domingo, 23 de julho de 2023

só vim cá ver a bola...

Uma ida ao futebol foi quanto bastou para António Costa esvaziar o Conselho de Estado, desautorizar outra vez o presidente da República e destratar os conselheiros. Ou seja, o muito falado Conselho de Estado, que Marcelo, em plena crise do caso Galamba-SIS, anunciou que ia convocar, acabou transformado num não-acontecimento.

Comecemos pelo carácter inesperado da saída de António Costa da reunião do Conselho de Estado. Inesperado? Há três dias que Costa anunciara que ia estar presente no primeiro jogo da equipa portuguesa no mundial “um grande momento para a promoção da igualdade de género no futebol e na sociedade“, “sinalizando assim a importância desta modalidade” (sinalizar é o verbo que neste jargão substituiu o implementar). Logo não havia aqui nada de inesperado, mas sim de antecipado: António Costa desvaloriza o Conselho de Estado e não procura sequer escondê-lo. O homem que na véspera desenhara um país de sucesso no parlamento, durante o debate do estado da Nação, não tem paciência nem se sente na obrigação de fingir que a tem! Muito menos se sente obrigado a responder às intervenções de alguns dos conselheiros. Afinal a saída “inesperada” de António Costa permitiu-lhe não responder aos conselheiros, nomeadamente a Cavaco Silva e Miguel Cadilhe, cujas intervenções foram particularmente críticas dos indicadores económicos que Costa referira na véspera no parlamento. Não menos importante, ao sair antecipadamente do conselho de Estado, Costa “roubou” a Marcelo aquele que teria sido o seu momento, que agora ficou adiado para as calendas de Setembro.
Manda portanto a prudência que antes do próximo conselho de Estado os serviços da presidência consultem os calendários futebolísticos porque a possibilidade de António
Costa fazer entrada por saída é elevada. Tanto mais que, dada a omnipresença do futebol, poucos se sentem com coragem para assumir os custos de defender que a obrigação do PM é ficar no Conselho de Estado e não andar a colar-se ao futebol. Que é na verdade o que tem feito.
Há um mês o país descobria que o Falcon que transportava o primeiro-ministro António Costa para uma cimeira na Moldávia fizera uma paragem na Hungria. Porquê? Porque o PM fora assistir à final da Liga Europa que acontecia naquele país. Como sempre as explicações eram várias, imaginativas e contraditórias entre si: nuns dia dizia o PR” O primeiro-ministro ia para uma reunião internacional e entendeu que devia dar um abraço a José Mourinho. Ele disse-me ‘é um português que está envolvido, vou-lhe dar um abraço, pode ser que dê sorte’ e quase ia dando” Noutros tínhamos a explicação oficiosa: António Costa fora a Budapeste a convite da UEFA. Ora se assim fosse, porque teria sido esta viagem do PM à Hungria, para ver futebol, mantida quase escondida, tão escondida que nem existem fotos oficiais? (Curiosamente, também a esse jogo chegou António Costa atrasado uma feliz circunstância que o poupou às fotos da praxe). A terceira versão é que António Costa precisa do apoio de Orban para as suas ambições europeias e portanto a paragem em Budapeste com a respectiva foto sentado ao lado de Orban pode causar problemas em Lisboa mas garantir votos em Bruxelas.
Não me lembro de um primeiro-ministro que marque tantas vezes presença nos estádios. Mas não só. Também não me lembro de um PM que use tantas vezes os jogos de futebol para mostrar a sua arrogância perante o regular funcionamento das instituições. E sobretudo não me lembro de algum PM ter conseguido levar tão longe e com tanto sucesso a desresponsabilização em política. Ou, traduzindo em linguagem comum, António Costa é o PM que fez do “Eu não tenho nada a ver com isto, só vim cá ver a bola” uma táctica para se manter no poder e que na hora em que é confrontado tem sempre de ir ali a um estádio sinalizar qualquer coisa.