O ministro das Finanças, Mário
Centeno, foi hoje eleito presidente do Eurogrupo, sucedendo no cargo ao
holandês Jeroen Dijsselbloem. Foi à segunda volta, mas desta vez o favoritismo
com que chegou a Bruxelas confirmou-se. O Observador esteve em directo e pode
recapitular todas as peripécias do dia aqui. Mas agora que conquistou o lugar, o que fará Centeno
com ele, se é que pode realmente fazer alguma coisa? Nos últimos dias as
opiniões dividiram-se, pelo que importa fazer um ponto da situação.
Antes do mais, que competências tem o
presidente do Eurogrupo? Nada como consultar o site da Comissão Europeia onde
elas vêm descritas na página sobre o Papel do presidente do Eurogrupo:
O
presidente do Eurogrupo tem as seguintes responsabilidades:
·
preside às reuniões do Eurogrupo e estabelece as ordens do
dia dessas reuniões
·
elabora o programa de trabalho a longo prazo do Eurogrupo
·
apresenta os resultados dos debates do Eurogrupo ao público
e aos ministros dos países da UE que não pertencem à área do euro
·
representa o Eurogrupo nas instâncias internacionais (por
exemplo G7, FMI)
·
informa o Parlamento Europeu das prioridades do Eurogrupo
Para uma explicação mais detalhada
pode também consultar o trabalho de Pedro Rainho Quem elege, quem manda, como funciona: 6 perguntas
e respostas sobre o Eurogrupo.
Continuando a explorar a real
importância do lugar, as notícias relativas à eleição de Centeno na imprensa
internacional não tiveram todas o mesmo tom. Enquanto o Financial Times, por exemplo, previa que o posto tivesse
importância mas previsse menos centralidade do que no passado – “Although the
Eurogroup’s crisis-fighting days are largely behind it, the centre-left Mr
Centeno faces a series of sensitive items in his in-tray, including discussions
on overhauling the governance of the single currency and tricky talks over
awarding Greece debt relief by next summer.” –, o Politico era quase gongórico,
considerando tratar-se de um “highly influential post”.
Seja lá como for, trata-se de um
lugar cuja centralidade pode mudar nos próximos tempos, sobretudo se vier a ser
criado o lugar de ministro das Finanças europeu proposto pela Comissão Europeia
e que se enquadra na “visão” recentemente apresentada pelo Presidente francês
Emmanuel Macron. É um tema que divide opiniões, mesmo entre os adeptos de uma
maior integração, e disso é bom exemplo um artigo hoje publicado no Politico
por Guntram Wolff, director do influente think tank Bruegel, que tem a sua base
em Bruxelas: Why Europe doesn’t need a finance minister. Na sua
opinião, em vez de um ministro das Finanças que fosse também vice-presidente da
Comissão, “A better option would be to reform Eurogroup, the largely informal
gathering of national ministers that coordinates the eurozone’s economic and
fiscal policy. The Commission should move to make the Eurogroup presidency a
full-time position with a clear mandate.” Mais: “A full-time president would
defend European interests in the gathering of national finance ministers. He or
she would defend joint decisions on the national level by attending national
parliamentary debates. A full-time president would also regularly report and explain
Eurogroup decisions to the European Parliament (...) thus increasing
accountability.”
Para além disso, nota Bernardo Pires
de Lima no Diário de Notícias, o cenário de uma grande reforma das instituições
pode também não ser favorável a Mário Centeno. Em O Eurogrupo. E o Mário Centeno, escreveu, referindo-se à
proposta posta a correr pela Comissão, que esta “passa por coincidir o futuro
presidente do Eurogrupo com o tal superministro das Finanças da UE, com
estatuto de vice-presidente da Comissão. Neste sentido, Centeno seria o último
líder do Eurogrupo no atual formato, o que pode indicar que os países que mais
lutarão pela superpasta tenderão a fazer do ministro português um chairman
pouco marcante, de forma a baixar as expectativas para o futuro. Ou seja,
tirando-lhe espaço de manobra.” Precisamente por estarmos neste momento de
possível reforma das instituição, também defende no mesmo texto que “O caso
muito particular do Eurogrupo pedia, por isso, uma reflexão mais profunda sobre
a sua natureza, protagonismo, preponderância, informalismo e, até, sobre a
bizarria de ser o único organismo comunitário com relevância determinante nos
destinos europeus em que o seu presidente acumula com a pasta nacional. Sobre
isto, nada vai mudar nos próximos dois anos.”
O que nos leva ao lado mais doméstico
desta nomeação. Quem tem mais a ganhar e quem tem mais a perder com ela?
As análises não coincidem, mesmo aqui
no Observador. João Marques de Almeida considera que conviver com esta nomeação
tornará mais difícil o dia a dia da geringonça. Em Depois da troika, irá o Eurogrupo chegar a Portugal? Escreveu
que “Centeno presidente do Eurogrupo irá afastar ainda mais o governo das
extremas esquerdas, como já se percebeu pelas reações iniciais do PCP e do BE.
Haverá um Centeno I e um Centeno II. O tempo irá confirmá-lo. A escolha de
Centeno será mais um prego no caixão da geringonça. Boas notícias para
Portugal.”
Já Alexandre Homem Cristo, usando até
termos parecidos, entende que é a direita quem mais tem a perder em Centeno no Eurogrupo, a direita num beco, defendendo
que “A vitória do ministro das Finanças na corrida ao Eurogrupo surge como o
prego que faltava no caixão do discurso de PSD-CDS desde que se sentaram na
oposição: aquele que defende que apenas à direita se garantem finanças em
ordem, défices controlados e contas certas”.
Celso Filipe, no Jornal de Negócios,
está mais próximo da posição de João Marques de Almeida, escrevendo em Os dois lados de Centeno que “Parece óbvio que a
circunstância de Centeno assumir a liderança do Eurogrupo aumentará a
intensidade do foco mediático sobre Portugal, colocando mais pressão sobre o
Governo, assim como poderá criar eventuais pontos de tensão no seio da
geringonça, sabendo-se que tanto o PCP como o Bloco não morrem de amores pela
Zona Euro. Antes pelo contrário.”
Há quem ache que o ministro das
Finanças não devia ocupar este cargo, caso de Sónia Sapage, no Público, que
deu Razões para (não) querermos Centeno no Eurogrupo. Por
exemplo: “Estará lá para defender os interesses de Portugal como, assumo,
sempre esteve, sem mais nem menos legitimidade. Mas como líder de um grupo que
inclui outros 18 países, terá liberdade para tomar partido? Para colocar os
interesses portugueses acima dos outros?”
E há quem ache mesmo que ter ganho
esta corrida é como ganhar um campeonato sem interesse, como argumenta Daniel
Oliveira, Expresso Diário, em Ganhámos os Jogos Sem Fronteiras! Escreve ele, para
contestar “o nosso primeiro-ministro, pronto a sacrificar a estabilidade da
maioria de que depende e os interesses do País em nome de uma boa semana na
imprensa” e que por isso “diz que Mário Centeno vai ajudar a mudar a Europa.
Não aprendemos nada com Durão Barroso? Acreditamos que o problema foi ele ou já
percebemos que ele foi o escolhido porque é mesmo assim que a União funciona:
para mandarem alguns Estados é importante que quem tem cargos de direcção não
tenha poder próprio. Nem pelo seu verdadeiro prestígio, nem pela sua capacidade
política (qual é a de Centeno, chegado a estas lides há dois anos?), nem pela
força do Estado de onde vem.”
E agora como é que Centeno chegou a
presidente do Eurogrupo? Há várias histórias para ler, talvez começando por
Pedro Rainho, no Observador, que em A Europa mudou para escolher Centeno?explica que vários
factores se conjugaram para fazer do ministro português o mais bem colocado,
desde a tradição de um acordo de cavalheiros entre as principais famílias
europeias (pelo que este lugar caberia a um socialista, e não havia muitos por
onde escolher), passando pelo princípio de que seria “difícil para um país
grande ter essa posição” até à procura de alguma estabilidade, o que afastou o
ministro italiano, pois o seu governo vai a votos daqui por uns meses. De
resto, escreve-se no mesmo texto, “Não há qualquer mudança de paradigma”, diz
fonte da Comissão Europeia ao Observador, antevendo que o ministro das Finanças
português terá de “engolir muitos sapos” quando der a cara pelas
posições conjuntas dos ministros do Eurogrupo. “Centeno vai deparar-se com
situações em que diz uma coisa em Bruxelas e outra em Lisboa”.
No Expresso deste fim-de-semana
Ricardo Costa tinha também algumas explicações para o que então era visto como
o favoritismo do nosso ministro em A aventura de Centeno e o futuro do Governo. Explicações
que passavam por um percurso académico que o incluía numa espécie de clube
restrito: “Para os corredores de Bruxelas, do BCE, das agências de rating e
afins, Mário Centeno sempre foi um dos seus. É um PhD de Harvard e os PhD de
Harvard falam todos a mesma linguagem, têm os mesmos códigos, entendem-se entre
si. Podem ter ideias diferentes, mas respeitam-se intelectualmente,
protegem-se, vão bem uns com os outros.”
Também no Expresso, mas na edição
diária de hoje, Luísa Meireles falava de Uma Lança em Bruxelas, reconstitui os passos de um caminho
de nove meses, mostrando como os astros se acabaram por alinhar, com um trunfo
de 25ª hora: o fracasso das conversações para a formação da coligação “Jamaica”
na Alemanha fez com que Merkel passasse a negociar com o socialista Martin
Schulz, e este deu uma forcinha final.
Estas manobras desagradaram aos
liberais, e ao seu candidato luxemburguês (em Charges of backroom deal wreak havoc in Eurogroup race, no
Político, podem ler-se os seus argumentos) e também não agradaram aos
representantes dos países de Leste, que querem mais protagonismo na Europa,
razão por que o socialista eslovaco Peter Kažimír acabou por insistir na sua
candidatura, valendo apena conhecer o sentido dessa candidatura em mais um
texto do Politico, Eastern Europe strikes back at EU establishment with Eurogroup
bid, onde se nota que ela ameaçou “the harmony among various political
groups in the EU just as the next round of selection for the bloc’s top jobs
gets underway.”
Por fim é bom ter noção de que a
Europa cujos líderes parecem querer tornar ainda mais integrada é uma Europa
onde a maior parte da população desconfia desse caminho, como se revela num
estudo da Chatham House baseado num inquérito a 10 mil europeus de 10 países
diferentes e que procura definir Europe’s
Political Tribes. O Politico (de novo) apresenta uma súmula desse estudo
– Study
identifies Europe’s six ‘political tribes’ – e a sua leitura devia
motivar as lideranças europeias, não só porque não devem dar apenas ouvidos aos
que falam mais alto – “‘EU rejecters’ and ‘federalists’ may be relatively small
groups, but they tend to have the loudest voices” – mas sobretudo porque “The
largest political tribe, with 36 percent of the sample, were the “hesitant
Europeans.” They are proud to belong to the EU but also concerned about issues
like immigration. When it comes to choosing between further integration and
national sovereignty, they tend to stick with the latter.” O gráfico que
reproduzo acima ilustra bem como se divide a opinião pública europeia por estas
seis “tribos políticas”.
( por José Manuel Fernandes )