Está aí o primeiro Orçamento-do-PS. Os primeiros oito (7+1, com o suplementar) foram negociados com os parceiros de geringonça e o nono (o primeiro de Medina) ainda era um orçamento foice-foi-se: foice, porque mantinha algumas propostas do PCP; e foi-se, porque na altura foi-se o Leão, o ministro, mas ficaram as ideias. Agora é diferente: é um orçamento 100% PS.
Bloco de Esquerda, PCP e derivados (o derivado comunista, o PEV; e o derivado sem lactose, o PAN) foram trocados por conversas com os parceiros sociais. Com todos excepto o ausente do costume: o derivado sindical comunista, a CGTP. O PS pode agora ser ele próprio e, nesse caso, preferiu privilegiar as negociações com patrões e com os sindicatos que aceitam sentar-se com os patrões.
Se é certo que com o Ronaldo do Eurogrupo (a.k.a. Mário Centeno) já existia o mantra das contas certas, com a maioria absoluta expressões como “devolução de rendimentos” foram trocadas por outras como “consolidação orçamental” — que Costa utilizou na primeira reação a este Orçamento e em maio, no tal primeiro de Medina.
No PS ‘geringonço’, expressões como “consolidação orçamental” eram proibidas, por soarem a FMI, troika e a Passos Coelho. O Costa candidato a primeiro-ministro dizia, na apresentação da Agenda para a Década em 2014, que a consolidação orçamental era um “instrumento” e que não era estratégica para o país.
O mundo mudou, o PS e Costa também. Com maioria, o PS de Costa prefere uma redefinição da sua identidade, como partido de centro, bom aluno europeu na sua plenitude, que conversa com as empresas e com responsabilidade orçamental. É um PS mais medinista do que pedrunonista. O novo Orçamento comprova-o. E já nem o jargão austeritário é escondido, mesmo que o PS continue a negar que há uma austeridade mais ou menos direta na vida dos portugueses por via da inflação.
Mais do que as “famílias primeiro” (que muitas vezes é mais um truque, como nas pensões), ou um grande alívio fiscal da classe média (votos só são precisos em 2024), a grande preocupação do OE é manter o rigor orçamental, a sustentabilidade da segurança social e a redução da dívida pública. É um PS que está mais confortável a sentar-se com o PSD para discutir o novo aeroporto, do que com o BE para falar sobre rendimentos. Um PS que prefere conversar com a CIP em vez de falar com o PCP. Um PS que prefere agradar à Moodys do que a um ‘Manel’, votante de classe média.
O PS já cativava, agora também consolida. É um PS que cria uma grande incompatibilidade, sem necessidade de pareceres externos: com os velhos parceiros da esquerda parlamentar. (Rui Pedro Antunes no Observador)