Como? “Anos difíceis?”
Então onde foi parar a austeridade? Continua? Ou afinal nunca existiu?
O Costa não é dado a grandes inovações retóricas e há quatro anos que lhe ouvíamos o mantra do “virar a página da austeridade”.
Fazer a agulha para “anos difíceis”, uma fórmula muitas vezes preferida pelos que tiveram de aguentar o barco quando os tempos eram mesmo tempestuosos – esses tais “anos difíceis” –, é uma inflexão que trai um estado de espírito pois a humildade não é só pose, é também alguma inquietação.
[...]
O Costa, como de resto todos nós, não acreditou que a geringonça durasse toda a legislatura. Se tivesse acreditado tinha sido mais prudente e menos inventivo nos orçamentos que fez os seus parceiros aprovar. É que se à primeira qualquer cai, à segundo só cai quem quer, à terceira quem insiste e à quarta só mesmo quem não tem alternativa – e foi isso que se passou com estes sucessivos Orçamentos do Estado que, de acordo com a avaliação do Conselho de Finanças Públicas, se revelaram documentos mais fictícios do que reais (eu chamar-lhes-ia mesmo mentirosos), já que os deputados aprovavam uma coisa no Parlamento e depois o Governo executava outra, com gigantesco sacrifício do investimento e dos serviços públicos. [...]
De mentira em mentira, o Costa e a esquerda conseguiram ganhar tempo, gerir expectativas e comprar a paz. Agora, o discurso do governo está a esgotar-se à medida que o seu escrutínio se torna possível. [...]
Por exemplo, mesmo que o Costa faça loas à devolução dos rendimentos e garanta que a economia portuguesa está a convergir com a UE, os números mostram o contrário: o poder de compra relativo dos portugueses em 2017 é inferior ao em 2016, e cada vez Portugal vai afundando mais na lista de países europeus. Isto é, o Produto Interno Bruto per capita, já ajustado do poder de compra, recuou para 76,6% da média da União Europeia em 2017. Em 2009, antes da crise, ultrapassava os 82%
.
É por isso extraordinário que um primeiro-ministro
que, há um ano, na sua mensagem de Natal, tinha prometido
“mais crescimento” (o crescimento diminuiu) e “melhor emprego”, com os
resultados que estão à vista no depauperado sector privado, venha agora dizer
que as empresas “têm de ser competitivas a recrutar e a valorizar a carreira
dos seus quadros.”
E assim regressamos ao “virar da página dos
anos difíceis”, sinal também de que se receia mesmo que outros anos difíceis
venham aí.