quarta-feira, 14 de agosto de 2019

BATALHA DE ALJUBARROTA

14 DE AGOSTO DE 1385
E se D. Juan I estivesse lúcido?
Sabe-se hoje que o rei de Castela jazia na retaguarda da sua posição, atingido por uma febre que o paralisou
Se Nuno Álvares Pereira e os seus conselheiros ingleses fizeram tudo certo na preparação da crucial Batalha de Aljubarrota, o rei de Castela não podia ter errado mais. A tática da Velha Albion incluiu aqui as armadilhas dos fossos e das covas de lobo (só destas últimas foram descobertas 830, até hoje), disfarçadas com ramagens e situadas em frente à vanguarda portuguesa. De resto, a “receita” inglesa estava lá toda: reconhecimento e escolha do terreno de batalha antes de o inimigo o fazer, linhas de água laterais, envolvidas por barrancos, estreitamento natural, em determinado ponto, do pequeno planalto de S. Jorge (na verdade, localizado no concelho de Porto de Mós, uma dúzia de quilómetros a nordeste de Aljubarrota, freguesia de Alcobaça). O contingente inimigo, de 20 mil a 30 mil homens, vinha de Leiria a caminho de Santarém (que estava do lado do rei de Castela), para depois rumar a Lisboa, que D. Juan I não desistia de tomar. “O exército português estava ali a dar tudo por tudo”, diz o investigador João Gouveia Monteiro. “Se o rei castelhano chegava a Lisboa, era o fim, o desastre. Eles queriam atalhar o caminho à hoste inimiga num ponto em que já se encontrasse bem internada em Portugal, que não fosse próximo de Castela – em Pinhel ou Trancoso receberiam facilmente reforços – mas que também estivesse suficientemente longe de Lisboa, para que, se a batalha corresse mal, tivessem alguma esperança de recuperação.” E o exército castelhano tinha mesmo de ir ao combate. Ainda se encontrava longe de Lisboa, e não podia continuar a marcha até Santarém com um exército inimigo na retaguarda, pronto a atacar pelas costas. Os castelhanos não sabiam, mas o efetivo de Nuno Álvares Pereira era de dez mil homens, 800 dos quais experientes mercenários ingleses (na sua maioria arqueiros).
Os castelhanos ainda fizeram uma patética manobra de reconhecimento do dispositivo de Nuno Álvares Pereira, enviando um proeminente nobre, Pero López de Ayala, e um irmão do Condestável, Diogo, ao acampamento do exército português, com o pretexto de uma proposta de negociações. Foram rapidamente corridos dali, sob ameaças de morte. No entanto, o “batido” Ayala (cronista-mor) foi veemente no que depois disse ao rei: aconselhou a que se não combatesse naquele dia, porque os portugueses tinham barrancos laterais, que conduziam a linhas de água, e que isso iria tornar difícil que as alas de cavalaria castelhanas entrassem no confronto. E, de facto, não conseguiriam participar no combate. D. Juan I, que sofria de sezões (uma espécie de paludismo moderno), ardia em febre e não entendia o que estava a acontecer no campo de batalha. Havia já 15 dias que era transportado numa liteira, na qual jazia agónico. Nem sequer se terá apercebido bem de que uma grande parte das suas tropas não chegara ao campo de S. Jorge – ainda estava na coluna de marcha, muito a norte. Pensando que ia ser fácil, e sem ter noção das armadilhas que o esperavam, o exército invasor decidiu atacar.
A batalha iniciou-se às seis da tarde e ao fim de uma hora encontrava-se decidida e terminada. E foi cruel. Logo na primeira investida do inimigo, a cargo de cavaleiros franceses, cedidos pelo rei gaulês, Carlos VI, a D. Juan I, a chacina começou. Historiadores espanhóis estimam que fossem entre 800 e 1 200 homens. Muitos morreram, e os que foram feitos prisioneiros acabaram executados, ali mesmo, no Campo de S. Jorge, por ordem de D. João I. Calcula-se que tenham morrido na batalha três mil a quatro mil castelhanos, franceses e fidalgos portugueses (casos de Pedro e Diogo,
os irmãos de Nuno Álvares Pereira que combatiam por D. Juan I), e outros tantos na fuga, assassinados por populares numa noite de facas longas (donde o mito da padeira de Aljubarrota). Do lado do Condestável, as baixas estimadas situavam-se entre 200 e 600 homens.
Numa vala comum, no Campo de S. Jorge, foram encontrados 2 874 ossos humanos (depois datados em laboratório como sendo do séc. XIV), correspondentes a 414 indivíduos do sexo masculino, com idades à morte entre 18 e 65 anos. Observam-se golpes nos occipitais (crânio) e nos fémures (pernas), sinais de agressões direcionadas. Muitos desses homens terão sido mortos quando já estavam caídos no chão ou quando se encontravam em fuga e foram atingidos por trás. Um estudo da especialista Eugénia Cunha, sobre a patologia traumática desses indivíduos, revela “um ambiente de grande pressa e confusão”. Não há grandes diferenças de lateralidade nas lesões, o que significa que os escudos serviram de pouco. É impressionante o que os ossos nos contam.