quinta-feira, 1 de março de 2007

...os Americanos são de Marte e os Europeus são de Vénus ?



EUROPA versus ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA

Introdução
As perspectivas norte-americanas e europeias estão a tomar direcções divergentes na importantíssima questão do poder – isto é, a eficácia, moralidade e a Finalidade estratégica do poder -.
A Europa está a distanciar-se do poder, a deslocar-se para além, dele na direcção de um mundo de leis, regras, negociação e cooperação supranacional. Está a entrar num tempo, pós- histórico, de paz e relativa prosperidade ou, nas palavras de Kant, da realização da “paz per­pétua”. Por outro lado, os Estados Unidos permanecem encerrados na História, exercendo o poder num mundo hobbesiano anárquico onde as leis e regras internacionais não lhes inspiram confiança, e onde, a verdadeira segurança, defesa e promoção da ordem democrática dependem ainda da posse e utiliza­ção de poderio militar.
Parafraseando John Gray, no que toca às principais questões estratégicas e internacionais, os Norte-Americanos são de Marte e os Europeus são de Vénus, ou seja, estão de acordo relativamente a pouca coisa e compreendem­-se cada vez menos.
Ora, este estado de coisas não é transitório, não é produto de uma qualquer eleição norte-americana – Bush ou outro - nem de um qualquer acon­tecimento catastrófico – 11 de Setembro incluído.
As razões do fosso transatlântico são profundas, de desenvolvimento prolongado e, muito provavelmente, irresolúveis.

Quando o que está em causa é o estabelecimento de prioridades nacionais, a identificação de ameaças, a defini­ção de desafios, a concepção e implementação de políticas externas e de defesa, os Estados Unidos e a Europa não se­guem na mesma direcção.

É mais fácil ver o contraste quando se é um americano, ou de cultura americana, a viver na Europa. Os europeus têm uma maior consciência das divergências crescentes, talvez por as temerem mais. Entre os intelectuais europeus e os opinion makers dos dois continentes, verifica-se uma quase unanimidade quanto à convicção de que os norte-americanos e os europeus já não possuem uma Cultura Estratégica comum. No seu extremo, os caricaturistas europeus representam uma América dominada por uma “cultura de morte”, onde o temperamento marcial não é senão um produto natural, consequência de uma sociedade violenta, todos possuem uma arma e reina a pena de morte, apesar dos que não estabelecem esta ligação primária estarem de acordo quanto à existência de profundas diferenças na forma como os Estados Unidos e a Europa conduzem as respectivas Políticas Externas. Os Estados Unidos, afirmam, recorrem à força mais rapidamente, e em comparação com a Europa, são menos pa­cientes no que concerne a diplomacia.



INADEQUADOS e AMIGOS?
De um modo geral, os norte-americanos vêem o mundo dividido entre bons e maus, entre amigos e inimigos, enquanto os europeus assumem um quadro mais complexo. Quando em confronto com adversários reais ou potenciais, os EUA favorecem políticas de coacção em detrimento de políticas de persuasão, preferindo sanções punitivas a instigações no sentido de me­lhorar o comportamento. Os americanos tendem a procurar um fim definitivo nos Assuntos Internacionais: querem os problemas resolvidos, as ameaças eliminadas. E, claro está, os americanos inclinam-se cada vez mais para a unilateralidade, nas questões internacionais. Sentem-se menos predispostos a agir no âmbito de instituições internacio­nais como as Nações Unidas, de que desconfiam e são menos susceptíveis de trabalhar em cooperação com outros países para alcançar objectivos comuns. Mostram maior cepticismo relativamente ao direito internacional, revelam também uma maior disposição para operar fora do seu âmbito territorial quando o consideram necessário ou mesmo mera­mente útil. Um observador representativo, francês, faz referência a “uma mentalidade norte-americana” que “tende a colocar a tónica nas soluções militares, técnicas e unilaterais para os problemas internacionais, possivelmente em detrimento de soluções cooperativas e políticas”. Gilles Andreani, The Disarray of U.S. Non-Proliferation Policy,Survival p 41, Inverno de 1999-2000, pp. 42-61.

Os europeus insistem no facto de olharem os proble­mas com uma maior diferenciação e sofisticação. Tentam in­fluenciar indirectamente através da subtileza, são mais tolerantes em relação aos fracassos e mais pacientes quando as soluções não surgem de imediato. De um modo geral, favorecem soluções pacíficas para as questões, pre­ferindo a negociação, a diplomacia e a persuasão à coacção. São mais rápidos a fazer apelo ao direito internacional, às convenções internacionais e à opinião pública internacional na resolução de disputas. Tentam utilizar os laços comerciais e económicos como forma de unir as nações. Colocam frequen­temente a tónica no processo, em detrimento do resultado, acre­ditando que, em última análise, o processo poderá acabar por se transformar em substância.

Este retrato europeu é obviamente uma dupla caricatura, com a sua dose de exagero e simplificação excessiva. Não se pode generalizar, falando-se dos europeus, tanto mais que os britânicos po­dem ter uma visão mais “americana” do poder do que muitos europeus continentais. Na verdade, a memória do império, a “relação especial” com os Estados Unidos, criada durante a Segunda Guerra Mundial e durante a Guerra Fria e uma posição historicamente distanciada no que diz respeito ao resto da Europa, tendem a distinguir os britânicos dos demais euro­peus.
O caso da Bósnia, no início da década de 90, destaca-se como uma situação na qual alguns europeus - principalmente o primeiro-ministro britâ­nico, Tony Blair (Blair foi um dos primeiros defensores da utilização da Força Aérea e mesmo de tropas terrestres na crise do Kosovo) - foram, por vezes, mais veementes na defesa de uma acção militar do que a administração norte-americana (primeiro a de George Bush e depois a de Clinton). Os europeus tiveram forças terrestres na Bósnia quando os Estados Unidos não as queriam, embora numa missão de manutenção da paz no âmbito das Nações Unidas, que se revelou ineficaz ao primeiro embate.

PORQUE DIVERGEM AS ESTRATÉGIAS?
Seria interessante saber passados estes anos, os Órgãos Representativos Europeus teriam ordenado o bombar­deamento de Belgrado, sem a pressão exercida pelos Estados Unidos nesse sentido. Em contrapartida, em Outubro de 2002, uma maioria de Democratas no Senado apoiou a resolução que autorizava o Presidente Bush a entrar em guerra com o Iraque, enquanto os seus homólogos em França, na Alemanha, na Itália, na Bélgica – e mesmo no Reino Unido – assistiam, com espanto e algum horror, ao desenrolar dos acontecimentos.

O que é que está na origem destas perspectivas estratégicas diver­gentes?
Ao contrário do que crêem muitos europeus e alguns norte­-americanos, estas diferenças relativas à cultura estratégica não advêm naturalmente das características nacionais dos america­nos e dos europeus. Mas, nos anos recentes, a resposta a esta questão não tem sido alvo de muita atenção. Se os intelectuais da política externa e os decisores políticos de ambos os lados do Atlântico, sempre negaram a existência de diferenças genuínas, ou procuraram diminuir a importância dos desacordos em presença, salientando que a Aliança Transatlân­tica já conhecera momentos de tensão no passado. Todavia, aqueles que levaram mais a sério as divergências, especialmente os da Europa, mostraram-se mais interessados em atacar os Estados Unidos do que em compreender as razões que levavam os americanos a agir dessa forma ou, porque não, as razões que levavam a Europa a agir dessa forma!

É verdade que a Europa está em declínio há já algum tempo, enquanto potência militar mundial. O golpe mais danoso, tanto para o poder como para a confiança europeia, foi desferido há quase um século, com a guerra mundial que eclodiu em 1914. Esse conflito horrendo devastou três das cinco potências euro­peias - Alemanha, Áustria-Hungria e Rússia - que tinham constituído os pilares do equilíbrio continental do poder desde 1871. Prejudicou as economias europeias, submetendo-as a uma dependência dos banqueiros americanos, que se arrastou durante décadas. Mas, mais importante que tudo o resto, a guerra destruiu a vontade e o espírito da Grã-Bretanha e da França, pelo menos até os britânicos se reunirem de novo em torno de Churchill, em 1939, quando era já demasiado tarde para evitar nova guerra mundial. Na década de 20, a Grã­-Bretanha, recebia o choque da chacina de toda uma geração de jovens em Passchendaele e outros campos de morte. O governo britânico iniciou no final da guerra a rápida des­mobilização do seu exército. A França, assustada, lutara por manter uma força militar adequada à dissuasão do que consi­derava ser o regresso inevitável do poderio e do revanchismo alemães. No início dos anos 20, a França procurou desespe­radamente a celebração de uma aliança com a Grã-Bretanha, mas a garantia anglo-americana de defesa da França estipulada no Tratado de Versalhes, esfumou-se no ar quando o Senado norte-americano se recusou a ratificá-la. Entretanto, os britânicos traumatizados, tendo-se convencido de algum modo, contra tudo o que seria de esperar que era a França, e não a Alemanha, a representar a maior ameaça à paz europeia, continuaram a insistir - ainda em 1934 - no sen­tido do desarmamento da França até aos níveis da Alemanha. A voz de Winston Churchill era solitária na sua advertência para o «terrível perigo» de «exigir perpetuamente aos franceses que se enfraqueçam» Winston Churchill, The Gathering Storm, Boston;1948, p. 94..


UM SISTEMA EUROPEU ANTI-CONFLITO
O período entre as guerras, testemunhou a primeira tentativa europeia no sentido de ultrapassar a política de poder e de transformar a fraqueza em virtude. Ao invés de dependerem do poder, como tinham feito anteriormente, os vencedores euro­peus da Primeira Guerra Mundial manifestaram a sua fé na «segurança colectiva» e na sua concretização institucional, a Sociedade das Nações. Um dos principais estadistas da Sociedade afirmou: “O nosso objectivo foi tornar a guerra impos­sível, matá-la, aniquilá-la e para fazer isto, tivemos de criar um sistema.” Edward Benes citado em E. H. Carr, The Twenty Years' Crisis, 1919-1939, Londres, 1948, p. 30.

Mas o «sistema» não resultou, em parte porque os seus principais membros não tinham nem o poder nem a von­tade política para tal. Ironicamente, a força intelectual motriz que se encontra por detrás deste esforço de resolução da crise europeia de segurança, através da criação de uma instituição legal supranacional, pertence a um presidente americano: Woodrow Wil­son.


O INICIO DO “CONFLITO”
Mas as circunstâncias da Guerra Fria criaram uma tensão porventura inevitável entre os interesses norte-americanos e europeus. Os americanos preferiam, em termos gerais, a exis­tência de uma capacidade militar europeia efectiva - sob o controlo da OTAN, claro está - que detivesse o avanço dos exércitos soviéticos no solo europeu sem o desencadeamento de uma guerra nuclear e em cuja acção o grosso das baixas fosse registado pelos europeus, e não pelos americanos. Não surpreendentemente, muitos europeus tinham uma perspectiva diversa quanto à forma desejável de intimidação. Satisfaziam­-se em confiar na protecção oferecida pela cobertura nuclear norte-americana, esperando que a segurança europeia fosse preservada pelo equilíbrio de terror americano-soviético e a doutrina de destruição mutuamente garantida. Fosse como fosse, nos primeiros anos da Guerra Fria as economias europeias estavam demasiado enfraquecidas para conseguir reunir sufi­ciente capacidade militar para a sua defesa.

A ideia persistiu até à década de 90. Os conflitos balcânicos dessa década obrigaram os Estados Unidos a considerar a Europa como prioridade estratégica. A aliança da OTAN pare­cia ter encontrado uma nova missão, Pós-Guerra Fria, de levar a paz àquela região do continente ainda dada a conflitos étni­cos violentos os quais, numa escala menor, não pareciam muito diferentes dos grandes conflitos da primeira metade do século XX. O alargamento da aliança da OTAN por forma a incluir antigos membros do bloco soviético - a confirmação da vitória da Guerra Fria e a criação de uma Europa «una e livre» - constituiu outro projecto grandioso do Ocidente que manteve a Europa no primeiro plano do pensamento político e estratégico norte-americano.
E havia a promessa anterior da Nova Europa: ao unir o continente numa única unidade política e económica - o feito histórico de Maastricht, em 1992 -, muitos esperavam recu­perar a antiga grandeza da Europa sob uma nova forma polí­tica. A Europa seria a próxima superpotência, não apenas económica e politicamente, mas também militarmente. Seria ela a resolver as crises no continente europeu, como os con­flitos étnicos nos Balcãs, e surgiria como agente mundial de importância primordial. Nos anos 90, os europeus podiam ainda afirmar com confiança que o poder de uma Europa unificada reconstituiria, finalmente, a multipolaridade mundial que havia sido destruída pela Guerra Fria e suas consequên­cias. E, com emoções contraditórias, a maior parte dos ameri­canos acreditava que a superpotência Europa era o futuro. S.P.Huntington, da Universidade de Harvard, conside­rou que a coalescência da União Europeia se constituiria como «acção mais importante» numa reacção mundial à hegemonia americana, produzindo um século XXI «verdadeiramente mul­tipolar.» Samuel P. Huntington, «The Lone1y Superpower», Foreign Affairs 78, Março/Abril de 1999, pp. 35-49.

Se a Europa tivesse correspondido a esta expectativa durante a década de 90, o mundo seria actualmente muito diferente. Os Estados Unidos e a Europa poderiam estar agora a negociar as novas condições de uma relação baseada numa igualdade apro­ximada de poder, em vez de se debaterem com a sua enorme disparidade. É possível que o produto desse ajustamento mútuo tivesse sido benéfico para ambos os lados, assumindo a Europa alguns dos encargos da segurança global e dispensando os Estados Unidos maior atenção aos interesses e aspirações euro­peus ao formular a sua própria política externa.
Mas a «nova» Europa não correspondeu a esta expectativa. Nos domínios económico e político, a União Europeia operou milagres. Apesar das esperanças e dos receios manifestados pelos cépticos de ambos os lados do Atlântico, a Europa hon­rou a promessa de unidade. E a Europa unida surgiu como potência económica de grande importância, capaz de ombrear com os Estados Unidos e as economias asiáticas e de negociar matérias relativas ao comércio e às finanças internacionais de igual para igual. Se a Guerra Fria tivesse dado lugar a uma era na qual o poder económico importasse mais do que o poder militar - como muitas pessoas, tanto na Europa como nos Estados Unidos, pensaram que sucederia -, a União Europeia teria ficado efectivamente em posição de determinar a ordem mundial com tanta influência como os Estados Unidos. Mas o final da Guerra Fria não diminuiu a importância do poder militar e os europeus descobriram que o poder económico não se traduz necessariamente em poder estratégico e geopolítico. Os Estados Unidos, ao permanecerem um gigante tanto económico como militar, ultrapassam de longe a Europa em termos do poder total de que podem fazer uso na cena internacional.

Na verdade, os anos 90 testemunharam, não o aparecimento de uma superpotência europeia, mas o declínio ainda mais acen­tuado da Europa no que diz respeito à sua relativa fraqueza militar, em comparação com os Estados Unidos. O conflito nos Balcãs, no início da década, deixou a nu a incapacidade militar e a desunião política europeias; o conflito do Kosovo, no final da década, expôs um fosso transatlântico em termos de tecnolo­gia militar e capacidade de levar a cabo uma guerra moderna que não cessaria de aumentar, nos anos subsequentes. No exte­rior da Europa, no final dessa década, a disparidade tornou-se ainda mais gritantemente evidente, quando ao tornar-se claro que a capacidade e vontade das potências europeias, individual ou colectivamente, de enviar meios decisivos para regiões em conflito fora da área do continente eram praticamente nulas. Os europeus conseguiram fornecer meios de manutenção de paz nos Balcãs - efectivamente, acabaram por ser eles a for­necer o grosso dos contingentes presentes na Bósnia, no Kosovo e na Macedónia - e mesmo no Afeganistão e talvez, um dia, no Iraque. Mas não possuem recursos para introduzir e manter uma força de combate em território potencialmente hostil, mesmo na Europa. Na melhor das hipóteses, o papel europeu limita-se ao fornecimento de forças de manutenção de paz, após os Estados Unidos terem, praticamente sozinhos, realizado as fases decisivas de uma operação militar e estabilizado a situação. Como afirmaram alguns europeus, a verdadeira divi­são de tarefas processa-se do seguinte modo: os Estados Uni­dos «fazem o jantar» e os europeus «lavam a louça».

A maior propensão norte-americana para a utilização da força militar nem sempre significou uma maior disposição para acei­tar baixas. A disparidade em capacidade militar não teve nada a ver com a coragem relativa dos soldados norte-americanos e europeus. A haver alguma diferença, pode dizer-se que os governos francês, britânico e mesmo alemão mostraram por vezes menor relutância em colocar as suas tropas em risco do que os presidentes norte-americanos. No decurso da crise dos Balcãs, em meados da década de 90, e, mais tarde, no Kosovo, o primeiro-ministro britânico, Tony Blair, manifestou maior prontidão em colocar forças no terreno contra a Sérvia do que o Presidente Bill Clinton. Todavia, sob determinados aspectos, esta disparidade também funcionou contra os europeus.

Os norte-americanos e os europeus que propuseram, após a Guerra Fria, o alargamento do papel estratégico da Europa para lá das fronteiras do continente estavam a sugerir, na prática, a realização de uma mudança revolucionária na estratégia e capacidade europeias. Era irrealista esperar que os europeus readquirissem o seu estatuto internacional de grande potência como a que tinham gozado antes da Segunda Guerra Mundial - sem os povos europeus se mostrarem dispostos a deslocar recursos significativos dos programas sociais para os progra­mas militares e a restruturar e modernizar os seus exércitos, substituindo forças pensadas para a defesa territorial passiva por forças susceptíveis de serem enviadas e mantidas longe do respectivo país.
Os eleitores europeus mostraram claramente que não estavam dispostos a apoiar tal alteração de prioridades. Não só não pretendiam financiar o envio de forças militares para fora do continente europeu como, após a Guerra Fria, não se mostraram dispostos a financiar a capacidade militar suficiente para conduzir acções militares, por menores que fossem, no seu próprio continente, sem o auxílio dos Estados Unidos. E tam­bém pareceu ser indiferente o facto de se pedir aos europeus para gastarem dinheiro no reforço da OTAN ou numa política europeia externa e de defesa independente: a resposta foi a mesma. Ao invés de encarar o colapso da União Soviética como uma oportunidade para expandir o alcance estratégico europeu, os europeus consideraram-no uma oportunidade para tirar vantagem de um considerável dividendo de paz. Para a Europa, a queda da União Soviética não eliminou apenas um «adversário estratégico» num certo sentido, destruiu a necessi­dade da geopolítica. Muitos europeus consideraram o fim da Guerra Fria como umas férias, no que diz respeito à estratégia.

Como é que a esta grande e crescente desproporção em termos de poder não correspondeu um fosso crescente no que concerne às percepções estratégicas e à cultura estratégica?
As potências fortes vêem certamente o mundo de forma di­versa das potências mais fracas. Avaliam as oportunidades e as ameaças de modo diverso, definem a segurança de modo diferente e possuem diferentes níveis de tolerância relativamente à insegurança.
Aquelas que detêm um maior poderio militar considerarão mais provavelmente a força como instru­mento útil nas relações internacionais. As potências mais for­tes podem, na verdade, basear-se mais na força do que deve­riam. Um crítico britânico da propensão norte-americana para a acção militar recorda o velho ditado: «Quando temos um martelo. os problemas começam todos a assemelhar-se a pregos.» Isto é verdade. Mas as nações que não possuem um grande poder militar correm o perigo oposto: quando não se tem um martelo, prefere-se que nada se assemelhe a pregos. As perspectivas e psicologias do poder e da fraqueza explicam muito daquilo, embora certamente não tudo, que actualmente divide os Estados Unidos e a Europa.
O problema não é novo!

Durante a Guerra Fria estas divergências eram mais tácticas do que filosóficas. Não se discutia os objectivos do poder, uma vez que ambos os lados do Atlântico confiavam claramente no poder militar conjunto para aniquilar qualquer ataque soviético, por mais remotas que as possibilidades de tal ocorrência o pudessem parecer. O fim da Guerra Fria, que tanto alargou o fosso de poder quanto eliminou o inimigo sovié­tico comum, não só exacerbou a diferença de perspectivas estratégicas como alterou a natureza da discussão.
Durante grande parte da década de 90, os decisores políticos e os analistas nostálgicos de ambos os lados do Atlântico, insistiram naquilo em que os americanos e os europeus concordavam: a natureza destas ameaças à paz e à ordem mundial discordavam somente na reacção que a elas era adequada. Esta análise optimista subestimou o fosso crescente.
Ao longo da década passada, os Estados Unidos e os seus aliados euro­peus foram revelando cada vez mais divergências quanto ao que constitui uma ameaça intolerável à segurança internacio­nal e à ordem mundial, como o caso do Iraque demonstrou à sociedade. E estas divergências reflectem, acima de tudo, a disparidade de poder.
Uma das maiores divergências transatlânticas, desde o fim da Guerra Fria, diz respeito à identificação das novas ameaças que merecem maior atenção. As administrações norte-ame­ricanas colocaram maior ênfase nos chamados estados-pária e naquilo que o Presidente George W. Bush designou como o «eixo do mal». A maior parte dos europeus adoptou uma visão mais tranquila do risco representado por estes regimes. Como me disse um responsável governamental francês: «o problema são os 'estados falidos', não os 'estados-pária'».


MARTE x VENÚS
Por que razão os americanos e os europeus vêem as mesmas ameaças de forma diferente?
Os europeus afirmam amiúde que os americanos têm uma exigência insensata de segurança per­feita, consequência de viverem durante dois séculos escudados atrás de dois oceanos.
Os europeus declaram saber o que é viver com o perigo e viver paredes meias com o mal, atendendo a que há séculos o fazem - daí a sua maior tolerância rela­tivamente às ameaças representadas pelo Iraque de Saddam Hussein, o Irão dos ayatollahs, ou a Coreia do Norte.
Isto é, os europeus entendem grosso modo que os ame­ricanos exageram na avaliação do perigo que estes, e/ou outros, regimes representam.




A EUROPA HOJE
Nos últimos 50 anos, a Aliança Atlântica abriu um novo capítulo da História, permitindo à União Europeia abrir uma nova página do seu processo de unificação com o próximo alargamento a 25 Estados membros. Hoje, as questões euro-atlânticas são, no entanto, mais complexas estendendo-se à visão mais profunda que cada um dos parceiros tem sobre o seu futuro. Os novos desafios de um mundo globalizado e interdependente requerem soluções diferentes as quais só poderão ser encontradas em conjunto pela América e pela Europa.
Ambos continuam unidos por valores fundamentais e interesses económicos comuns. Todavia, a divergência de percepções e políticas toldam os céus atlânticos, quer porque a forma como os Estados Unidos lidam com o seu competitivo comércio põe em perigo o regime de comércio multilateral estabelecido após a Segunda Guerra Mundial, quer devido ao crescente desequilíbrio militar no seio da Aliança, tanto na sua componente política como orçamental, obrigando assim a Europa a um esforço desmesurado. Pelo menos, as duas partes reconhecem que estes desafios não podem ser enfrentados de forma unilateral.
É preciso manter o optimismo quanto ao futuro da Aliança. Esta, terá de definir o seu papel por forma a resolver os novos problemas de segurança tornados indivisíveis.
A OTAN está a correr o risco de vir a tornar-se um local de mera conversa, isto é, uma coligação de membros de boa vontade. E, se por um lado, a União Europeia assumir o papel de contrapeso aos Estados Unidos isso não será a saída mais promissora para os actuais antagonismos no seio da aliança transatlântica. Por outro lado, os Estados Unidos terão de aceitar uma verdadeira parceria de igualdade e, por conseguinte, concordar que a União Europeia crie a sua própria capacidade de defesa.

Durante a crise do Iraque, a opinião pública europeia falou a uma só voz, os seus governos é que se dividiram revelando uma lamentável ausência de Política Externa e de Segurança comuns. Fora da Europa, a crise ressaltou ainda mais a importância de o Ocidente actuar em concertação, sobretudo no mundo árabe. Os participantes mostraram-se também preocupados com o crescente anti-americanismo na Europa, uma tendência a ser refreada. Os últimos seis meses causaram demasiados danos à NATO, à União Europeia e à ONU. Os actores transatlânticos, terão de encontrar formas e meios de definirem um novo sistema internacional capaz de comprometer as guerras preventivas. No campo económico, a Ronda de Desenvolvimento da Organização Internacional do Comércio, em Doha, bem como a Reunião Ministerial de Cancum deverão ser um êxito. Nos próximos tempos, a liderança política vai estar sob grande pressão.
A futura arquitectura institucional da União Europeia, à luz da fase derradeira da Convenção Europeia, é tema a merecer ser discutido. A adesão à OTAN de novos países, em especial a da Polónia – novo membro da União Europeia – vai trazer à UE influência, vigor e juventude no campo económico e será certamente um forte defensor de futuras integrações europeias e um firme advogado de uma comunidade atlântica mais unida sem estar em contradição com o seu futuro na Europa. Para este país, a crise do Iraque mostrou a importância vital do projecto conjunto euro-atlântico, mas, há ainda a ter em conta a futura posição e o futuro papel da Rússia no seio de uma Europa mais alargada.

Para muitos a Europa, afundada em problemas de eficácia, deixou de funcionar quer em responsabilidade quer em consistência democráticas. O euro entrou em vigor mas o processo não está concluído, falta gerar crescimento e postos de trabalho; a política externa e de segurança é tudo menos comum; o alargamento, tarefa vital e histórica, foi mal preparado tanto pelos Estados membros como pelos países candidatos. Daqui resulta a necessidade uma nova arquitectura com um conteúdo relevante, tarefa que deverá ocorrer em simultâneo com a Convenção, ou Constituição Europeias. Entre os muitos assuntos pendentes, a questão da Presidência tem de ser resolvida, nomeadamente, através da eleição do Presidente da Comissão pelo Parlamento Europeu que escolhe o Conselho Europeu. "A votação por maioria qualificada", o vanguardismo de alguns Estados membros ao pretenderem uma mais rápida integração, o futuro da região mediterrânica no seio da Europa, são questões a merecerem, todas elas, uma atenção imediata.
Resumindo, a União Europeia terá de rever os seus métodos, porque as medidas económicas tendentes a uma maior unificação já não são suficientes.
A União terá de adoptar difíceis medidas políticas e, entre elas, destaco:
- As actuais propostas de arquitectura saídas da Convenção, nomeadamente as evidentes inconsistências entre os objectivos proclamados e a falta de financiamento.
- O alargamento ainda não consumado.
- A União Europeia é rica na diversidade histórica dos seus povos e isso tem de ser respeitado. Mas, a EU também tem de ultrapassar as crescentes dicotomias como o intergovernamentalismo versus método comunitário; mercado versus coesão; união monetária versus união económica.
Em suma, a Europa não pode ser construída sem respeito pela história das partes que a constituem.
A questão Estados "grandes" e Estados "pequenos" no seio da União Europeia e da falta de uma cláusula de "exit" consagrada no novo Tratado Constitucional, levam a considerar a necessidade de não se esperar demasiado da Convenção que, pelo menos, havia de dar seguimento ao mandato de Nice, revelando assim mais um passo para a integração.
Falar a "uma só voz" em questões internacionais não é ainda uma realidade. Estará a Europa preparada para uma votação de "maioria dupla" em questões de segurança e de política externa? Poderemos, num futuro não muito longínquo, assistir a um reforço da cooperação? Estas e outras questões, levam ao estudo de processos específicos tendentes à elaboração de uma política externa e de segurança mais "comum" mas não necessariamente "única".
Fácil é concluir que embora a agenda europeia esteja carregada de dificuldades, continua em direcção a uma maior unificação.
Esta caminhada deu já resultados substanciais nos últimos 50 anos, quanto mais não seja, por ter cimentado a paz num continente destroçado pela guerra.


DORMINDO COM O INIMIGO ?
No Médio Oriente a queda do regime de Sadam Hussein foi um passo para uma maior estabilidade na região, mas não deve ser equacionada como "a paz" propriamente dita, apesar de ter levado a sair de agenda o uso de armas de destruição maciça ou uma reacção violenta por parte de Israel e poderá vir a o relançamento do processo de paz israelo-palestiniano.
A instauração da democracia pela força das armas é quase uma impossibilidade, especialmente para o mundo árabe, a única região do Mundo a não revelar nos últimos 15 anos, qualquer tentativa de democratização. Mas o mundo árabe importa ao ocidente – migração, história, fronteiras próximas -, pelo que, uma mensagem importante a transmitir será a de que o estado desesperado dos países árabes é apenas cultivado para consumo local. Os Países Árabes têm direito à democracia. Mudar é urgente.
Olhando para o Ocidente, é importante reconstruir as relações transatlânticas. Apenas o optimismo pode prevalecer à luz da nova Resolução do Conselho de Segurança da ONU sobre a Reconstrução do Iraque permitindo o aparecimento, na região, de um espaço público democrático. Somente através da construção de uma economia de mercado bem sucedida se poderão irradicar as raízes do terrorismo. Os parceiros atlânticos têm, por isso, de ajudar os seus aliados americanos e conter a maré crescente de anti-americanismo que varre o mundo árabe. Finalmente, urge dar oportunidade ao "Road Map" do Médio Oriente proposto pelo Quarteto, por mais difíceis que se revelem os próximos passos a dar.



CONFLITO paradoxal com os ESTADOS UNIDOS
Se inicialmente, os Estados Unidos, na sua senda pela independência, a levaram ao ponto de se desligarem não só de Inglaterra, mas também do mundo dito ocidental, assumindo-se como patronos de uma civilização maior, a consolidação dos EUA enquanto nação independente, levou a que para além da proclamação de uma Zona de Segurança ocupando todo o continente, fossem criados mecanismos económicos para a sustentação da independência nacional, a par da presença da influência norte-americana por toda a América Latina e mesmo até para além dela.
Os Estados Unidos eram então os únicos a poderem alargar o seu território sem que para isso tivessem de entrar em competição com outros estados de relevância militar, e assim, com estas migrações em direcção a territórios de extensão indeterminada, começa a ganhar forma a ideia de espaço para o americano, acabando, de certo modo, por provocar a esquizofrenia de que padecem ainda hoje, na ambivalência de ser ambos, americano de nação e americano de continente, provocando deste modo a habitual existência de uma linha de acção comum em ambas as situações.
Apesar de aparentemente paradoxal, tal interferência em assuntos internos de outros Estados, a par da defesa de valores tão gratos aos americanos como o de garantir os benefícios da liberdade a essas mesmas nações, acaba por ser legitimada pelo levantar de valores mais altos, como o estabelecimento da justiça, sem a qual a liberdade não é possível. Tendo em mente tais princípios, a prossecução de uma política que assegurasse aos seus nacionais, não só a realização destes, mas também o próprio aperfeiçoamento da sociedade americana, o Executivo americano tem, desde sempre, seguido uma linha de defesa das necessidades nacionais, para lá das suas fronteiras quando necessário.
Se inspirado pela divina providencia da cristandade protestante, a harmonização da ordem natural surge pela competitividade, não é de estranhar que os Estados Unidos olhem para a sua própria existência, enquanto nação, como destinada à competição com outros estados, dentro ou fora do seu continente, e pressuponham que da sua própria harmonização está dependente a harmonização mundial.

As acções externas dos Estados Unidos foram sempre condicionadas simultaneamente por interesses materiais e missionarismo moral. Enquanto a primeira provem da influência interna de grupos de pressão com interesses económicos, a segunda provem da própria consciência nacional, acreditando na excepcionalidade da sua sociedade, transpondo para o plano ético-religioso os princípios consagrados na Constituição, partindo consequentemente para a disseminação da "palavra divina" através de centenas de "cruzadas" em todo o mundo. Não obstante as intervenções militares verificadas durante o século XX e onde se nota uma cada vez maior influência de grupos económicos, e sabendo que a excepcionalidade norte-americana se foi desvanecendo com o crescimento económico e maturidade política europeia, o facto de existir o suposto perigo de domínio mundial por parte do totalitarismo comunista fez com que se apoiasse e, deste modo, se legitimasse toda e qualquer intervenção pela política de contenção.
A defesa da posição dos Estados Unidos enquanto potência mundial pela via das armas, graças à Guerra Fria, conduziu a política de Theodore Roosevelt até meados da década de 70 (até à Guerra do Vietname, o Presidente era visto como o defensor do senso comum americano, e logo, irreprimível no anúncio e seguimento das suas doutrinas).

Os partidos encontravam-se agora cada vez mais dependentes do financiamento das suas campanhas por parte de privados, portanto, deixava de ser estranho ver grupos de relevância económica nacional, englobados na esfera política do país como sustentáculos do próprio multipartidarismo, logo, da democracia. As acções externas iam progressivamente ficando mais afastadas do interesse público, ou pelo menos dos irredutíveis e seculares valores tidos como base da sociedade americana. A legitimidade de intervenção dos Estados Unidos em várias áreas do globo era agora, justificada pelos interesses económicos em causa, em que a Guerra Fria se ia tornando cada vez mais numa Guerra Fresca, no entanto, sendo a sociedade americana baseada em valores morais mais altos que qualquer bem estar material, esta não poderia jamais ficar a par de tal legitimação, sob o risco de não existir novo mandato presidencial.

Com o fim da Guerra Fria o perigo do desequilibro desapareceu, hoje a necessidade não é a de encontrar uma potência que sirva os propósitos dos Estados Unidos, mas sim a de encontrar propósitos para o uso da potência dos Estados Unidos. Esta necessidade levou à busca de novos propósitos pela política externa norte-americana, justificativos da presença americana nos assuntos mundiais, tal como tinha acontecido durante a Guerra Fria. O apelo da administração norte-americana à necessidade da influência por parte dos Estados Unidos no alastrar da democracia no mundo não tem eco no público, acabando por ser, ela mesma, contrariada pela política praticada internamente, na qual o processo democrático, cada vez mais, parece suscitar a indiferença e o distanciamento entre governantes e governados, materializando-se nos galopantes valores da abstenção.

O argumento de que à liderança norte-americana é necessária o envolvimento em problemas mundiais é frequente e, até certo ponto, é compreensível, visto tratar-se da actual grande potência mundial, no entanto, este argumento leva a que se levante a questão de saber se a liderança americana assim o deseja, se é o suficientemente abrangente para isso, e se é encarada com legitimidade por parte das outras nações, para tornar os problemas do mundo em problemas internos.

A par dos vários grupos económicos que se movimentam nos bastidores da política externa norte-americana, surgem agora grupos organizados por aparentes uniões culturais entre seus membros.
A cada vez maior rapidez das vias de informação, a par do facto dos Estados Unidos serem o maior foco de imigração mundial, torna uma realidade o crescente papel dos grupos étnicos na construção de uma política externa americana. Contra a existência, não destes grupos, mas do crescente poder, encontra-se todo um mundo Ocidental, uma vez que para sobrevivência desta, espera-se dos Estados Unidos que se assumam como guardiões deste pensamento. Desta feita, a legitimação da intervenção americana em vários cenários de guerra, embora seja cada vez mais posta em causa internamente, acaba por ser encontrada externamente, nomeadamente junto dos seus aliados, ou seja, todo o mundo Ocidental. Quando outrora eram os nacionais americanos a reivindicar a excepcionalidade dos seus princípios, legitimando toda e qualquer intervenção americana além - fronteiras pela existência de um destino providencial, hoje, encontrando-se estes mais preocupados com a manutenção do Estilo de Vida Americano, e logo com a preservação do seu nível de vida, cabe aos aliados dos Estados Unidos, bilateralmente ou mesmo através de organizações de âmbito militar, aclamar essas mesmas intervenções como vitais à sua própria existência.
Em suma, não deixa assim de ser periclitante o actual rumo da política externa norte-americana. Entre os apelos de grupos, económicos, étnicos e governamentais internos, de nações aliadas e de organizações internacionais, nunca esquecendo os sacralizados princípios presentes na Constituição, o equilíbrio entre as várias forças é ténue.
No seio do Executivo, a competência para o delinear dos vectores de acção recai na pessoa de um só homem, o Presidente dos Estados Unidos, e neste quadro, a isenção na tomada de decisões respeitantes à política externa encontra-se distante, se não inatingível, tendo a sua permeabilidade maior nos grupos sobre os quais assenta o já mencionado Estilo de Vida Americano, nomeadamente aqueles que mais riqueza e fonte de emprego representem para a nação.

Não posso deixar de notar a coerência nos acontecimentos mais relevantes ligados à administração Bush, um texano sempre ligado ao petróleo. Desde o estabelecimento de uma presença permanente no Afeganistão, encravado entre 5 potências nucleares e sobre importantes reservas de energias fósseis, passando pela morte de Jonas Savimbi, a qual para além da paz, trouxe a estabilidade necessária a um investimento mais avultado nas maiores reservas de petróleo de África, chegando ao frustrado golpe de estado na Venezuela, o quarto exportador da OPEP, tudo isto numa altura em que a CIA voltou a ter como palco da actuação o mundo,
A questão energética parece ser o ponto central da Doutrina George W. Bush, uma doutrina que antes mesmo da presidência já se afigurava mais permeável e moldável por interesses internos do que por quaisquer desejos de estabelecer uma pax americana assente no bem geral da humanidade.









Factos:
1) Manutenção de interesses nos países árabes:
- A maioria de estados árabes amigos dos EUA não são democracias.
- Os EUA, crêem que a estabilidade de países árabes pode ser conseguida através de um estado de dependência destas nações ao auxilio económico e militar que os EUA lhes conferem.
- O patrocínio ao estabelecimento de democracias árabes pode saldar-se no aparecimento de regimes menos abertos ao Ocidente ou até hostis, como aconteceu com a FIS na Argélia.
- Com o volte face do Irão, em 1979, os EUA optaram por exercer influência no mundo árabe de um modo quase subliminar, preferindo uma progressiva aculturação ocidental através dos média ao tradicional apoio base a regimes autocráticos, despoletadores da ira popular.
2) As relações económicas com a UE:
- Imposição de tarifas aduaneiras de 30% sobre a importação do aço.
- Nos últimos 4 anos perderam-se 20 mil postos de trabalho no sector.
- A aplicação desta tarifa vai ao encontro do reivindicado pelo poderoso lobby do sector siderúrgico, especialmente pelo Sindicato da Siderurgia Norte-americana, com os seus 600 mil trabalhadores.
- A siderurgia tem grande importância no chamado Steel Belt, onde os estados da Pensilvânia, Ohio, Ilinois, Indiana e Virgínia Ocidental formam uma autêntica cinta de aço.

Soluções:
a) Compensar em 2500 milhões de euros a UE parece ser a única solução dos EUA para poder manter as taxas, uma vez que o acordo da OMC prevê a compensação dos países afectados pela implementação de medidas proteccionistas mesmo que estas não violem a natureza do tratado.

b) Retaliar pela aplicação de um imposto compensatório a produtos originários de Estados norte-americanos decisivos para os republicanos nas eleições de Novembro.

c) Proteger, durante o prazo legal de 6 meses, as importações de aço entre 14,9% e 26% que ultrapassem os níveis de 2001
- O anterior comissário europeu para o comércio, o inglês Leon Brittain, indica que a actual guerra do aço pode pôr em causa a participação europeia na guerra ao terrorismo, nomeadamente no possível apoio a um ataque ao Iraque.
- Na condenação à situação no Médio Oriente, as divergências também se fizeram notar, com uma forte condenação do lado europeu e com um mero pedido de retirada do lado dos EUA.


- As relações com o UK, para quem o sector do aço tem ainda bastante importância, sofreram um abalo.
- Embora tradicionalmente democratas, estes estados deram a vitória aos republicanos em consequência das promessas feitas por Bush.
- A UE aponta estas medidas proteccionistas como demagógicas tendo em vista a vitória
republicanas eleições para as duas câmaras em Novembro.


RELAÇÕES TRANSATLÂNTICAS
Não obstante as tensões periódicas que a caracterizam, a relação transatlântica está no centro das Relações Externas da União Europeia. Os fluxos comerciais entre a União e os Estados Unidos totalizam cerca de mil milhões de euros por dia. Os EUA apoiaram firmemente o processo de integração europeu desde o seu início. As duas partes partilham os mesmos valores, possuindo, em muitos casos, interesses comuns. Para além das cimeiras semestrais, os dois parceiros mantêm contactos permanentes e a todos os níveis: diálogos entre as empresas, entre os consumidores, os sindicalistas e os ecologistas, bem como reuniões frequentes a nível de funcionários, ministros, membros do Parlamento Europeu e do Congresso dos Estados Unidos. A forma como a UE e os EUA geriram questões comuns relacionadas com o direito da concorrência ou do reconhecimento mútuo das respectivas normas técnicas, serviu de modelo para as relações entre a União e outros parceiros, nomeadamente o Japão e o Canadá.
”Reparando” As RELAÇÕES
A administração Bush ganhou (?) a sua guerra contra Iraque. Agora deve ganhar a paz, e aqui inclui-se reparar estragos nas relações com vários aliados na "Velha Europa" e noutros lugares.

Embora a cimeira económica do G-8 pareça ter sido cortês, o amargo prelúdio ao ataque anglo - estadunidense no Iraque afectou seriamente as velhas relações de amizade.
"O líder francês tem trabalhado para convencer o povo estadunidense que se preocupa pela segurança do nosso país," proclamou o presidente Bush, mas de imediato o seu próprio Subsecretário da Defesa admitiu serem os anúncios de Washington sobre as armas de destruição massiva do Iraque feitos por "razões burocráticas."
Embora os Estados Unidos sejam a potência militar dominante do mundo, isso não os dota de uma sabedoria única. Nem tampouco se supõe que os líderes de estados independentes e democráticos estejam obrigados a seguir cegamente os desígnios de Washington.

Ademais, a postura da administração Bush deixou uma sensação de hipocrisia. A devoção para com os direitos humanos é admirável, mas os Estados Unidos evidenciam pouca preocupação para com eles quando apoiaram Saddam Hussein na agressiva guerra contra o Irão e ignoraram os abusos da Turquia contra os Curdos.
Igualmente estranha foi a campanha de Washington para comprar aliados da qual resultou uma "coligação a várias cores” formada, primordialmente, por nações que ofereceram exageradas cartas de apoio.

E o papel da Europa não foi mais honrado. O chanceler alemão, Gerhard Schroeder, ganhou a reeleição ao atacar os Estados Unidos, mesmo quando ninguém esperava que Berlim se unisse a qualquer guerra.
A França jogou o papel de aliado leal ao aprovar a resolução inicial da ONU, antes de se converter no mais agudo crítico dos Estados Unidos - enquanto actuava simultânea e unilateralmente na Costa do Marfim.
A "Nova Europa" pode ter apoiado Washington, porque fazê-lo não requeria nenhum compromisso militar e com isso ganhava apoio para conseguir garantias quer em ajuda externa quer em segurança.
Os políticos canadienses denunciaram a política estadunidense mesmo quando dependiam da protecção militar de Estados Unidos.
Insultos mesquinhos e boicotes deram a volta ao globo.
Ataques mútuos não servem os interesses de ninguém. Ora, para se repararem relações requer-se, a priori, honestidade. Collin Powell, disse recentemente: "este é um conflito que ninguém pediu, que não buscámos, que não queremos e que fizemos todo o possível por evitar."
Nenhuma pessoa séria o podia querer. Washington estava determinado em fazer a guerra e essa mesma determinação fez com que o presidente Bush ganhasse apoio popular nos Estados Unidos. Agora a administração Bush necessita justificar a sua decisão... não fugir dela!
Washington deve admitir que exagerou. O fracasso ao não encontrar nenhuma arma de destruição massiva é profundamente humilhante.
Se o Iraque não estava disposto a usar as ditas armas para se defender, então estas aparentemente não existiam ou não valia a pena usá-las.

Simultaneamente, os críticos dos Estados Unidos deveriam reconhecer que a sua posição reflectia mais uma preocupação face ao domínio estadunidense do que um “não compromisso face ao direito internacional”.
Por outro lado, será necessário reconhecer que Bush não é um vaqueiro louco, como prova a resposta cautelosa dada aos ataques terroristas do 11 de Setembro.


Ambos necessitam de recuperar o sentido de proporção face ao multilateralismo. Se os Estados Unidos consideram estar em jogo os seus interesses vitais, não se deveria esperar a aprovação da ONU para uma resposta.

Apesar disso, o multilateralismo tem valor.
Washington, provavelmente, assumirá o tortuoso processo de criar um Iraque democrático e estável e seria mais fácil se se contasse com um amplo apoio internacional, mas, Heidemarie Wieczorek-Zeul, Ministra da Cooperação e Desenvolvimento Económico da Alemanha, sustem: "não é aceitável que os estadunidenses e britânicos bombardeiem e que a 'Velha Europa' pague."
Ainda assim, verifica-se que os críticos dos Estados Unidos estavam equivocados quanto ao manterem o Iraque refém das suas ambições conservado-lhe as sanções.
A aprovação de uma resolução da ONU, quanto ao Iraque, poderia vir a ser o início de uma genuína cooperação.

Por outro lado, a Europa requer um verdadeiro exército, se quer que a tomem a sério em Política Externa, Washington não deveria ter ilusões de que a "Nova Europa" possa substituir a "Velha Europa" uma vez que os europeus do Centro e Leste trouxeram á OTAN mais responsabilidades estratégicas em lugar de vantagens de defesa e a primeira poderá ter um potencial económico e político a longo prazo, mas permanece dependente do acesso aos mercados e subsídios dos membros mais velhos da União Europeia.

A amarga disputa entre aliados permanece desagradável, embora ofereça uma oportunidade para repensar relações antiquadas.
Estados Unidos e Europa compartilham muitos objectivos, desde a cooperação em Inteligency ao desenvolvimento económico e á assistência em segurança.
Mas aliados não devem assumir que os seus interesses vão sempre convergir, por isso deveriam tornar, a evolução das suas amizades, o menos dolorosa possível.


CONSTRUÇÃO EUROPEIA SEM OS ESTADOS UNIDOS?
Passados cinquenta e oito anos sobre o final da Segunda Guerra Mundial que deixou o velho continente em escombros, a Europa vive hoje um contexto de paz e estabilidade.

A reconstrução europeia, projecto promovido pelos Estados Unidos no pós-guerra, como consequência do Plano Marshall, cujos primeiros contornos se evidenciaram na forma de integração económica, teve início há quarenta e seis anos. Desde então, a UE, tornou-se num dos projectos mais fascinantes das relações internacionais. É um processo em evolução permanente. Começou em 1957 mas ninguém lhe conhece os limites, quer ao nível da geografia, quer ao nível do modelo de organização política.
Hoje, a UE, constitui um grande espaço de bem-estar igualável a poucas regiões do mundo e é, porque atractiva, ponto de chegada, de imigrantes de todos os continentes.
Os resultados conseguidos constituem um feito magnífico se atendermos a que são produto da coordenação e entendimento entre Estados tradicionalmente litigantes.

Mas o aumento da complexidade da UE, como organização de integração regional, anda a par com o crescendo de desafios que enfrenta. E presentemente estes não são nem poucos, nem irrelevantes.

O domínio da política externa é o maior de todos eles, constituindo o grande problema do futuro da UE. As divergências que se evidenciaram em matéria de política externa entre os Estados membros, em torno da guerra anglo-americana contra o Iraque, intensificaram o debate dentro da União Europeia quanto aos seus objectivos de responsabilidade e postura internacional.
No seio desta discussão destacam-se duas correntes: uma atlantista, defendendo que a construção europeia não se pode fazer desligada dos Estados Unidos; uma europeísta, que defende que a UE se deve distanciar dos Estados Unidos adoptando uma postura crescentemente autónoma.

Porém, acontece que a União não reúne as condições necessárias para se tornar no que os europeístas pretendem. Para além de não possuir os meios militares indispensáveis para tornar a negociação internacional eficaz e a política externa credível, parece ser cada vez menos provável que venha sequer a existir uma política externa europeia com plenos poderes. A que existe actualmente é bastante limitada.
A actuação do alto-representante para a PESC, Javier Solana, passa essencialmente pela promoção de medidas de criação de confiança e estabilidade no estrangeiro próximo da UE. Mas com a entrada, em Maio de 2004, de dez novos membros originários da Europa Central, a criação dessa política externa integrada, fica cada vez mais distante, pois Xavier Solana, ou quem venha a suceder-lhe no cargo, se concentrasse plenos poderes de representação, seria constantemente desautorizado pelos ministros dos Negócios Estrangeiros de cada Estado membro, porque cada Estado tem um passado histórico próprio, espelhado em vertentes de política externa com interesses não coincidentes.

Isto quer dizer que a Europa continuará a precisar do aliado norte-americano, hoje mais que anteriormente, mas nunca como antes.

Desde o derrube do muro de Berlim e da desintegração da União Soviética, o contexto alterou-se profundamente. Se antes apenas interessava a Washington preservar o continente fora da influência Soviética, hoje que deixou de existir a ameaça comunista, concreta e identificável, e passou a existir um conjunto de ameaças de natureza diversa e com contornos de grande complexidade, a incerteza da política externa americana deve ser motivo suficiente para deixar a Europa preocupada.

Nesta mudança de contexto a UE ainda não se dotou de meios militares proporcionais à sua dimensão e necessidades.
Mesmo supondo que decida agora investir na defesa, hipótese remota, os custos são gigantescos e os resultados demorados.
Sendo uma ilha de paz, estabilidade e bem-estar, a UE está rodeada de ameaças e precisa preservar com cuidado, mais do que antes, a relação com os Estados Unidos, sabendo-se que há muita gente em Washington a pretender ver reduzido o contributo e empenhamento norte-americano na NATO.
Ora sendo esta a aliança que, de facto, garante a segurança europeia, se ela vier a ser diminuída é a Europa quem se expõe aos mais diversos riscos. Para este cenário, nefasto aos europeus e quase indiferente aos americanos, muito têm contribuído alguns líderes europeus, sobretudo franceses e alemães, com curta visão estratégica e com sentido de Estado e de interesse nacional diminuído por avaliações de curto prazo, nocivas aos seus países e à construção europeia.
Não basta fazer manifestos de intenção para a criação de política externa e de defesa integrada com plenos poderes, é preciso ter condições para a sustentar, e o que dela possa vir a existir decorre da conservação estável das relações transatlânticas.

POR UMA EUROPA RADICALMENTE EUROPEIA
Defender a ideia de Europa no contexto de um processo de intervenção radical, nestas matinas do século XXI, implica reconhecer o Estado a que chegámos, isto é, ao mesmo tempo, pequeno demais para os grandes problemas da vida e grande demais para os pequenos problemas da vida. É pequeno demais para resolver os grandes problemas do nosso tempo (a economia, a segurança, o ambiente, a tecnologia, a saúde) e, para o efeito, sob o alento da aldeia global, vamos tentando projectar e construir, por todo o lado, grandes espaços. Mas também é grande demais, pelo menos quanto à participação política e à humanização do poder, e muitos vão exigindo desconcentração, desregulamentação, descentralização e regionalização. Daniel Bell

É forçoso, ainda, assinalar que acabou a era das ideologias do tempo da guerra fria quando se transformaram questões concretas em questões ideológicas, colorindo-as com uma tensão ética e uma linguagem emocional. Porque, aqui e agora, nós, os herdeiros da liberdade europeia, marcados tanto pelas tradições do humanismo laico como do humanismo cristão, estamos cansados das divisões artificiais entre a direita e a esquerda e dos consequentes combates entre reaccionários e progressistas, ou entre liberais e socialistas, e talvez tenhamos de aceitar que só podemos superar as encruzilhadas da história, se admitirmos o essencial da perspectiva da pluralidade de pertenças e da consequente disjuntion of realms, da existência de princípios axiais diferentes nos campos da economia, da política e dos valores culturais, nos anos trinta e quarenta se dizia, ao mesmo tempo, radical nos objectivos económico-sociais, reformista nas metodologias políticas e conservador no tocante aos valores. Emmanuel Mounier
Isto é, uma aproximação ao socialismo nos domínios da economia, com uma profissão de fé liberal em política e uma atitude conservadora quanto ao valores culturais. Daniel Bell
Talvez esta pluralidade de pertenças, contrária aos preconceitos reaccionários de esquerda e de direita, nos leve de volta a uma certa memória libertária e radical, em nome dos princípios, necessariamente reformistas no tocante às atitudes políticas e defensora dos grandes princípios do regresso à política. É esse o horizonte, onde necessariamente se insere a ideia de Europa que Sufraga.

O regresso à política, a retomada da res publica, isto é, a reinvenção da cidadania, são a única forma de superarmos as actuais doenças dos sistemas políticos, sitiados pela corrupção e pelo clientelismo, causas geradoras das actuais vagas populistas, xenófobas e racistas que ameaçam a Europa.
Ora estes sintomas só podem ser removidos se à terapêutica se acrescer a profiláctica de uma educação cívica, capaz de retomar uma perspectiva libertária da pessoa: uma perspectiva comunitária de sociedade e uma visão do Estado como um Estado-Razão e um Estado de Justiça.


Bibliografia:
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Bell, Daniel The Cultural Contradictions of Capitalism HarperCollins Publishers January;1996
Bordieu, P. O Poder Simbólico Lisboa editora Difel; 1989
Carr, E. H., The Twenty Years' Crisis, 1919-1939, Londres; 1948.
Chomsky, N Poder e Terror Lisboa editorial Inquerito; 2003
Gilles Andreani, The Disarray of U.S. Non-Proliferation Policy,Survival p 41, Inverno de 1999-2000
Kagan, Robert O paraiso e o Poder, Lisboa Gradiva; 2003
Mendes, Nuno A Nova Política Externa Norte-Americana Lisboa ISCSP Maio; 2002
Mounier Emmanuel Manifesto ao Serviço do Personalismo. Lisboa.Guimarães Editores;1967
Samuel P. Huntington, «The Lone1y Superpower», Foreign Affairs 78; Março/Abril de 1999
Sobral, João Construção Europeia sem os Estados Unidos? Lisboa ISCSP; 2002
Winston Churchill, The Gathering Storm, Boston; 1948