A realidade tem pouco de animador. A inflação sobe impiedosamente, baixando o poder de compra das famílias. As Euribor aumentam continuamente e podem duplicar, pressionando os orçamentos familiares. Os custos energéticos crescem até se tornarem incomportáveis, o gás natural mantém-se próximo dos preços recordes e o preço do petróleo volta a subir. O Euro desvalorizou aceleradamente face ao dólar e vale agora menos do que a moeda americana. A imprevisibilidade reina no plano internacional, seja com o prolongar indefinido da guerra na Ucrânia, seja com a instabilidade nos sectores financeiros europeus (p.ex. Crédit Suisse). Ou seja, é razoável dizer-se que o horizonte anuncia tempos difíceis, marcados por elevada incerteza e cintos apertados.
A resposta política a esta realidade foi anunciada em triunfo pelo governo. Hoje, e desde os últimos dois dias, a divulgação das medidas-chave do Orçamento do Estado para 2023 (OE2023) foi preparada para soar como uma enumeração de boas notícias, sob o coro de aplausos pelo acordo com os parceiros sociais. A inflação está elevada? Sim, mas vai baixar. Há perda de poder de compra? Sim, mas o salário mínimo aumenta e os funcionários públicos têm atualizações salariais (que, nos salários mais baixos, acompanham a inflação). Quem vive dos apoios sociais terá a vida ainda mais difícil? Sim, mas a atualização do IAS chegou aos 8%, acima da inflação prevista. Os custos energéticos batem recordes? Sim, mas haverá descontos nos combustíveis e 3 mil milhões de euros destinados a reduzir as faturas da electricidade e do gás. Os juros sobem? Sim, mas os juros serão dedutíveis no IRS. Os custos com a habitação poderão tornar-se incomportáveis para muitas famílias? Sim, mas as rendas terão um tecto máximo de aumento (2%), em vez dos 5,4% previstos por via da inflação. Os pensionistas ficam a perder com as medidas do governo? Sim (por mais que o PS diga que não), mas hoje começou a ser paga a meia-pensão que lhes foi prometida.
Tradução: perante um momento de crise e elevada pressão sobre as famílias, o governo fez aquilo que faz melhor: reforçou a dependência das pessoas no Estado, protegendo os seus principais grupos eleitorais — os menos qualificados e com rendimentos mais baixos, os funcionários públicos e os pensionistas. E, no outro lado da equação, ficou muito aquém nos apoios e alívios fiscais às empresas. O enredo soa-lhe familiar? Pois — já nos anos da pandemia foi assim: carregando nos anúncios, o governo vendeu a ilusão do #vaificartudobem. Ora, não ficou tudo bem. E, por mais que agora o governo anuncie milhões para as famílias, não há futuros risonhos como a economia estagnada e as famílias dependentes do Estado. (Alexandre Homem Cristo no Observador)