No
momento onde o país se revolta com o aumento da violência doméstica, era
essencial arranjar um culpado que não o Governo. Se há cinco anos tudo, desde
os suicídios à violência doméstica, era culpa da austeridade de Passos, agora
nada é responsabilidade de Costa.
Eis
a Fita do Tempo:
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30
de Novembro de 2014 – No congresso do Partido Socialista
ouve-se em silêncio o nome das mulheres mortas por violência doméstica esse
ano. O partido tenta passar a mensagem de que a violência doméstica está ligada
à austeridade. [...]
11
de Outubro de 2017 – O juiz desembargador Neto de Moura assina
um acórdão onde mantém a pena decidida em primeira instância num caso de
violência doméstica. [...]
17
de Outubro de 2017 – Depois de um época trágica de incêndios,
onde morreram mais de cem pessoas, o CDS decide apresentar uma moção de censura
ao Governo. [...]
22
de Outubro de 2017 – Rebenta o escândalo Neto de Moura. O até
então anónimo desembargador da relação do Porto passa a dominar o ciclo de
notícias. [.] A moção de censura do CDS, assim como o tema dos incêndios passa
para segundo plano.
31
de Outubro de 2018 – O juiz desembargador Neto de Moura, num
acórdão aprovado por unanimidade, decide retirar a pulseira electrónica a um
homem condenado por violência doméstica. [.]
Janeiro
e Fevereiro de 2019 – Mais de dez mulheres são mortas vítimas
de violência doméstica. O tema volta a dominar o ciclo de notícias. [...]
5
de Fevereiro de 2019 – O Conselho Superior de Magistratura pune
com uma advertência o desembargador Neto de Moura. Dos quinze membro do CSM, 7
votaram pelo arquivamento do processo. [...]
25 de Fevereiro de 2019 – O Público noticia o
acórdão de 31 de Outubro de 2018. A notícia, rapidamente reproduzida pelos
outros órgãos de comunicação social, diz que o desembargador Neto de Moura
retirou a pulseira a agressor por este não ter dado o seu consentimento. Quase
nenhum órgão de comunicação social refere que esse consentimento é
obrigatório por lei. [...]
6 de Março de 2019 – O Tribunal da Relação do
Porto, após uma violenta campanha, anuncia que o desembargador Neto de Moura
vai deixar de apreciar casos de violência doméstica.
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Se é
verdade que as decisões do desembargador Neto de Moura podem ser criticadas,
não é menos verdade que ele tem sido usado como bode expiatório sobre a
violência doméstica.
Num
primeiro escândalo, alimentado por pessoas do ou próxima do Partido
Socialista, foi evidente a necessidade de retirar o tema dos incêndios do ciclo
de notícias. O acórdão foi quase sempre apresentado truncado, a maioria das
vezes foi dado a entender que a pena tinha sido reduzida (o que é mentira),
todos os comentadores ligado ao PS comentaram e alimentaram o caso.
Num
segundo escândalo, que é absurdo uma vez que ninguém se lembrou de criticar
a lei, mas apenas o juiz que a aplica, serviu claramente para ligar o aumento
da violência doméstica aos juízes. A ideia é clara: a violência doméstica
aumenta porque os juízes são permissivos.
Tudo
para não lembrar que, passados mais de 4 anos do Congresso onde o Partido
Socialista tomou como bandeira a violência doméstica que era fruto da
austeridade, passado quase quatro anos com o mesmo partido no poder, o problema
aumentou!
Neto de Moura,
independentemente daquilo que se possa pensar sobre as suas opiniões sobre a
violência doméstica (e da sua inépcia em comunicar), foi usado como arma de
remesso para causar indignação sobre a violência doméstica. O drama é que, ao concentrar
as atenções neste juiz concreto e nos juízes em geral, vai-se continuar sem
nada fazer ou resolver quanto ao flagelo da violência doméstica. No fundo, parafraseando
Lampedusa, muda-se tudo para não mudar nada.
(in «Neto
de Moura e a violência doméstica: "É preciso mudar tudo para que tudo
fique na mesma"» por Zé Maria Duque )