terça-feira, 13 de setembro de 2016

a teoria da narrativa

Porque é que Costa não pode dizer as coisas simplesmente como elas são?
Onde está a dificuldade?
A dificuldade está num dos grandes legados de Sócrates aos seus correligionários:
a teoria da “narrativa”.
O princípio da teoria é expedito: não há factos partilháveis entre adversários políticos, não há informação independente dos interesses de cada um; cada partido pode e deve construir a sua própria “realidade”, sob pena de viver na realidade imposta pelo seu adversário. Com isto, Sócrates não estava a aludir à habitual disputa de interpretação das estatísticas, mas a outra coisa muito mais radical: à possibilidade e à conveniência de engendrar grandes ficções, recusando qualquer terreno comum de dados com os adversários. Passou a ser a regra entre os seus sucessores. Vimo-los assim insistir que em 2011 o país estava óptimo e as dificuldades só começaram quando a “direita radical” assaltou o poder.
A “narrativa”, para aqueles que pretendem passar por gente de esquerda, tornou-se uma questão de identidade. Quem não repetir a “narrativa”, não é do PS, não é de esquerda, ou está a ceder, por debilidade ou inconsciência, a uma coisa que se chama “ideologia da direita”, e que corresponde mais ou menos a toda a informação que não condiz com os interesses do Costa e dos seus aliados.
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Nada disto, porém, poderia funcionar sem outro legado socrático no PS:
a adopção da visão demoníaca que o PCP e o BE têm daquilo que chamam a “direita”, e que frequentemente no passado incluiu o próprio PS.
No mundo do PCP e do BE, o pluralismo não é normal. Por isso, é-lhes impossível conceber a direita como uma expressão legitima da diversidade de opiniões e de alternativas num regime livre. Pelo contrário, a direita pareceu-lhes sempre um caso de criminalidade odiosa, a justificar todas as exclusões e autos-de-fé.
Sócrates promoveu esta mentalidade de guerra civil no PS, o que, em Novembro de 2015, ajudou a explicar a conjugação com o PCP e o BE: tudo era preferível à continuação do “governo da direita”, porque a direita, como todo o verdadeiro homem de esquerda sabe, é o mal absoluto.

Esta negação do pluralismo tem também sido fundamental para a produção da “narrativa”, na medida em que é a caricatura satânica dos adversários que legitima a redução da discussão pública à propaganda e à contra-informação. (in Observador por Rui Ramos)