domingo, 31 de dezembro de 2017

mais um “profeta” …

Quando o governo anterior começou, a grande maioria dos comentadores não acreditava que a coligação entre Portas e Passos Coelho resistisse a 4 anos de governação. Nunca uma coligação de governo tinha durado uma legislatura completa em Portugal. Hoje sabemos duas coisas. Enganaram-se na previsão, mas tinham razão nos argumentos. Ao fim de dois anos de coligação, as dificuldades da governação levaram a uma crise na coligação que levou à irrevogável demissão de Paulo Portas. Foi um golpe surpreendente de Passos Coelho que segurou o governo.

A minha previsão para este ano é a mesma. A actual coligação de governo não passará de 2017. Esse será o acontecimento mais relevante da política nacional do ano que vem. E espero que António Costa, tal como Passos Coelho, nos surpreenda e que a minha previsão falhe. (por Luís Aguiar-Conraria em Governo não passa de 2017)

quinta-feira, 28 de dezembro de 2017

o Governo autorizou a compra de cinco aeronaves

Estamos em Dezembro, o anuncio foi feito com pompa e circunstância em plena época de fogos florestais.
Já viu algum?
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O Governo autorizou o início de negociações com a Embraer para comprar cinco aeronaves militares KC-390, usadas também para combate a incêndios florestais.
A resolução do Conselho de Ministros, publicada esta quinta-feira (26Jul17) em "Diário da República" com efeitos imediatos, refere a compra "até cinco aeronaves KC-390, com opção de mais uma" e ainda a respectiva sustentação logística e um simulador de voo (fullflight simulator CAT D), para instalação e operação em território nacional.

quinta-feira, 21 de dezembro de 2017

um ordinário na política ...



Para facilitar a compreensão, transcrevo, na íntegra, a intervenção do senhor primeiro-ministro, de forma a que possamos compreender em pleno o que foi dito.
Irei responder à sua pergunta, mas antes disso, não resisto a citá-la. E a citá-la em dezassete de Janeiro deste ano, dirigindo-se a mim, e eu agora ora dirijo-me a sim. “A minha pergunta é esta: porque é que não nos fala da dívida?” E a senhora deputada andou apaixonada pela dívida. Não foi só no dia dezassete de Janeiro, foi também no dia vinte e sete de Janeiro que me voltou a perguntar pela dívida, e no dia oito de Fevereiro, e no dia vinte e dois de Fevereiro, e no dia oito de Março, e no dia vinte e dois de Março, e no dia vinte-seis de Abril, sempre a falar-me da dívida… Quenhora deputada, porque é que não me fala mais da dívida? Senhora deputada, já não está preocupada pela dívida?

[Sons de matilha de mastins com cio]. A sen… A senhora deputada tem aquela coerênça do salta-pocinhas. A sua pergunta é sobre sobre o tema do dia. Agora o tema do dia é o Montepiu : vou-lhe responder ao Montepiu . Primeiro o Montepiu . O Montepiu num é um banco quauquer . O Bancopiu é o banco uma associação mutualista . E àçuciação mutualista também num é uma entidade quauquer . É uma suciedade, é umentidade a quem milhares de purtugueses confiaram as suas poupanças e peservar àssociação mutualista é peservar a poupança de milhares de purtugueses . Segundo lugar: como o dotor Pedro Santana Lopes já teve ocasião de esclarecer , o tema surgiu depois da Santa Casa da Misericórdia ter manifestado interesse em participar no sistema financeiro, foi um tema discutido dento da Santa Casa, o governo e o Banco de Putugal , quer a Santa Casa, quer o guverno, quer Banco de Purtugal entenderam quiera que num avia nenhum obstáculopolíticoà paticipação , quiera seguramente do interesse dàçociassão mutualista , e que provavelmente seria do interesse tamém da Santa Casa. O que foi dito é que num poderia ser feito esse neg… essa intervenção se num fosse do interesse da Santa Casa e o provedor da Santa Casa naturalmente, como pimeiro guardião doz interesses da Santa Casa, tomou a decisão de mandar fazer umstudo , que como onté divulgó ainda num está concluído, e sem o qual num é possível tomar quauquer decisão. Essa decesão será tomada nu estrito respeito pela autonomia própria da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, o governo naturalmente acompanha com interesse o tema, mas sem o substituir, sem dar instruções, caliás estatutariamente não poderia fazer. E por isso aguardemos que oestudos tejam concluídos, ca mesa da Santa Casa tome as decisões que tiver a tomar, e depois aí puderemos pronunciarmos sobre essa matéria. Agora, o que num queira é fazer aquilo que num existe, qué pôr o primeiro-ministro a fazer de povedor de Santa Casa porque o ministro num é provedor da Santa Casa, fazer do provedor de Santa Casa primeiro-ministro, porque não é. Esse trabalho que tem fuito feito ao longo destes meses cum grande lealdade e correcção entre o governo, o então governador e assim e… o então provedor e seguramente continuará a ser assim feito ente o actual governo e o actual provedor. Muito obrigado senh.
(in ”Transcrição integral e sem sal
”por vitorcunha)

domingo, 17 de dezembro de 2017

rarissimas e "tenebrosa máquina"

A piada [no Rarissimas] é que
a minoria finge interpretar o episódio ao contrário e, numa espectacular demonstração da inteligência que atribui ao cidadão médio, apressou-se a culpar os culpados do costume, isto é, os que ilibam os culpados reais.
[foi por isso que]
No instante em que se descobriu a cumplicidade na tramóia de
- um ministro confiável, de
- um secretário de calções e de
- um punhado de socialistas alegres,
os funcionários da propaganda lançaram a responsabilidade para cima
- da jornalista Ana Leal (porque fintou a censura, perdão, o código de decência, perdão, as regras de preservação da privacidade),
- da esposa de Cavaco Silva (porque era madrinha da Raríssimas) ,
- de Pedro Passos Coelho (porque sim) e, principalmente,
- do pormenor criminoso de a Raríssimas não pertencer ao Estado. 

sexta-feira, 15 de dezembro de 2017

E ninguém estranha ?

A Raríssimas não é raríssima. Pior: se virmos como desde o topo do Governo a um pouco por todo o Estado há demasiados amigos e familiares, percebe-se que o exemplo até vem de cima. E ninguém estranha:
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Rosa Matos Zorrinho tem, tudo o indica, um bom currículo e boas qualificações para ser secretária de Estado da Saúde. Nada a dizer.
Nada a dizer? Nem por isso. Na verdade, tem um apelido que faz franzir o sobrolho: Zorrinho. O apelido do marido, Carlos Zorrinho, antigo governante do PS, hoje eurodeputado socialista. [...]é mais um sinal de uma espécie de governo “entre família e amigos”. [...]
Temos dois ministros que são casados: Ana Paula Vitorino, ministra do Mar, e Eduardo Cabrita, ministro da Administração Interna. Temos uma secretária de Estado Adjunta, Mariana Vieira da Silva, que é filha do ministro do Trabalho, Vieira da Silva. Temos na Secretaria de Estado dos Assuntos Fiscais António Mendonça Mendes, que não é fiscalista mas é irmão de Ana Catarina Mendes, a mulher que toma conta do PS em nome de António Costa. Já a mulher deste governante, Patrícia Mendes, trabalha como adjunta no gabinete do PM. [...]
Há mais casos de parentescos entre alguns dos actuais governantes e antigos ministros ou responsáveis socialistas, mas esses parentescos talvez não pesem tanto como o do círculo de amigos – em concreto, o dos amigos de António Costa. O mais recente a sentar-se à mesa do Conselho de Ministros foi Pedro Siza Vieira, mas entre os que são muito próximos de Costa há muitos, muitos anos é necessário contar também com Eduardo Cabrita. Os dois estiveram em Macau ainda na década de 1980 por indicação do actual primeiro-ministro. Eles e também Diogo Lacerda Machado, [...]
Sem esquecer Jorge Oliveira, ex-secretário de Estado para a Internacionalização, um dos que teve de se demitir por causa do Galpgate.
Jorge Oliveira, recorde-se, não se demitiu sozinho. Com ele também saíram do governo mais duas pessoas muito próximas de António Costa: Fernando Rocha Andrade, que começou a trabalhar com ele ainda no tempo em que era secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares no governo de António Guterres, e João Vasconcelos, que trabalhara com o PM enquanto diretor da Startup Lisboa.
Os três deviam ter-se demitido quando o caso das idas ao Europeu de França foi tornado público, mas só se demitiram quando o Ministério Público os constituiu arguidos. Ou seja, demoraram demasiado tempo a sair. [...]
Não foram os únicos que António Costa manteve no Governo bem para lá do razoável. Aconteceu o mesmo com Constança Urbano de Sousa, a ex-ministra da Administração Interna cujo currículo político era ter trabalhado com António Costa na… Administração Interna. No final da terrível época de incêndios não foi só ela que se demitiu. Também se demitiu o presidente da Autoridade Nacional da Protecção Civil, Joaquim Leitão, um coronel que fora nomeado para o cargo com parecer negativo do Conselho Superior de Oficiais do Exército, um óbice que pouco pesou pois fora comandante do Regime de Sapadores Bombeiros de Lisboa quando Costa era presidente da Câmara.
Nesta altura cabe perguntar: se estes dois protagonistas não fossem tão próximos do primeiro-ministro será que tinham continuado em funções depois de Pedrógão Grande? [...]
Na verdade António Costa, nos anos em que foi presidente da Câmara de Lisboa, evitou os concursos para todos os directores de departamento e chefes de divisão, contornando a lei através do recurso ao chamado “regime de substituição”. Pormenor: alguns dos assim nomeados eram familiares de dirigentes socialistas, como Susana Ramos, directora do Departamento de Desenvolvimento Social da CML e mulher de Duarte Cordeiro, actual vice-presidente da autarquia. Ou Sara Gil, mulher de Marcos Perestrello, que foi também vice-presidente da Câmara e hoje é secretário de Estado da Defesa, trabalhou no gabinete da então vereadora Graça Fonseca, outra figura próxima de Costa que este trouxe para o Governo: é hoje secretária de Estado da Modernização Administrativa. [...]
a mesma Graça Fonseca que tem como adjunto Pedro Silva Gomes, um quadro (evito a palavra boy) do PS que foi condenado a pagar à Segurança Social subsídios irregularmente recebidos, um caso que se tornou público em 2010 quando já trabalhava com Graça Fonseca e que, passado todo este tempo, está agora como adjunto no seu gabinete, ganhando 3 455,78 euros.
Como todo este círculo é pequeno, e Portugal dizem que é uma apenas uma aldeia, Ana Catarina Gamboa, namorada de Pedro Nuno Santos, o secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, trabalhou no gabinete de Duarte Cordeiro, na CML [...]
Não devemos estranhar o convite a Sónia Fertuzinhos para ir à Suécia, apesar de ser difícil perceber a motivação. Afinal continuamos em família, pois a deputada do PS é a companheira de Vieira da Silva.
E Vieira da Silva, como sabemos, nunca viu nada. Mesmo aprovando as contas da associação

segunda-feira, 11 de dezembro de 2017




Tem-se tornado cada vez mais evidente que o Brexit, elevado nos media a vitória da vontade popular, foi uma grande derrota da democracia.
(e como o golpe fez escola, em breve veremos quem, na Catalunha, aprendeu esta lição!)
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“Já se sabia da violação dos procedimentos próprios de uma república democrática – uma decisão de soberania nacional foi legitimada por maioria simples num referendo que, na prática,
dividiu a população em duas metades [...]. Agora, foi exposto também o logro na base do acordo para a saída do Reino Unido: a campanha eleitoral pró-Brexit convenceu os britânicos a votar a favor de algo que, na realidade, não irão obter. Ou seja, meio país foi enganado.[...]
Como é que se chegou aqui?
Simples: caindo no populismo guiado por emoções, cedendo ao irrealismo das soluções simplistas, entregando o debate público às redes sociais, confundindo insatisfação com repúdio pelo projecto europeu, e convencendo a população de que a negociação levaria a um entendimento que, na realidade, é impossível. No fundo, através de uma deturpação do debate público que fragilizou a democracia britânica.
Eis, portanto, a lição do Brexit: ignorar os procedimentos republicanos e autorizar a manipulação do debate público só serve para, sacrificando o povo e instrumentalizando o voto popular, legitimar uma agenda política. E como o golpe fez escola, em breve veremos quem, na Catalunha, aprendeu esta lição.” 

segunda-feira, 4 de dezembro de 2017

A man from Harvard...

O ministro das Finanças, Mário Centeno, foi hoje eleito presidente do Eurogrupo, sucedendo no cargo ao holandês Jeroen Dijsselbloem. Foi à segunda volta, mas desta vez o favoritismo com que chegou a Bruxelas confirmou-se. O Observador esteve em directo e pode recapitular todas as peripécias do dia aqui. Mas agora que conquistou o lugar, o que fará Centeno com ele, se é que pode realmente fazer alguma coisa? Nos últimos dias as opiniões dividiram-se, pelo que importa fazer um ponto da situação.
Antes do mais, que competências tem o presidente do Eurogrupo? Nada como consultar o site da Comissão Europeia onde elas vêm descritas na página sobre o Papel do presidente do Eurogrupo:
O presidente do Eurogrupo tem as seguintes responsabilidades: 
·        preside às reuniões do Eurogrupo e estabelece as ordens do dia dessas reuniões
·        elabora o programa de trabalho a longo prazo do Eurogrupo
·        apresenta os resultados dos debates do Eurogrupo ao público e aos ministros dos países da UE que não pertencem à área do euro
·        representa o Eurogrupo nas instâncias internacionais (por exemplo G7, FMI)
·        informa o Parlamento Europeu das prioridades do Eurogrupo
Para uma explicação mais detalhada pode também consultar o trabalho de Pedro Rainho Quem elege, quem manda, como funciona: 6 perguntas e respostas sobre o Eurogrupo.
Continuando a explorar a real importância do lugar, as notícias relativas à eleição de Centeno na imprensa internacional não tiveram todas o mesmo tom. Enquanto o Financial Times, por exemplo, previa que o posto tivesse importância mas previsse menos centralidade do que no passado – “Although the Eurogroup’s crisis-fighting days are largely behind it, the centre-left Mr Centeno faces a series of sensitive items in his in-tray, including discussions on overhauling the governance of the single currency and tricky talks over awarding Greece debt relief by next summer.” –, o Politico era quase gongórico, considerando tratar-se de um “highly influential post”.
Seja lá como for, trata-se de um lugar cuja centralidade pode mudar nos próximos tempos, sobretudo se vier a ser criado o lugar de ministro das Finanças europeu proposto pela Comissão Europeia e que se enquadra na “visão” recentemente apresentada pelo Presidente francês Emmanuel Macron. É um tema que divide opiniões, mesmo entre os adeptos de uma maior integração, e disso é bom exemplo um artigo hoje publicado no Politico por Guntram Wolff, director do influente think tank Bruegel, que tem a sua base em Bruxelas: Why Europe doesn’t need a finance minister. Na sua opinião, em vez de um ministro das Finanças que fosse também vice-presidente da Comissão, “A better option would be to reform Eurogroup, the largely informal gathering of national ministers that coordinates the eurozone’s economic and fiscal policy. The Commission should move to make the Eurogroup presidency a full-time position with a clear mandate.” Mais: “A full-time president would defend European interests in the gathering of national finance ministers. He or she would defend joint decisions on the national level by attending national parliamentary debates. A full-time president would also regularly report and explain Eurogroup decisions to the European Parliament (...) thus increasing accountability.”
Para além disso, nota Bernardo Pires de Lima no Diário de Notícias, o cenário de uma grande reforma das instituições pode também não ser favorável a Mário Centeno. Em O Eurogrupo. E o Mário Centeno, escreveu, referindo-se à proposta posta a correr pela Comissão, que esta “passa por coincidir o futuro presidente do Eurogrupo com o tal superministro das Finanças da UE, com estatuto de vice-presidente da Comissão. Neste sentido, Centeno seria o último líder do Eurogrupo no atual formato, o que pode indicar que os países que mais lutarão pela superpasta tenderão a fazer do ministro português um chairman pouco marcante, de forma a baixar as expectativas para o futuro. Ou seja, tirando-lhe espaço de manobra.” Precisamente por estarmos neste momento de possível reforma das instituição, também defende no mesmo texto que “O caso muito particular do Eurogrupo pedia, por isso, uma reflexão mais profunda sobre a sua natureza, protagonismo, preponderância, informalismo e, até, sobre a bizarria de ser o único organismo comunitário com relevância determinante nos destinos europeus em que o seu presidente acumula com a pasta nacional. Sobre isto, nada vai mudar nos próximos dois anos.”
O que nos leva ao lado mais doméstico desta nomeação. Quem tem mais a ganhar e quem tem mais a perder com ela?
As análises não coincidem, mesmo aqui no Observador. João Marques de Almeida considera que conviver com esta nomeação tornará mais difícil o dia a dia da geringonça. Em Depois da troika, irá o Eurogrupo chegar a Portugal? Escreveu que “Centeno presidente do Eurogrupo irá afastar ainda mais o governo das extremas esquerdas, como já se percebeu pelas reações iniciais do PCP e do BE. Haverá um Centeno I e um Centeno II. O tempo irá confirmá-lo. A escolha de Centeno será mais um prego no caixão da geringonça. Boas notícias para Portugal.”
Já Alexandre Homem Cristo, usando até termos parecidos, entende que é a direita quem mais tem a perder em Centeno no Eurogrupo, a direita num beco, defendendo que “A vitória do ministro das Finanças na corrida ao Eurogrupo surge como o prego que faltava no caixão do discurso de PSD-CDS desde que se sentaram na oposição: aquele que defende que apenas à direita se garantem finanças em ordem, défices controlados e contas certas”. 
Celso Filipe, no Jornal de Negócios, está mais próximo da posição de João Marques de Almeida, escrevendo em Os dois lados de Centeno que “Parece óbvio que a circunstância de Centeno assumir a liderança do Eurogrupo aumentará a intensidade do foco mediático sobre Portugal, colocando mais pressão sobre o Governo, assim como poderá criar eventuais pontos de tensão no seio da geringonça, sabendo-se que tanto o PCP como o Bloco não morrem de amores pela Zona Euro. Antes pelo contrário.”
Há quem ache que o ministro das Finanças não devia ocupar este cargo, caso de Sónia Sapage, no Público, que deu Razões para (não) querermos Centeno no Eurogrupo. Por exemplo: “Estará lá para defender os interesses de Portugal como, assumo, sempre esteve, sem mais nem menos legitimidade. Mas como líder de um grupo que inclui outros 18 países, terá liberdade para tomar partido? Para colocar os interesses portugueses acima dos outros?”
E há quem ache mesmo que ter ganho esta corrida é como ganhar um campeonato sem interesse, como argumenta Daniel Oliveira, Expresso Diário, em Ganhámos os Jogos Sem Fronteiras! Escreve ele, para contestar “o nosso primeiro-ministro, pronto a sacrificar a estabilidade da maioria de que depende e os interesses do País em nome de uma boa semana na imprensa” e que por isso “diz que Mário Centeno vai ajudar a mudar a Europa. Não aprendemos nada com Durão Barroso? Acreditamos que o problema foi ele ou já percebemos que ele foi o escolhido porque é mesmo assim que a União funciona: para mandarem alguns Estados é importante que quem tem cargos de direcção não tenha poder próprio. Nem pelo seu verdadeiro prestígio, nem pela sua capacidade política (qual é a de Centeno, chegado a estas lides há dois anos?), nem pela força do Estado de onde vem.”
E agora como é que Centeno chegou a presidente do Eurogrupo? Há várias histórias para ler, talvez começando por Pedro Rainho, no Observador, que em A Europa mudou para escolher Centeno?explica que vários factores se conjugaram para fazer do ministro português o mais bem colocado, desde a tradição de um acordo de cavalheiros entre as principais famílias europeias (pelo que este lugar caberia a um socialista, e não havia muitos por onde escolher), passando pelo princípio de que seria “difícil para um país grande ter essa posição” até à procura de alguma estabilidade, o que afastou o ministro italiano, pois o seu governo vai a votos daqui por uns meses. De resto, escreve-se no mesmo texto, “Não há qualquer mudança de paradigma”, diz fonte da Comissão Europeia ao Observador, antevendo que o ministro das Finanças português terá de “engolir muitos sapos” quando der a cara pelas posições conjuntas dos ministros do Eurogrupo. “Centeno vai deparar-se com situações em que diz uma coisa em Bruxelas e outra em Lisboa”.
No Expresso deste fim-de-semana Ricardo Costa tinha também algumas explicações para o que então era visto como o favoritismo do nosso ministro em A aventura de Centeno e o futuro do Governo. Explicações que passavam por um percurso académico que o incluía numa espécie de clube restrito: “Para os corredores de Bruxelas, do BCE, das agências de rating e afins, Mário Centeno sempre foi um dos seus. É um PhD de Harvard e os PhD de Harvard falam todos a mesma linguagem, têm os mesmos códigos, entendem-se entre si. Podem ter ideias diferentes, mas respeitam-se intelectualmente, protegem-se, vão bem uns com os outros.”
Também no Expresso, mas na edição diária de hoje, Luísa Meireles falava de Uma Lança em Bruxelas, reconstitui os passos de um caminho de nove meses, mostrando como os astros se acabaram por alinhar, com um trunfo de 25ª hora: o fracasso das conversações para a formação da coligação “Jamaica” na Alemanha fez com que Merkel passasse a negociar com o socialista Martin Schulz, e este deu uma forcinha final.
Estas manobras desagradaram aos liberais, e ao seu candidato luxemburguês (em Charges of backroom deal wreak havoc in Eurogroup race, no Político, podem ler-se os seus argumentos) e também não agradaram aos representantes dos países de Leste, que querem mais protagonismo na Europa, razão por que o socialista eslovaco Peter Kažimír acabou por insistir na sua candidatura, valendo apena conhecer o sentido dessa candidatura em mais um texto do Politico, Eastern Europe strikes back at EU establishment with Eurogroup bid, onde se nota que ela ameaçou “the harmony among various political groups in the EU just as the next round of selection for the bloc’s top jobs gets underway.”
Por fim é bom ter noção de que a Europa cujos líderes parecem querer tornar ainda mais integrada é uma Europa onde a maior parte da população desconfia desse caminho, como se revela num estudo da Chatham House baseado num inquérito a 10 mil europeus de 10 países diferentes e que procura definir Europe’s Political Tribes. O Politico (de novo) apresenta uma súmula desse estudo – Study identifies Europe’s six ‘political tribes’ – e a sua leitura devia motivar as lideranças europeias, não só porque não devem dar apenas ouvidos aos que falam mais alto – “‘EU rejecters’ and ‘federalists’ may be relatively small groups, but they tend to have the loudest voices” – mas sobretudo porque “The largest political tribe, with 36 percent of the sample, were the “hesitant Europeans.” They are proud to belong to the EU but also concerned about issues like immigration. When it comes to choosing between further integration and national sovereignty, they tend to stick with the latter.” O gráfico que reproduzo acima ilustra bem como se divide a opinião pública europeia por estas seis “tribos políticas”. ( por José Manuel Fernandes )

domingo, 3 de dezembro de 2017

Os maus da fita...

A «revolução americana» que fez do hoteleiro, do agente imobiliário, do businessman, do showman, do playboy maduro Donald Trump o homem mais poderoso do mundo, deve muito a Steve Bannon.
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Bannon é um polimetis, um homem de mil ofícios, católico, académico, oficial de Marinha, banqueiro, cineasta, grande leitor e grande cinéfilo; foi ele o mago e o estratega que, com profundo conhecimento da América e dos Americanos, pôs ordem na caravana Trump para que se arremessasse contra os poderes do grande Dinheiro e da grande Imprensa.
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Sabendo que, nas guerras duras e sem quartel em que se tinham transformado as campanhas eleitorais, valia tudo; e que para os eleitores cépticos e descrentes da oferta, mais que os méritos da própria causa, contavam os deméritos do adversário, Bannon partia com Trump para o ataque. Hillary seria dali por diante a «crooked Hillary», com Clinton Cash, de Peter Schweizer, o best-seller que expunha a trama financeira do casal e da Fundação Clinton, como principal arma de arremesso e prova de acusação.
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A ideia do livro viera do próprio Bannon que, com Schweizer, pusera uma equipa de jornalistas e de investigadores a desenterrar factos chocantes sobre o financiamento da Fundação, no tempo em que Hillary ainda era secretária de Estado. Bannon e Schweizer concentraram-se nas «centenas de milhões de dólares» doados à Fundação. O estudo fora depois devidamente executado pelo GAI – Government Accountability Institute –, uma instituição privada de pesquisa com sede em Tallahasee, Flórida.
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Clinton Cash fora a bomba que dinamitara a reputação da candidata, ao enumerar a longa lista de doadores da Fundação Clinton, como o canadiano Frank Giustra, o patrão da Uranium One, com interesses no Cazaquistão, que comprara jazigos de urânio nos Estados Unidos.
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Como o urânio é um mineral estratégico, a compra teria de ser aprovada por uma comissão em que Hillary, como secretária de Estado, participava – e Giustra dera 31 milhões à Fundação. Embora a lei obrigasse a Clinton Foundation a declarar a origem dos donativos, os da Uranium One não constavam nos relatórios.
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Comentando o resultado das eleições na manhã de 9, o estratega de Trump tentava explicá-la:
Trump é o chefe de uma revolta populista… O que Trump representa é uma restauração – uma restauração do verdadeiro capitalismo americano e uma revolução contra o socialismo financiado pelo Estado. As elites guardaram o melhor do bolo e deixaram o pior para os americanos da classe média trabalhadora. […] Trump percebeu-o e o povo americano também.
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E se do livro Clinton Cash se fizera também um filme e uma série televisiva, para que os Americanos vissem os Clinton, em todo o seu deslumbramento, ambição e corrupção, a «guardarem o melhor do bolo», era porque Bannon sabia que, se não fossem eles a fazê-lo, ninguém o faria. É que para os iluminados do novo moralismo hollywoodesco, os maus da fita, os selvagens, os deploráveis, eram Trump e todos os que se opunham ao progresso do mundo global – a última utopia que subtilmente e tentacularmente esmagava tudo e todos a partir do interior, rumo a uma qualquer humanidade nova.
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E na euforia da vitória, à sugestão de um jornalista de que a história da campanha e do desfecho da campanha «tinham todos os ingredientes de um filme de Hollywood», Bannon respondera, ao estilo de Gregory Peck em Twelve O’Clock High: «Brother, Hollywood doesn’t make movies where the bad guys win!»”

a qualidade dos líderes políticos vê-se quando os tempos são difíceis !

Costa tem um duplo problema que lhe será fatal. Não só julga que é mais esperto do que é, como pensa que os outros são mais estúpidos do que são !
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“O percurso político fez de Costa um candidato natural à liderança do PS há muitos anos ?
Mas é aqui que começam as dúvidas sobre as capacidades de liderança de Costa. Em 2004, Costa gozava de um currículo político superior ao de Sócrates. Deveria ter sido ele a disputar a liderança contra Manuel Alegre. Mas não, foi Sócrates que avançou. É nestes momentos que se revela a liderança política. Os líderes, normalmente, apanham o comboio do poder à primeira; não esperam. Costa hesitou e esperou. Foi o primeiro fracasso da sua carreira política. [...]
Em 2011, voltaram as hesitações de Costa quando Sócrates abandonou a liderança do PS. Mais uma vez, Costa não avançou e esperou. Estas hesitações mostram uma das grandes lacunas de António Costa. Não goza de uma autoridade natural, indispensável à liderança política. Como se nota agora, Costa tornou-se num PM sem autoridade. Um verdadeiro líder quando fala sobre um assunto tem a última palavra e toma a decisão final. Mas Costa fala e não decide, recua e volta a falar. [...]
O anti-Passismo das esquerdas, a boleia de um Presidente da República muito popular e o crescimento económico, para o qual o governo não tem qualquer mérito, fizeram dos dois primeiros anos de Costa em São Bento um perído relativamente fácil.
Mas a qualidade dos líderes políticos vê-se quando os tempos são difíceis. [...]
O governo enfrenta dois problemas muito complicados. No essencial, o programa da geringonça está cumprido a metade do percurso. O que vão fazer nos próximos dois anos? Ninguém sabe. Nem nós, nem eles.
No fundo Costa tem um duplo problema que lhe será fatal. Não só julga que é mais esperto do que é, como pensa que os outros são mais estúpidos do que são. “

( in “Costa é mais fraco do que se julga” por João Marques de Almeida )

O Natal ficou sem Menino Jesus e tornou-se a festa do cone iluminado...

De repente no meio da rua lá está aquela tranquitana metalico-luminosa a que chamamos árvore de Natal. E foi perante aquele cone iluminado, artefacto que nos sobrou devidamente expurgado de tudo o que possa identificar aquilo que somos, o que sentimos, o donde vimos, que me dei conta de como em nome da segurança, da tolerância, da saúde e de sei lá mais o quê estamos a criar um mundo faz de conta. Um mundo em que:
A Bela Adormecida ficou sem beijo porque o príncipe foi acusado de abuso.
A Capuchinho Vermelho já não é salva pelo caçador que também deixou de caçar e o lobo ficou vegetariano.
A culpa é alegada.
A fruta não tem bicho.
A humanidade ficou sem sexos e dizem que está perder o interesse pelo sexo.
A má educação tornou-se bullying.
A manteiga ficou magra.
A mentira tornou-se inverdade.
A verdade inconveniente.
As crianças não têm tempo para não fazer nada.
As feiras não têm graça.
As gaiolas ficaram sem grilos.
As natas perderam a gordura.
Chama-se a televisão em vez da polícia.
O artesanato é certificado.
O atirei o pau ao gato ficou sem letra.
O bolo rei já não tem brinde.
O café perdeu a cafeína.
O circo ficou sem leões, depois sem elefantes e agora sem animais.
O iogurte ficou sem lactose.
O leite vem da soja e não das vacas.
O namoro ficou sem palavras por causa do assédio.
O pão não tem glúten.
Os bolos não têm farinha.
Os brinquedos ficaram sem graça mas estão cheios de didatismo.
Os doces ficaram sem açúcar.
Os filhos não têm pai nem mãe mas sim progenitores.
Os maridos e as mulheres passaram a cônjuges.
Os parques infantis ficaram sem escorregas de verdade. E alguns sem baloiços.
Os pátios das escolas já não têm árvores nem terra.
Brincar é uma actividade devidamente monitorizada.
Os filmes não contam histórias, ilustram teses.
As universidades tornaram-se uma liga de costumes.
As coisas deixaram de ser o que são para se tornarem num dado a avaliar consoante o seu enquadramento numa perspectiva condicionada por diversas valências.
Tudo é relativo.
O Natal ficou sem Menino Jesus e tornou-se a festa do cone iluminado.