Se há figura que ainda hoje obriga a uma reflexão sobre a nossa memória é o Infante D. Pedro (1392-1449), filho de D. João I e D. Filipa de Lencastre, pelo contributo que deu ao advogar a necessidade de reflexão e ação planeada para responder aos desafios do tempo. Entre 1425 e 1428 viajou na Europa, pelos grandes centros – Londres, Bruges, Veneza, Roma, Alemanha, Hungria e Espanha. O contacto internacional permitiu-lhe dispor de informação atualizada, designadamente em relação às relações económicas com a Flandres. Comparando a experiência portuguesa e os dados de fora, escreveu ao irmão D. Duarte, futuro monarca, uma importante carta – a carta de Bruges (1426) – em que aponta um conjunto essencial de reformas. Em Veneza, o mais importante centro económico do século XV, visitou arsenais, recolheu informes sobre o comércio oriental, adquiriu o livro de Marco Pólo, com notícias da Rota da Seda, da China, das Índias e das suas riquezas, e, tudo leva a crer, também um mapa com o traçado das principais rotas comerciais com o Oriente.
A Carta de Bruges é notável pelo sentido modernizador e pela atitude reformista, aconselhando a presença de representantes dos três estados (clero, nobreza e povo) no Conselho e Tribunal reais: «Senhor, bem sabeis quanto presta o bom conselho que é tido e ouvido em boa ordenança; por isso me parece, Senhor, que todos vossos feitos assim… deviam ser determinados; e assim, Senhor, neste Conselho como na vossa Relação, me parece que deveis ter homens de todos os estados da vossa terra, assim cleresia, como de fidalgos e do povo, para vos aconselharem que não ordenásseis coisa contra seus proveitos nem em quebranto de seus bons privilégios.». Importaria ainda reformar a Universidade, como meio para garantir uma melhor qualidade dos quadros eclesiásticos e administrativos: «que na dita universidade houvesse dez ou mais colégios em que fossem mantidos escolares pobres; e outros ricos vivessem dentro com eles às suas próprias despesas (…) e se ordenassem estes colégios por maneira dos de Uxónia (Oxford) e Paris, e assim cresceriam os letrados e as ciências, e os senhores achariam de onde tomassem capelães honestos e entendidos… e além disto se seguiria que Vós acharíeis letrados para oficiais de Justiça; e quando alguns vos desprouvessem teríeis donde tomar outros e eles, temendo-se do que poderia acontecer, serviriam melhor e com mais diligência (…)»
“Parece-me, Senhor, que a justiça tem duas partes. Uma é dar a cada um o que é seu. A outra é dar-lho sem delonga. E ainda que eu cuido que ambas em vossa terra igualmente falecem, da derradeira sou bem certo e esta faz tão grande dano em vossa terra que, em muitos feitos, aqueles que tarde vencem ficam vencidos”.
A Carta é um repositório de conselhos e constitui um verdadeiro “programa de ação”. E tem sido muito lembrada como sinal de exigência de ligar “fixação” e “transporte”, ou seja, de criar condições para produzir riqueza em ligação com o desenvolvimento do trato comercial. E a mesma preocupação se encontra no tocante à aplicação dos meios disponíveis: “bem creio, Senhor, que seis que tivessem vontade de desembargar e fossem diligentes em seu ofício fariam mais que cinquenta que tal vontade não têm”.
Quanto aos gastos dos senhores da terra, estes fazem “tão grandes despesas que a terra o não pode suportar; e por isto se lançam preitas e outras imposições per que ela é muito gastada”. E ainda por cima, “a terra e todolos fidalgos dela” eram mal servidos, porque prevalecia a ociosidade e “nenhum se contenta de aprender o ofício que seu padre havia, nem servir outros senhores senão lançarem-se à corte em esperança de serem escudeiros del-rei, ou vossos ou de cada um de vossos irmãos”.
