quarta-feira, 9 de novembro de 2016

as sondagens, os jornalistas e a qualidade do debate público

As sondagens falharam, mais uma vez.
Têm falhado em muito lado, apesar de feitas com as melhores técnicas disponíveis, pelos melhores centros de investigação.
Não parece ser, no essencial, um problema das sondagens, embora nos ajude a relativizá-las saudavelmente.
Talvez o desfasamento muito pronunciado entre as classes dominantes e as pessoas comuns, de tal maneira que as classes dominantes impõem um discurso politicamente correcto no espaço público, leve as pessoas comuns a sentirem-se mais seguras calando o que pensam, guardando as suas verdadeiras opiniões para o segredo das cabines de voto.
A imprensa está do lado das classes dominantes, preferindo olhar arrogantemente para os sinais de preocupação das pessoas comuns como atavismos reaccionários a tentar compreender o mundo à sua volta.
Temos uma jornalista no Público a propor esquemas estranhos para financiar os jornais que garantam que pode escrever livremente sem ter de ter leitores,
temos directores de jornais que se apresentam como generais prussianos de políticos populistas e continuam a dirigir jornais,
temos jornalistas que mantêm a sua posição e influência mesmo depois de até eles reconhecerem ter sido embarretados por aldrabões de feira, apenas porque a vontade de ouvir o que queriam foi mais forte que a necessidade de cumprir procedimentos básicos de verificação dos factos.
Não, meus caros jornalistas, o problema não é o Correio da Manhã ser o jornal que mais vende e o mais lido, o problema é que, preguiçosamente, preferem dizer que é por ser um jornal sensacionalista, esquecendo as dezenas de jornais sensacionalistas que faliram.
Por muito que vos doa, o Correio da Manhã escreve para as pessoas comuns e, no essencial, tem mais factos que doutrinação, não pretende ser mais que o que é: um jornal que reflecte o mundo das pessoas comuns que o pagam.
Ao contrário dos jornais de referência, cheios de cromos supostamente influentes e bem pensantes, todos falando e escrevendo do mundo das classes dominantes, em circuito fechado. São os jornalistas que afastam dos holofotes tudo o que sejam as inquietações politicamente incorrectas dos matarruanos reaccionários que se interrogam sobre o efeito dos choques de cultura a que assistem todos os dias. Comunidades que não se compreendem, apesar de viverem no mesmo espaço, questões de costumes que abalam convicções profundas, ou simplesmente a perplexidade pela forma e as razões que fazem com que uma miúda que diz disparates colossais dia sim, dia não, como Mariana Mortágua, tenha um nível de vida com que a grande maioria das pessoas comuns não pode sequer sonhar, mesmo trabalhando duramente em actividades produtivas que todos os dias são escrutinadas pelos seus clientes.
Estão incomodados com o BREXIT, com a vitória do PP em Espanha, com o resultado as eleições americanas, com o risco de Le Pen ser a próxima presidente de França, ou mesmo com o facto da PAF ter ganho as últimas eleições em Portugal?
Também eu, também a mim me incomodam muitas destas coisas, mas talvez seja altura de pensarem um bocadinho sobre a vossa responsabilidade na transformação do debate público naquilo que hoje é e pensarem nos que excluem desse debate em função da vossa visão do mundo.

Não querem experimentar saltar do mundo das classes dominantes em que se instalaram e voltarem para o mundo das pessoas comuns de onde vieram? (por Henrique Pereira dos Santos no Corta Fitas)