quinta-feira, 7 de março de 2019

violência doméstica: "É preciso mudar tudo para que tudo fique na mesma".

No momento onde o país se revolta com o aumento da violência doméstica, era essencial arranjar um culpado que não o Governo. Se há cinco anos tudo, desde os suicídios à violência doméstica, era culpa da austeridade de Passos, agora nada é responsabilidade de Costa.
Eis a Fita do Tempo:
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30 de Novembro de 2014 – No congresso do Partido Socialista ouve-se em silêncio o nome das mulheres mortas por violência doméstica esse ano. O partido tenta passar a mensagem de que a violência doméstica está ligada à austeridade. [...]
11 de Outubro de 2017 – O juiz desembargador Neto de Moura assina um acórdão onde mantém a pena decidida em primeira instância num caso de violência doméstica. [...]
17 de Outubro de 2017 – Depois de um época trágica de incêndios, onde morreram mais de cem pessoas, o CDS decide apresentar uma moção de censura ao Governo. [...]
22 de Outubro de 2017 – Rebenta o escândalo Neto de Moura. O até então anónimo desembargador da relação do Porto passa a dominar o ciclo de notícias. [.] A moção de censura do CDS, assim como o tema dos incêndios passa para segundo plano.
31 de Outubro de 2018 – O juiz desembargador Neto de Moura, num acórdão aprovado por unanimidade, decide retirar a pulseira electrónica a um homem condenado por violência doméstica. [.]
Janeiro e Fevereiro de 2019 – Mais de dez mulheres são mortas vítimas de violência doméstica. O tema volta a dominar o ciclo de notícias. [...]
5 de Fevereiro de 2019 – O Conselho Superior de Magistratura pune com uma advertência o desembargador Neto de Moura. Dos quinze membro do CSM, 7 votaram pelo arquivamento do processo. [...]
25 de Fevereiro de 2019 – O Público noticia o acórdão de 31 de Outubro de 2018. A notícia, rapidamente reproduzida pelos outros órgãos de comunicação social, diz que o desembargador Neto de Moura retirou a pulseira a agressor por este não ter dado o seu consentimento. Quase nenhum órgão de comunicação social refere que esse consentimento é obrigatório por lei. [...]
6 de Março de 2019 – O Tribunal da Relação do Porto, após uma violenta campanha, anuncia que o desembargador Neto de Moura vai deixar de apreciar casos de violência doméstica.
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Se é verdade que as decisões do desembargador Neto de Moura podem ser criticadas, não é menos verdade que ele tem sido usado como bode expiatório sobre a violência doméstica.
Num primeiro escândalo, alimentado por pessoas do ou próxima do Partido Socialista, foi evidente a necessidade de retirar o tema dos incêndios do ciclo de notícias. O acórdão foi quase sempre apresentado truncado, a maioria das vezes foi dado a entender que a pena tinha sido reduzida (o que é mentira), todos os comentadores ligado ao PS comentaram e alimentaram o caso.
Num segundo escândalo, que é absurdo uma vez que ninguém se lembrou de criticar a lei, mas apenas o juiz que a aplica, serviu claramente para ligar o aumento da violência doméstica aos juízes. A ideia é clara: a violência doméstica aumenta porque os juízes são permissivos.
Tudo para não lembrar que, passados mais de 4 anos do Congresso onde o Partido Socialista tomou como bandeira a violência doméstica que era fruto da austeridade, passado quase quatro anos com o mesmo partido no poder, o problema aumentou!
Neto de Moura, independentemente daquilo que se possa pensar sobre as suas opiniões sobre a violência doméstica (e da sua inépcia em comunicar), foi usado como arma de remesso para causar indignação sobre a violência doméstica. O drama é que, ao concentrar as atenções neste juiz concreto e nos juízes em geral, vai-se continuar sem nada fazer ou resolver quanto ao flagelo da violência doméstica. No fundo, parafraseando Lampedusa, muda-se tudo para não mudar nada.

(in «Neto de Moura e a violência doméstica: "É preciso mudar tudo para que tudo fique na mesma"» por Zé Maria Duque )