sábado, 10 de agosto de 2024

a tradição parece ter deixado de ser o que era...

Donald Trump podia ter escolhido Nikki Haley, mulher e republicana moderada, ou Tim Scott, senador negro do Sul, para “equilibrar” a sua candidatura, mas preferiu consolidar o seu popular “populismo” com um dos representantes do nascente “populismo intelectual”: o “branco pobre” dos Apalaches, famoso pela sua Era Uma Vez um Sonho (Hillbilly Elegy), James David "JD" Vance que protagonizava uma história de sucesso muito americana – serviço nos Marines com uma passagem pelo Iraque em guerra que o desiludira quanto à cruzada neoconservadora para exportar a democracia, Yale, sucesso empresarial, conversão ao catolicismo e sensibilidade ao nacionalismo, aos reveses da emigração desregulada e ao solidarismo social do pós-liberalismo norte-americano. E pensamento articulado, coisa rara nos dias que correm – na política e na América.
Kamala Harris
tinha, na sua short list, três candidatos a vice: 
Mark Kelly, senador do Arizona, Josh Shapiro, governador da Pensilvânia, e Tim Walz, governador do Minnesota. O curriculum de Kelly tinha tudo para conquistar conservadores e independentes: aviador de combate na guerra do Golfo e astronauta, e eleição e reeleição para o Senado pelo Arizona em 2020 e 2022, uma proeza num Estado que desde 1962 era republicano. Mas, aparentemente, Kelly não era suficientemente “normal” para normalizar o progressismo de Kamala Harris.
Joshua David Shapiro, congressista pela Pensylvania, eleito Procurador-Geral pelo Estado entre 2017 e 2023, onde dirigira com rigor as investigações sobre os abusos sexuais na Igreja Católica, e Governador da Pennsylvania em 2023, também tinha um bom curriculum.  E seria o primeiro judeu praticante a entrar na Casa Branca como vice da primeira mulher “negra” presidente.  Pena que na crise nascida dos ataques do Hamas em 7 de Outubro Josh se tivesse revelado crítico das manifestações anti-judaicas e pró-palestinianas nas universidades americanas. Era preciso alguém mais “normal.”
e o escolhido foi
Tim Walz, que vinha, não para equilibrar mas para exponenciar o progressismo de Kamala; um homem que, com a propaganda adequada,  podia convencer os conservadores mais distraídos, passando maravilhosamente por americano médio, por cidadão comum, por um afável “moderado” cuja branquitude, a masculinidade, a pertença à classe média e as “piadas à pai de família” dissociariam o ticket democrata das políticas radicais que o mesmo Walz tinha vindo a promover e que vinham afastando a Esquerda…do “cidadão comum”. 
Assim, com este recurso à “normalidade”, diluía-se o dilema de uma esquerda “too woke to connect with voters” ou em claro processo de desconexão com o povo trabalhador; uma esquerda que, assim, não teria já de escolher entre a “wokeing class” e a “working class”.