terça-feira, 4 de dezembro de 2018

Estamos a passar pelo que parece ser o fim de uma época.

Em França, a revolução sai à rua; em Espanha, entrou, por enquanto, num parlamento regional [e na Alemanha já entrou em todos].
Os apelos do costume já não funcionam:
nem o medo do “caos”, com que o Macron tenta assustar os franceses;
nem o medo do “fascismo”, com que as esquerdas até hoje se habituaram a inibir as direitas. Em Espanha, vamos talvez descobrir que “geringonças” há muitas;
Em França, que quando o poder se propõe pôr os cidadãos “em marcha”, os cidadãos marcham mesmo, mas não necessariamente segundo a vontade do poder.
três erros que podemos cometer em relação aos “coletes amarelos”.
O primeiro erro é contemplar tudo como um problema simplesmente francês. Não é. A União Europeia é uma aliança franco-alemã. Para que possa haver UE, é necessário que a Alemanha e a França funcionem. [...] Há quinze anos, a Alemanha reformou-se para competir nos mercados globais. [tem excedentes e emprego] A França, pelo contrário, não fez reformas. É o país dos défices e do desemprego. 
O segundo erro é pensar que se trata apenas do fracasso de Emmanuel Macron. Não é. Porque antes de um fracasso de Macron, ainda por confirmar, estão os fracassos já confirmados da direita gaullista, com Nicolas Sarkozy, e da esquerda socialista, com François Hollande. Entretanto, os grandes partidos de governo da V República, que já só sobreviviam chantageando o eleitorado com a ameaça dos Le Pen (ou nós, ou o “fascismo”), desapareceram. Em seu lugar, as elites aglomeraram-se à volta de um jovem que era suposto fazer as reformas sem o empecilho da velha dicotomia esquerda-direita. 
O terceiro erro está na nossa economia de esforço interpretativo. Para explicar os coletes amarelos, preferiu-se em geral traduzir os contrastes americanos que, há dois anos, serviram para dar conta de Trump: os “deploráveis” contra as elites, o campo contra as  cidades, a tasca contra o Starbucks, o nativismo contra o cosmopolitismo, etc. 

A França enfrenta assim um paradoxo que Portugal e a Europa do sul conhecem bem: quanto menos dinâmica é a economia, mais castigada é a sociedade por impostos, porque os governos precisam de compensar as clientelas, e não há outra via senão o fisco e a dívida. Eis como duram os Estados europeus, navegando entre duas revoltas possíveis: a dos contribuintes e a dos dependentes. (in “Três erros sobre a França dos coletes amarelos” por Rui Ramos)