O poema “À Espera dos Bárbaros”, de Konstantínos Kaváfis, descreve uma cidade que suspende a vida enquanto aguarda a chegada dos invasores. Os senadores vestem as melhores togas, o imperador aguarda ansioso, os oradores preparam discursos de boas-vindas. Mas, ao cair da noite, os bárbaros não aparecem. E a cidade, sem saber o que fazer, pergunta:
        “E agora, que vai ser de nós sem os bárbaros?
        Essa gente era uma espécie de solução.”
Portugal parece hoje viver esse mesmo dilema — mas os “bárbaros” chamam-se Ventura.
Como escreve Rui Ramos, a oligarquia política precisa dele: precisa de um “inimigo” que justifique o vazio das suas ideias, a sua falta de coragem e de sentido de realidade. Ventura fala de imigração, insegurança, justiça, mérito — e os outros respondem com histeria moral e antifascismo de papelão.
A cena repete-se: Ventura lança uma provocação, e logo desfilam Marques Mendes e Gouveia e Melo em coreografias de indignação televisiva, tentando parecer os guardiões da democracia. Mas o resultado é o oposto — revelam apenas medo e ausência de proposta.
O país real já percebeu: Ventura fala dos problemas, os outros fingem que eles não existem. É por isso que ele cresce e eles encolhem. Porque o eleitor comum não vive em seminários de ética republicana nem em colunas de opinião — vive num país inseguro, caro e injusto.
E talvez um dia, quando o regime se der conta de que a sua sobrevivência depende de o ter para insultar, se ouça de novo a velha pergunta de Kaváfis, agora mais portuguesa do que nunca:
“E agora, que vai ser de nós sem os bárbaros?”
(Notas: 
Rui Ramos, “A oligarquia precisa de três Venturas?”, Observador, 31.10.2025; Konstantínos Kaváfis, “À Espera dos Bárbaros”, 1904.)
