domingo, 16 de janeiro de 2011

"Como funcionário público espero ainda mais dois cortes de 10% no ordenado"

"Eu, se tivesse votado no PS, tenho dúvidas de que tivesse dado o mandato de venda do País a alguns países com que agora nós procuramos ter relações de financiamento. Não estava previsto em nenhum programa de acção eleitoral ou, mais tarde, no programa do Governo a possibilidade de empenhar a palavra política de Portugal perante a China ou qualquer outro país! (...) Não sei se faz sentido quando há, ou pode haver, uma alternativa, que é o recurso ao apoio do Fundo Europeu, ao mecanismo de estabilização financeira. Para mim, há [alternativa]! E até é mais entendível quando nós fazemos parte de uma união de países da Europa e estamos umbilicalmente ligados a essa Europa por uma moeda comum".
Houve momentos, entre 2009 até hoje, em que o Governo várias vezes tentou iludir a crise. Agora, parece empenhado, desde o último PEC negociado com o PSD, num efectivo combate à situação do País. Acredita que estamos no bom caminho com este pacote de medidas que se conhecem ou isto ainda é o começo de um percurso? Isto é um começo, claramente. Da minha parte, já estou farto de dizer aos meus colegas, como funcionário público e que felizmente, enfim, venço valores que vão ser afectados pelo corte de dez por cento, estou à espera de mais dois cortes. Se começarmos assim, se não vier mais nenhum, se só vier um, já fico feliz. Não está a fazer ironia? Está a ser realista? Está à espera de mais dois cortes? Não, estou a ser realista! Eu estou à espera, eu, pessoalmente, eu, João Duque, sou professor catedrático, tenho um vencimento que vai ser afectado à taxa de dez por cento, estou à espera de mais dois cortes até se resolver a situação do País! Até 15% ou 20%? Não! Dois cortes de 10% acima, em cima destes! E isso é sustentável socialmente? Sem pagarmos custos disto na tranquilidade que normalmente anima as ruas em Portugal? Pois, se calhar não é. As pessoas podem reclamar o que entenderem, mas não vale a pena. Nós podemos vir para a rua, mas do céu não vai cair o maná! Eu, por isso, nem venho para a rua. Vou tentar fazer outras coisas se quiser ganhar mais! E vamos pagar esse preço de reeducação das nossas despesas, das nossas receitas, durante quanto tempo? Uma década? Eu, nestas coisas, preferia que fosse mais depressa do que de forma lenta. Uma forma muito rápida de reajustamento pode ser muito dolorosa, mas dá esperança. E há uma coisa que Portugal está a perder, que é uma geração de jovens que estão a sair, muito competentes, das universidades, com 25 anos. E você não pode dizer a ninguém com 25 ou 30 anos: "Espera dez anos para que isto melhore!" E, portanto, pessoalmente, tenho 50, prefiro que o golpe seja mais duro em pouco tempo. Se calhar uma pessoa com 70 terá a ideia contrária. Mas, na sustentação do País no longo prazo, acho que é preferível fazer um corte duro, rápido, para segurar aqueles que são a energia e que são o futuro de Portugal, que não são os anciãos! São os mais jovens! Já não sou eu, é a geração que está a sair para o mercado de trabalho. Quanto mais depressa atacarmos o problema, e com rapidez... Por isso estou à espera de que nos próximos dois ou três anos me cortem 30% do salário. Não é porque ganhe muito, é porque pura e simplesmente vai ser necessário fazer cortes muito significativos na despesa pública e eu sou funcionário público. E se me disserem "olha, a alternativa a perderes 30% é a rua", eu tenho de fazer a minha opção. por JOÃO MARCELINO em Gente Que Conta com JOÃO DUQUE no DN