialmente masculino. Em 2022, 49% dos seus votantes tinham menos de 35 anos [14], e 58% eram homens [6]. É o partido preferido dos licenciados: cerca de 61% dos seus eleitores têm diploma universitário [6].
Em termos territoriais, é forte nas áreas metropolitanas de Lisboa, Porto e no estrangeiro. A IL enfrenta o desafio de alargar a sua base para além do nível socioeconómico alto e meios urbanos instruídos [8].
Bloco de Esquerda (BE)
O BE sempre contou com eleitorado jovem, urbano e escolarizado. Em 2022, a maioria dos votantes eram mulheres (55%) [6]. Mesmo em declínio, destacou-se entre jovens até 25 anos [7]. A base envelheceu, mas ainda está abaixo da média. Apenas 3% dos votos vieram de eleitores acima de 54 anos [7].
Em 2022, 42% dos votantes tinham curso superior [6]. A queda entre eleitoras com curso superior em 2025 prejudicou fortemente o BE [13]. Geograficamente, está concentrado em centros urbanos e universitários. Enfrenta hoje concorrência da IL e do Livre no eleitorado jovem instruído [13].
Partido Comunista Português (PCP/CDU)
O PCP tem uma base envelhecida e fiel. Em 2022, a maioria dos seus eleitores tinham mais de 54 anos, embora com diferença moderada para as demais faixas [6]. Não há grande diferença entre sexos (53% homens, 47% mulheres) [6]. O partido enfrenta dificuldade em renovar a sua base.
É o partido de trabalhadores manuais e pensionistas. Em 2022, 36% dos seus votantes não tinham concluído o secundário [6]. Geograficamente, está presente no Alentejo e Margem Sul, mas perdeu terreno nos últimos anos. É um eleitorado classista, envelhecido e ideológico.

As clivagens por idade, género e escolaridade estão a reconfigurar o sistema partidário português. PS, PSD e PCP mantêm bases mais velhas; Chega, IL e BE captam mais jovens. As mulheres votam mais à esquerda; os homens, à direita. PS e PCP têm apoio entre os menos escolarizados; BE, IL e AD entre os diplomados. Compreender estas bases permite interpretar a dinâmica dos partidos e prever onde ganharão ou perderão terreno.

Fontes:
[1] Pedro Magalhães e João Cancela, "As bases sociais do novo sistema partidário português, 2022–2025"
[2] ICS/ISCTE, Sondagens à boca das urnas 2022 e 2024
[3] Magalhães, Pedro. Artigo sobre gender gap em Portugal (ICS 2023)
[4] Sondagem ICS/ISCTE (Educação e voto 2022–2024)
[5] Expresso, "Perfil do eleitor-tipo do PS" (2022)
[6] ICS/ISCTE, distribuição por sexo, idade e instrução (2022)
[7] Sondagens Legislativas 2022 (Pitagórica/ISCTE/ICS)
[8] CESOP/Universidade Católica, Tracking Poll 2024/2025
[9] Observador, "Mapa Eleitoral 2025" (Maio 2025)
[10] Lisi, Marco. Entrevista RTP (2024)
[11] Lisi, Marco. "Do PSD ao PS: migração de pensionistas" (ICS)
[12] SIC/Notícias, Perfil do eleitor do Chega (2022)
[13] ICS, Relatórios de voto segmentado por sexo e idade (2024/25)
[14] Sondagem Eurosondagem 2022 (perfil da IL)