quarta-feira, 15 de outubro de 2025

Taylorismo, inovação e o risco do “novo” repetir o velho

A “Administração Científica” de Frederick W. Taylor (1856-1915) prometia tirar do trabalho toda a “adivinhação” através de estudo de tempos-e-movimentos, padronização de métodos e incentivos alinhados à produtividade. O seu programa assentava em quatro pilares: (1) decompor tarefas em gestos elementares; (2) cronometrá-los e eliminar variação; (3) separar planeamento (engenheiros/gestores) de execução (operários); (4) premiar o desempenho com esquemas de pagamento diferencial. O resultado pretendido: mais produção com menos custos, menos “improviso”, menos poder do ofício — e uma gestão que se afirma “científica”.
Um século depois, muitas organizações que se dizem inovadoras continuam a praticar um neo-taylorismo — agora digital, revestido de dashboards, OKR’s e IA. A linguagem mudou; a lógica, nem sempre.
O que o Taylorismo ainda acerta
Clareza de processo. Documentar, padronizar e ensinar o “melhor método conhecido” reduz desperdícios, acelera a aprendizagem e facilita a escala.
Medição disciplinada. Sem medir não há melhoria. Ciclos curtos de observação-ajuste continuam válidos, seja numa linha de montagem, seja num funil de produto.
Transferência de conhecimento. Ao explicitar práticas, o desempenho deixa de depender de “heróis” e passa a ser propriedade do sistema.
Estas intuições estão na base de abordagens modernas como Lean, DevOps ou mesmo a boa utilização de OKR’s: foco, ciclos curtos, aprendizagem cumulativa.
Onde o Taylorismo falha — e onde a “gestão inovadora” tropeça
Criatividade não é peça substituível. Em problemas não triviais, a separação rígida entre “quem pensa” e “quem executa” mata insight no ponto de contacto. Startups que centralizam decisões em comités de “planeamento” reconstroem a velha oficina taylorista em PowerPoint.
O que medes molda o que fazes. Métricas de actividade (tickets fechados, linhas de código, reuniões realizadas) produzem teatro de produtividade. Inovação exige métricas de efeito (utilização, retenção, NPS, margem unitária), não apenas de esforço.
Variação nem sempre é ruído. Em trabalho criativo, a variabilidade é fonte de descoberta. A tentação de “normalizar tudo” pode amputar a variação exploratória que gera novos produtos.
Desumanização digital. Monitorização ao segundo, scoring algorítmico e “gestão por app” (gig economy, armazéns, call centers) actualizam o pagamento à peça com um verniz de IA. Erosiona-se autonomia, alonga-se a jornada, aumenta-se burnout — e a inovação definha.
Sinais de neo-taylorismo com roupa nova
OKR’s-metralhadora: proliferação de objetivos e resultados-chave por todo o lado, todos “prioritários”, que dispersa foco e transforma a gestão de objetivos numa corrida a cumprir números.
Dashboards-religião (Painéis de controlo como religião) culto acrítico de dashboards em tempo real, sem hipóteses causais nem interpretação, confundindo velocidade de leitura com direção e entendimento.
Squads sem autonomia (Equipas “ágeis” sem autonomia): grupos com rótulo de squad que executam tarefas mas não podem decidir método, prioridades ou soluções, ficando dependentes de aprovações hierárquicas.
Incentivos que atomizam: bónus individuais em trabalhos interdependentes, gerando otimizações locais que pioram o sistema.
O que uma gestão realmente inovadora deve fazer (e que Taylor não ensinou)
Medir resultados, preservar a autonomia. Estabeleça “outcomes” claros (ex.: reduzir churn em X p.p.; aumentar margem por cliente em Y€) e dê às equipas margens para escolher métodos. Controle pelo quê, não pelo como.
Ciclos de descoberta, não só de entrega. Institua cadências de experimentação (problem discovery → protótipos → testes) com critérios de paragem. “Build-measure-learn” é anti-taylorista por natureza.
Arquitecturas que libertam. Plataformas internas, APIs bem desenhadas e “guardrails” de segurança permitem inovação local sem caos global. Padronize interfaces, não ideias.
Métricas com modelo causal. Cada KPI deve responder a uma hipótese (“se aumentarmos a activação inicial, melhora a retenção?”). Sem modelo, o número é barulho caro.
Incentivos de sistema. Bónus de equipa e métricas partilhadas (tempo-de-ciclo, qualidade percebida, margem) alinham interdependências.
Participação e voz. Quem executa detecta cedo os limites dos processos. Rotinas de “retrospectives”, sugestões com resposta e decisões reversíveis reduzem custos de erro e elevam o moral.
Ética e limites à vigilância. Transparência sobre dados de desempenho, “privacy by design” e avaliação de impacto humano evitam que a eficiência corroa confiança.
Um quadro simples para avaliar práticas “inovadoras”
Propósito: o indicador serve um resultado de cliente/negócio — ou um ritual?
Autonomia: a equipa pode ajustar o método sem pedir bênção?
Aprendizagem: há ciclos explícitos de teste e uma “biblioteca de decisões”?
Sustentabilidade humana: a prática melhora energia, foco e segurança psicológica?
Efeito no sistema: optimiza o todo, não apenas uma peça?
Se a resposta for “não” à maioria, é provável que seja taylorismo pintado de neon.
Fechamento: do cronómetro ao compasso
Taylor ajudou o mundo a perceber que processos importam e que medir é poder. Mas a inovação precisa de mais do que cronómetros: precisa de compasso orientação, autonomia e cadência de aprendizagem.
A boa gestão moderna retém a disciplina do método e abandona a ilusão de que o humano é uma extensão previsível da máquina. Em vez de impor “o melhor modo” único, cria condições para que muitos bons modos surjam, sejam testados e, quando funcionam, se tornem o novo padrão — até que um melhor apareça.

Esta será a verdadeira “administração científica” para o nosso tempo: menos culto do número, mais ciência do descobrir.