Durante a campanha eleitoral de Outubro de 2025 a expressão “Morte aos traidores” presente nos cartazes do MRPP chocou alguns ouvidos. Inquirida, a Comissão Nacional de Eleições tranquilizou o país: tratava-se de uma metáfora. Já Garcia Pereira, dirigente do MRPP, explicava, ao mesmo tempo que anunciava, a suspensão da frase “morte aos traidores” do material de campanha, que isso não isentava os traidores da morte certa.
Mas a história do MRPP ensina que este movimento fez mais que pedir metaforicamente a morte daqueles que considerava traidores. Em 1975 e 1976 o MRPP sequestrou, agrediu e torturou alguns daqueles a quem chamou traidores…
o berço vermelho da intolerância
“Morte aos Traidores!” — era palavra de ordem que ecoou nas paredes, nas ruas e nas consciências de 1975 — foi mais do que uma frase de revolução. Foi a semente de uma cultura política que, sob o pretexto da libertação, legitimou a perseguição, o ódio e a intimidação em nome da pureza ideológica.
O Observador, no artigo que agora recupera esse grito sinistro, recorda-nos que o MRPP, os “comités de vigilância”, os “tribunais populares” e outros aparelhos do PREC não foram meros folclores revolucionários. Foram instrumentos de poder e medo — e o medo é sempre o combustível do totalitarismo.
À luz dos acontecimentos de hoje, é impossível não traçar paralelos. O moralismo da Esquerda contemporânea, travestido de “progressismo democrático”, mantém intacta a lógica inquisitorial: quem discorda é “fascista”, quem duvida é “negacionista”, quem resiste é “traidor”.
Mudou-se a semântica; manteve-se o instinto.
A cultura do “traidor” é a antítese da democracia. A Revolução Francesa teve o seu Comité de Salvação Pública; o PREC teve o seu MRPP e os seus fuzilamentos simbólicos. Hoje, a Europa tem as suas comissões de “verificação de desinformação”, onde se decide quem pode falar e quem deve ser silenciado — sempre, claro está, a bem da democracia.
A mesma pulsão de censura que animava os panfletos de 1975 ressurge agora nas salas de Bruxelas e nas redações alinhadas. A diferença é que já não se grita “Morte aos traidores!”, mas murmura-se, com a mesma ferocidade moral: “Cala-te, extremista!”.
Os métodos são outros; a essência é idêntica.
O artigo recorda ainda como, entre 1974 e 1976, a violência política em Portugal foi real — espancamentos, prisões arbitrárias, demissões sumárias. Tudo em nome da revolução e do “povo”. A história não é uma metáfora: é uma advertência.
Quando hoje se invocam “valores europeus” para silenciar opiniões, o espectro do PREC sorri. É o sorriso do intolerante que se julga virtuoso, o sorriso dos “bons” que perseguem “maus” com a serenidade dos inquisidores.
É por isso que o artigo do Observador é importante: porque recorda. E recordar é um acto político — sobretudo quando o esquecimento é conveniente.
Quem chama “traidor” a quem pensa diferente não defende a democracia; destrói-a.
Notas:
[1] Observador, “Morte aos traidores! Uma palavra de ordem levada muito a sério”, Outubro de 2025.
[2] Cf. Jaime Nogueira Pinto, Portugal, Os Anos do Fim, Dom Quixote, 2014.
[3] Ver também as actas do COPCON (Arquivo Histórico Militar) e os testemunhos de oficiais moderados do MFA.
[4] Sobre a genealogia da intolerância revolucionária, cf. François Furet, O Passado de uma Ilusão (Dom Quixote, 1996).
