quinta-feira, 6 de novembro de 2025

De Nova Iorque ao Entroncamento — o novo provincianismo global

Os mídia portugueses, sempre atentos à pulsação moral do planeta, sabem quem é Zohran Mamdani. Sabem que é jovem, democrata, muçulmano, imigrante e ocultam que é de extrema esquerda populista — combinação química perfeita para a beatificação instantânea. Sabem, também, que prometeu “fazer a vida negra aos ricos”, o que basta para acender nas redacções uma aura de entusiasmo religioso. Mas não sabem — nem querem saber — quem é o Nelson Cunha, 35 anos, sociólogo, emigrante no RU, natural do Entroncamento. Não lhes interessa. É demasiado perto para ser exótico e demasiado real para ser inspirador.
O jornalismo contemporâneo deixou de ser curiosidade pelo mundo e passou a ser catecismo da tribo. Já não informa: canoniza. A cada novo “Zohran”, o coro mediático ajoelha-se perante o altar da diversidade e da esperança importada, enquanto o país real se dissolve em silêncio.

Lisboa, que há muito trocou a alma pelo reflexo cosmopolita, olha o resto do país com a mesma comiseração com que Nova Iorque olha o Midwest americano: “gente atrasada”, “provincianos”, “populistas”. E assim se constrói o novo provincianismo — o provincianismo global — onde a elite local se julga internacional por repetir slogans alheios.

Há uns anos escrevi no ReVisões que a nova fronteira não é entre esquerda e direita, mas entre os que vivem da realidade e os que vivem da narrativa. Essa fronteira alarga-se. No país real — aquele onde os serviços públicos colapsam, onde as escolas fecham, onde a insegurança cresce — ninguém precisa de “heróis democratas nova-iorquinos”; precisa de médicos, de polícia, de justiça.

Os mesmos que choram por Gaza não sabem onde fica Aljustrel; os que citam AOC e Mamdani nunca ouviram falar de quem gere o Entroncamento. E, contudo, acreditam ser moralmente superiores — porque leram um tweet em inglês e partilharam um vídeo com legendas inspiradoras.
É esta a doença moral do nosso tempo: a substituição da realidade pela emoção mediada. E o jornalismo, que deveria ser o antídoto, tornou-se cúmplice.

Zohran Mamdani, de longe, é símbolo do bem; Nelson Cunha, de perto, é incógnita. Entre um e outro mede-se a falência das democracias maduras — cada vez mais desligadas do território, do povo e da verdade concreta da vida.
O pior talvez ainda esteja para vir. Porque quando uma civilização começa a importar as suas esperanças e a exportar os seus problemas, o colapso já começou — apenas ainda não chegou às redacções.