O que está a acontecer com a greve dos enfermeiros faz parte da cartilha dos governos populistas, sobretudo quando apoiados por radicais. Num primeiro momento, o discurso é dominado pela promessa. Os governantes não só prometem tudo como acusam os seus antecessores de terem sido incapazes de dialogar e descrispar (era esse o doce tempo em que, por exemplo, o primeiro-ministro se declarava “surpreendido pela polémica” em torno da aplicação das 35 horas de trabalho na função pública).
Num segundo momento passam a fazer um discurso mais cauteloso: é a fase em que, invocando o realismo, os ilusionistas da véspera começam a aludir a cálculos que ficam sempre para amanhã. (Desta passagem do ilusionismo para o realismo procrastinado é particularmente representativa a atitude Marcelo Rebelo de Sousa ao promulgar o diploma das 35 horas na função pública: “Presidente da República promulga 35 horas deixando em aberto recurso ao Tribunal Constitucional em caso de aumento real de despesa”. )
Num terceiro momento, os mesmo que gritaram e juraram pela descrispação recorrem a tudo aquilo que condenavam quando eram oposição para reprimir os que não se submetem ao seu discurso e que automaticamente caem no campo do anti-patriotismo e ligação a interesses obscuros, regra geral do sector privado, imperialismo, fascismo… ou o que estiver a dar como facto gerador de indignações fáceis. É nesse momento em que estamos relativamente à greve dos enfermeiros. Para os devidos efeitos já foi convocada essa polícia para todo o serviço dos senhores primeiros-ministros que é a ASAE. Mais se verá nos próximos dias, tudo evidentemente com a conivência e aplauso dos mesmos que andam há anos a jurar pelo sagrado direito à greve.
(in “‘Tá lá é o inimigo?“ por Helena Matos
(in “‘Tá lá é o inimigo?“ por Helena Matos