Aconteceu. Donald Trump foi eleito
presidente dos Estados Unidos. Era impensável que tivesse ganho as primárias do
partido republicano – mas ganhou-as e todos culparam a divisão dos adversários.
Era ainda mais impensável que ganhasse a corrida à Casa Branca, e ganhou-a. E
agora não há bodes expiatórios: a adversária era a mais preparada candidata que
os democratas podiam escolher, teve todos com ela – incluindo Barack e Michele
Obama –, dispunha da mais poderosa máquina eleitoral e tinha mais dinheiro.
Mesmo assim, aconteceu.
E agora que aconteceu não vale a pena
prever o apocalipse. Porque não vai acontecer. (in Acordámos
num mundo que não conhecemos por José Manuel Fernandes)
.
Trump ganhou, e a história, tal como
aconteceu após o Brexit, ainda não acabou.
Perdeu Hillary Clinton, uma candidata
apoiada por quase todo o establishment, pelo presidente, pela máquina
partidária com mais dinheiro desta campanha, pelo poder financeiro, pelo poder
mediático, pelo poder universitário, pelo poder de Hollywood.
Perdeu Barack Obama, que depois de
prometer unidade e consenso, optou por uma presidência divisiva e autoritária,
abusando das “ordens executivas” para impor a sua vontade, o que agora coloca a
maior parte do seu património governativo à mercê de reversões simples.
Perdeu a estratégia dos democratas de
manipular as minorias étnicas, sobretudo os latinos, para fazer com elas um
bloco eleitoral definido pelas identidades, e não pelas opções e valores.
Perdeu o conservadorismo clássico,
que cedeu o seu lugar, enquanto inspiração doutrinária do Partido Republicano,
a um movimento capaz de levantar milhões de pessoas contra a elite privilegiada
do “politicamente correcto” e contra a visão do mundo que resumimos com o
rótulo de “globalização”. Chamamos-lhe “populismo”, porque não sabemos bem o
que chamar a algo que não encaixa nas divisões tradicionais entre esquerda e
direita. Trump está nitidamente para além dessa dicotomia. (in Sabemos
quem perdeu, não quem ganhou por Rui Ramos)
.
A armadilha seria cair na tentação de
culpar os eleitores americanos por “terem votado mal” – como se a democracia
não fosse, precisamente, dar voz ao povo e houvesse votos “certos” e votos
“errados”. Ou cair no erro de acreditar no simplismo de que Trump foi eleito porrednecks primários,
racistas e pouco instruídos – o que os resultados desmentem.
Segundo, é fundamental não esquecer
que a democracia não se mede pela forma como se ganha, mas sim pela forma
graciosa como se perde. Ou seja, por mais que não se goste dele, há que
reconhecer a legitimidade de Trump para liderar os EUA. Isto não é um detalhe e
não é por acaso que o momento alto das noites eleitorais nos EUA nunca está no
discurso de aclamação do candidato vencedor, mas sim no discurso de concessão
da derrota pelo candidato vencido. (in Valorizar
a democracia é saber perder por Alexandre Homem Cristo)
.
Os “deploráveis” existem. E votam.
Sim, eu sei que o facto de ter chamado deploráveis aos apoiantes de Trump pode
não ter valido a derrota a Clinton, mas explicará alguma coisa do seu desastre
eleitoral.
[…] não deixa de ser preocupante e
revelador que a cada resultado classificado como inesperado surja de imediato
uma explicação que divide os eleitores em bons e maus: os bons são os urbanos,
jovens e licenciados. Os artistas e os cultos. Do lado dos maus estão os
ignorantes, os rurais, os velhos e, por consequência, os pobres sem
habilitações académicas. …
Encerrados nos seus gabinetes e nas
suas redacções mas acreditando que estão ligados ao mundo, jornalistas,
comentadores e investigadores vivem numa espécie de bolha onde se enfatizam
entre si. Trocam mensagens em que todos pensam o mesmo, riem do mesmo e criticam
o mesmo. E contudo lá fora o mundo passa a correr. (in Os deploráveis
por Helena Matos)
.
Há mais semelhanças entre Barack
Obama e Donald Trump do que a maioria das pessoas pensa. Ambos foram candidatos
anti-sistema em diferentes eleições presidenciais.
Trump ganhou com uma grande vantagem,
com um resultado semelhante ao de Obama há quatro anos. E conquistou quase
todos os chamados “swing states”. A vontade popular é suprema na política
democrática.
Trump foi sempre o candidato
anti-sistema, desde as primárias do Partido Republicano até às eleições
nacionais.
Trump poderia ganhar se os
insatisfeitos, aqueles que não votam há muitos anos, fossem votar. Pelas
indicações iniciais, foi o que aconteceu, como mostra a vitória de Trump em
estados como a Pensilvânia, a Indiana, o Ohio, o Wisconsin e, possivelmente o Michigan,
a cintura industrial americana, normalmente democrática. (in Presidente
Trump por João
Marques de Almeida)
.
Mas há muitos derrotados.
O establishment, claro está, que
tudo fez para eleger Hillary Clinton.
O Presidente Obama que, rompendo com
a convenção de muitas décadas, decidiu meter-se a fundo na campanha (como vai
agora engolir o que disse e trabalhar numa transição tranquila, veremos).
Michelle Obama que, apesar de toda a
simpatia e projeção mediática, simplesmente falhou na mobilização do eleitorado
afro-americano.
A comunicação social progressista que
levou a candidata ao colo e patrocinou sistematicamente os ataques moralistas a
Trump (aliás, inventaram os Republicans for Clinton, que evidentemente não
existem eleitoralmente, mas esqueceram-se dos Trump Democrats que,
sim, existem e muitos deles são latinos e mulheres), nomeadamente o NYT, a CNBC
e a CNN.
Todo o universo das sondagens e
especialistas da estatística eleitoral que não perceberam o que estava a
acontecer; o terramoto do mapa eleitoral passou-lhes ao lado.
Os artistas e os intelectuais que
prejudicaram a candidata com a arrogância do discurso dos americanos bons
(minorias, mulheres, brancos com estudos) e dos americanos maus (brancos sem
estudos).
E o movimento feminista que
evidentemente não soube compreender o voto feminino (“inesperadamente”, muito
dele foi para Trump) (in A
revolução dos “deplorables” e a derrota histórica do “establishment”
boquiaberto por Nuno
Garoupa)