quinta-feira, 23 de outubro de 2025

o Paulo Ferreira Descobriu a América (mas esqueceu-se de trazer o mapa)

Dizem que a ironia é a homenagem que a mediocridade presta à inteligência. E, por estes dias, o nosso “consiglieri” de estimação — Paulo Ferreira — resolveu oferecer ao país mais uma dessas homenagens, com uma prosa de salão sobre imigração, salários e a inevitabilidade do destino nacional: sermos eternamente um país barato, dependente e submisso.
Segundo o Paulo, a solução apresentada por André Ventura — pagar salários decentes e atrair de volta os nossos emigrantes — é tão simples que “até parece mentira”. Ora… exactamente. É simples porque é lógico. É lógico porque funciona. E é por funcionar que incomoda quem vive há décadas da “inevitabilidade” do salário mínimo e da “urgência” de importar mão-de-obra barata.
Como é que ninguém se lembrou disto antes?
Pergunta retórica do Paulo Ferreira, num tom que mistura sobranceria e catequese económica de almanaque. A resposta, caro Consiglieri, é simples: porque quem manda prefere manter os salários baixos e o mercado laboral submisso.
Lembrar-se até lembraram — só que não convinha. Pagar bem custa dinheiro, atrai portugueses e diminui a dependência de fluxos migratórios que, convenhamos, dão muito jeitinho a quem gosta de uma economia à base de mão-de-obra barata, sem sindicatos e sem perguntas incómodas.
A economia precisa de imigrantes
Outra pérola. Também precisa de médicos, engenheiros e professores — e, curiosamente, para esses a solução nunca é importar aos milhares e pôr-lhes uma tenda em Odemira. A economia “precisa” de imigrantes… porque os empresários habituaram-se a pagar mal e o Estado habituou-se a fechar os olhos.
Em bom português: criaram um sistema em que a imigração não é uma solução — é uma dependência. Uma dependência que permite que o preço do trabalho continue no subsolo e que os portugueses, esses ingratos, emigrem para sítios onde lhes pagam decentemente.
Mas, e os números do Banco de Portugal?
Paulo Ferreira agarra-se a números como quem se agarra a uma bóia no meio do oceano. Sim, há quase meio milhão de estrangeiros a trabalhar em Portugal. E então? Isso prova o quê? Que Portugal se tornou num mercado de trabalho de salários baixos e alojamento inexistente? Prova. Que não há alternativa? Não prova.
Aliás, há: pagando salários europeus num país europeu. Porque Portugal, ao que consta, ainda é na Europa — embora alguns comentadores pareçam sonhar com a glória tropical dos anos 70: salários de miséria, mão-de-obra importada e elites satisfeitas.
Mas, Ventura quer acabar com o RSI?
Paulo insinua. Não prova. E como todos os bons insinuadores, lança a pergunta e deixa no ar. É o truque do vendedor de meias usadas: finge que é novo, mas cheira a velho.
O ponto de Ventura é outro: se pagarmos salários dignos, se reduzirmos a cultura da dependência subsidiária e se trouxermos portugueses que querem trabalhar — temos uma base laboral própria. Isso não é populismo. Chama-se estratégia nacional.
Produtividade! Produtividade!
Ah, a palavra mágica dos economistas de bolso. Os salários são baixos porque a produtividade é baixa.” Claro, e a produtividade é baixa porque os salários são baixos — círculo perfeito para justificar o imobilismo.
Mas a realidade é mais crua: a baixa produtividade é também consequência de baixos salários que não atraem talento, nem incentivam investimento. É um país construído sobre a ideia de que “poucochinho” chega. E o Chega — perdoem-me o trocadilho — vem dizer que não chega.
Paulo Ferreira olha para a economia portuguesa como quem olha para um velho Fiat 127 enferrujado e diz: “não vale a pena pôr gasolina melhor, isto não foi feito para andar depressa.”
André Ventura, pelo contrário, diz: “vamos pôr gasolina boa, afinar o motor e voltar a correr na estrada.”
A diferença está entre quem acredita num país condenado a servir e quem acredita num país capaz de competir. 
Paulo Ferreira acha “demasiado simples” pagar bem e atrair portugueses de volta. 
Eu acho demasiado estúpido continuar a fingir que importar pobreza é estratégia de desenvolvimento.
Enquanto isso, os nossos emigrantes estão lá fora, a receber salários justos, a pagar rendas decentes e a viver com dignidade — coisas que, para os Paulos desta vida, são “inviáveis” em Portugal. Inviáveis… ou simplesmente inconvenientes.
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Quando um comentador diz que pagar bem “não é solução”, o que ele quer dizer é: “não para mim e para os meus amigos”.
Porque soluções, meu caro Consiglieri, existem — falta é vontade de as aplicar.