Ao revisitar o texto de José Ribeiro de Castro, Presidente da Sociedade Histórica da Independência de Portugal, publicado no Observador, com o título «A comunicação social, as redes sociais e o 25 de Novembro», encontramos uma reflexão tocante e essencial para o presente: a crítica a uma comunicação social que não apenas ignora, como procura encobrir a data emblemática do 25 de Novembro de 1975 — o dia em que a tentativa de sovietização estalinista do PREC foi travada e a democracia liberal em Portugal ganhou novo fôlego.
O papel das redes sociais e o colapso da pluralidade mediática
Como o autor assinala, existe hoje um contraste retórico intenso: a comunicação social (CS) proclama-se porta-voz da “verdade”, enquanto as redes sociais seriam o território da “desinformação”. No entanto, na prática, os factos demonstram o contrário: a CS apresenta zonas negras de silêncio ou de agenda oculta, ao passo que as redes sociais permitem que vozes dissidentes, não cumpliciais, possam comunicar livremente e exercer cidadania.
Na ausência de pluralidade real — e o autor denuncia que, em Portugal, a “pluralidade” é muitas vezes aparente, limitada à opinião, mas não à informação, com todos os órgãos a convergir para os mesmos temas e visões — a CS acaba por funcionar como um oligopólio da agenda: quem foge à narrativa dominante não é publicado, não tem espaço.
Foi precisamente esse fenómeno que testemunhou o ciclo promovido pela Sociedade Histórica, intitulado “50 anos do 25 de Novembro”, que percorreu os “desvios, confrontos, percalços da Revolução e o triunfo da Democracia”.
Apesar de se terem colocado à disposição dos média comunicações prévias — sinopses, convites, notas de imprensa — nenhum órgão de comunicação social compareceu em qualquer das sessões, com exceção da Rádio Renascença na primeira. Este silêncio mediático não é inocente: comunica-se uma mensagem poderosa — a de que o 25 de Novembro e tudo o que lhe antecedeu (o Verão Quente, as prisões políticas, a luta pela Constituição, a tentativa de imposição revolucionária) não merecem tratamento sério ou pluralista. É como se fosse preferível ignorar, encobrir ou suavizar o significado histórico da data.
O 25 de Novembro como reparação democrática
O 25 de Novembro de 1975 não foi um mero “acontecimento de transição”: foi, de facto, o momento em que a democracia liberal portuguesa se afirmava, rejeitando a metamorfose do país numa réplica do bloco soviético. Foi a travagem de um projecto de poder que pretendia suprimir os partidos, as liberdades, a pluralidade e a propriedade privada, em benefício da ditadura proletária. O fim do ciclo do PREC (Processo Revolucionário em Curso) é ainda hoje mal compreendido ou deliberadamente minimizado.
O autor recorda: “as centenas de prisões políticas, o país dividido, a violência contra sedes partidárias, o contar das espingardas, o desastre a anunciar-se.”
Ao reconhecer plenamente o valor do 25 de Novembro como momento de retorno à democracia — e não como traço de continuidade ou banalização do PREC — estamos a honrar a liberdade e a responsabilidade histórica. Mas para isso é necessária uma comunicação social que deixe de se comportar como “guardião oligárquico da agenda” e volte a exercer o seu papel público com coragem.
A abordagem do autor é clara e implacável: se a comunicação social tivesse exercido o seu papel — cobertura plural, respeito pela liberdade de expressão, abertura ao contraditório — a dependência das redes sociais como espaço de liberdade não teria crescido tanto. Mas hoje, em Portugal, para além dos casos de auto-censura ou de hegemonia dos grandes grupos mediáticos, há também uma construção de silêncio — uma escolha editorial de “não dar palco” ao que incomoda ou desagrada à agenda dominante. Quando uma entidade organiza um ciclo público sobre temas nucleares da democracia portuguesa e a esmagadora maioria dos órgãos manda dar “não disponibilizado”, é sinal de que algo muito grave se passa.
Este silêncio ou branquear serve interesses: o interesse de menos-democracia, de menos-pluralidade, de menos contestação, de menos verdade. Serve o interesse de um “consenso” moldado, de uma narrativa que não deixa ver as fracturas que alimentaram e definiram a transição portuguesa.
A comunicação social que se comporta assim — não como quarto poder, mas como quinto poder, poder da omissão — falha ao país. Falha à cidadania. E, acima de tudo, falha à memória democrática.
O texto sustenta que, “se não fossem as redes sociais, estaríamos asfixiados pelo cerco; […] as redes são a nossa liberdade.” E identifica-as como “o nosso 25 de Novembro contemporâneo”.
Claro que não é o ideal: as redes sociais precisam de regulação, de responsabilidade, de temperança. O autor admite-o. Mas elas proporcionam algo inédito: comunicação directa, horizontal, sem filtro oligárquico e sem agenda editorial artificial. E esse “algo” está a mudar a sociedade, porque permite ao cidadão comum exercer voz própria — frente àquilo que a comunicação social tradicional já não garante.
Se queremos uma democracia viva, exige-se que tanto os média como as redes cumpram o seu papel: os média assegurem pluralidade e escrutínio real; as redes permitam voz, reacção e mobilização. E o 25 de Novembro — momento decisivo da história portuguesa — exige que ambos olhem de frente para ele, convoquem os factos, não maquilhem, não fujam, não se calem.
A data de 25 de Novembro de 1975 simboliza o triunfo da liberdade sobre a tentativa de imposição de um regime revolucionário totalitário. A comunicação social que ignora ou suaviza este facto está a negar-se a si própria, à função de mediação democrática, à história e ao presente.
Este artigo de reflexão — inspirado no trabalho de José Ribeiro e Castro no “Observador” — é um alerta: para que haja verdadeira democracia, há que haver verdadeira cobertura mediática. Não basta o espetáculo, o “fecho de edição”, o consenso confortável. É preciso lembrar, debater, confrontar.
E nós, como leitores, cidadãos, pesquisadores, temos o dever de apontar o dedo ao silêncio e à omissão — porque onde há silêncio e omissão, cresce o autoritarismo e perde-se a liberdade.