É possível que o Governo alegue
esquizofrenia e miopia dos mercados face a este resultado do défice, mas
porventura seria útil ao Executivo pensar em que medida é que a esquizofrenia
não está sobretudo na sua própria actuação.
Na passada sexta-feira, o INE
confirmou que o défice orçamental em 2016 foi de 2,1% do PIB.
Este resultado abre caminho para que
Portugal saia do procedimento por défice excessivo aplicado ao país desde 2009,
por ser inferior ao valor de referência de 3% previsto no Pacto de Estabilidade
e Crescimento, bem como ao valor de 2,5% definido como meta para que fosse
encerrado o processo de aplicação de sanções ao país. O valor do défice, que
tem vindo a ser antecipado nas últimas semanas, deveria ter relevância para os
agentes económicos, já que à partida sugere que Portugal está numa importante
trajectória de correcção dos seus desequilíbrios económicos e financeiros. E esta
é certamente a perspectiva com que o Governo apresenta o resultado, que apelida
de histórico e extremamente relevante para a credibilização do país e do
próprio Executivo.
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Uma forma de avaliar em que medida é
que os agentes económicos estão a interpretar este resultado como sendo
extraordinário é olhar para as taxas de juro no mercado secundário de dívida
pública nacional. Curiosamente, a resposta dos mercados é bastante
significativa, mas não no sentido esperado. De facto, as taxas de juro das
obrigações a 10 anos têm estado a subir ao longo das últimas semanas, e são
agora as mais elevadas desde março de 2014, vários meses antes da saída da
troika do país. Os títulos chegaram a ser transacionados acima de 4,2% durante
sexta-feira, o dia em que o INE publicou as contas.
É por isso claro que os mercados, ou
não compreenderam ainda estes dados, ou ignoraram os mesmos por estes não
conterem informação relevante para a avaliação do risco do país. E, embora seja
tentador considerar a primeira explicação, parece-me que a segunda é bastante
mais plausível. De facto, é importante ter presente a forma como este resultado
foi obtido, tendo sido fortemente ajudado pelo esmagamento do investimento
público, que tem custos para o nosso potencial de crescimento futuro, bem como
pelo perdão fiscal que o Governo lançou em 2016. Pouco foi feito para, de forma
estrutural, alterar a nossa capacidade de diminuir a despesa pública, o que é
consistente com o facto de a redução do défice estrutural para o ano passado
estar estimada em apenas 0,1%. Por isso, não é surpreendente que a nossa dívida
em 2016 tenha sido a maior de sempre, correspondendo a 241 mil milhões de euros
e 130,4% do PIB, em valor absoluto e como percentagem do
PIB, respectivamente. Ou seja, apesar dos valores históricos de défice, não
estamos a progredir no que constitui a nossa principal fonte de incerteza
económica: a dívida e a nossa capacidade de a pagar de forma estrutural, que
continuam historicamente preocupantes.
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Encontramos neste Governo medidas,
iniciativas e empenho, para promover a capitalização das empresas, a iniciativa
empresarial, e o empreendedorismo, que estão entre as mais significativas de
que há memória recente, e que são críticas para fortalecer a nossa
competitividade actual e futura. Mas temos também um Governo que se tem revelado
incapaz de fazer as reformas estruturais que o nosso Estado necessita,
preferindo tomar decisões e apontar medidas que oneram ainda mais o peso do
Estado, incluindo a reversão de várias medidas de contenção de custos
implementadas anteriormente É possível que o Governo alegue esquizofrenia e
miopia dos mercados face a este resultado do défice, mas porventura seria útil
ao Executivo pensar em que medida é que a esquizofrenia não está sobretudo na
sua própria actuação. (por Francisco
Veloso in “Mercados
indiferentes aos 2,1%”)