quarta-feira, 9 de novembro de 2016

Acordámos num mundo que não conhecemos...

Aconteceu. Donald Trump foi eleito presidente dos Estados Unidos. Era impensável que tivesse ganho as primárias do partido republicano – mas ganhou-as e todos culparam a divisão dos adversários. Era ainda mais impensável que ganhasse a corrida à Casa Branca, e ganhou-a. E agora não há bodes expiatórios: a adversária era a mais preparada candidata que os democratas podiam escolher, teve todos com ela – incluindo Barack e Michele Obama –, dispunha da mais poderosa máquina eleitoral e tinha mais dinheiro.
Mesmo assim, aconteceu.
E agora que aconteceu não vale a pena prever o apocalipse. Porque não vai acontecer. (in Acordámos num mundo que não conhecemos por José Manuel Fernandes)
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Trump ganhou, e a história, tal como aconteceu após o Brexit, ainda não acabou.
Perdeu Hillary Clinton, uma candidata apoiada por quase todo o establishment, pelo presidente, pela máquina partidária com mais dinheiro desta campanha, pelo poder financeiro, pelo poder mediático, pelo poder universitário, pelo poder de Hollywood. 
Perdeu Barack Obama, que depois de prometer unidade e consenso, optou por uma presidência divisiva e autoritária, abusando das “ordens executivas” para impor a sua vontade, o que agora coloca a maior parte do seu património governativo à mercê de reversões simples. 
Perdeu a estratégia dos democratas de manipular as minorias étnicas, sobretudo os latinos, para fazer com elas um bloco eleitoral definido pelas identidades, e não pelas opções e valores. 
Perdeu o conservadorismo clássico, que cedeu o seu lugar, enquanto inspiração doutrinária do Partido Republicano, a um movimento capaz de levantar milhões de pessoas contra a elite privilegiada do “politicamente correcto” e contra a visão do mundo que resumimos com o rótulo de “globalização”. Chamamos-lhe “populismo”, porque não sabemos bem o que chamar a algo que não encaixa nas divisões tradicionais entre esquerda e direita. Trump está nitidamente para além dessa dicotomia. (in Sabemos quem perdeu, não quem ganhou por Rui Ramos)
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A armadilha seria cair na tentação de culpar os eleitores americanos por “terem votado mal” – como se a democracia não fosse, precisamente, dar voz ao povo e houvesse votos “certos” e votos “errados”. Ou cair no erro de acreditar no simplismo de que Trump foi eleito porrednecks primários, racistas e pouco instruídos – o que os resultados desmentem.
Segundo, é fundamental não esquecer que a democracia não se mede pela forma como se ganha, mas sim pela forma graciosa como se perde. Ou seja, por mais que não se goste dele, há que reconhecer a legitimidade de Trump para liderar os EUA. Isto não é um detalhe e não é por acaso que o momento alto das noites eleitorais nos EUA nunca está no discurso de aclamação do candidato vencedor, mas sim no discurso de concessão da derrota pelo candidato vencido. (in Valorizar a democracia é saber perder por Alexandre Homem Cristo)
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Os “deploráveis” existem. E votam. Sim, eu sei que o facto de ter chamado deploráveis aos apoiantes de Trump pode não ter valido a derrota a Clinton, mas explicará alguma coisa do seu desastre eleitoral.
[…] não deixa de ser preocupante e revelador que a cada resultado classificado como inesperado surja de imediato uma explicação que divide os eleitores em bons e maus: os bons são os urbanos, jovens e licenciados. Os artistas e os cultos. Do lado dos maus estão os ignorantes, os rurais, os velhos e, por consequência, os pobres sem habilitações académicas. …
Encerrados nos seus gabinetes e nas suas redacções mas acreditando que estão ligados ao mundo, jornalistas, comentadores e investigadores vivem numa espécie de bolha onde se enfatizam entre si. Trocam mensagens em que todos pensam o mesmo, riem do mesmo e criticam o mesmo. E contudo lá fora o mundo passa a correr. (in Os deploráveis por Helena Matos)
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Há mais semelhanças entre Barack Obama e Donald Trump do que a maioria das pessoas pensa. Ambos foram candidatos anti-sistema em diferentes eleições presidenciais.
Trump ganhou com uma grande vantagem, com um resultado semelhante ao de Obama há quatro anos. E conquistou quase todos os chamados “swing states”. A vontade popular é suprema na política democrática.
Trump foi sempre o candidato anti-sistema, desde as primárias do Partido Republicano até às eleições nacionais. 
Trump poderia ganhar se os insatisfeitos, aqueles que não votam há muitos anos, fossem votar. Pelas indicações iniciais, foi o que aconteceu, como mostra a vitória de Trump em estados como a Pensilvânia, a Indiana, o Ohio, o Wisconsin e, possivelmente o Michigan, a cintura industrial americana, normalmente democrática. (in Presidente Trump por João Marques de Almeida)
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Mas há muitos derrotados.
O establishment, claro está, que tudo fez para eleger Hillary Clinton.
O Presidente Obama que, rompendo com a convenção de muitas décadas, decidiu meter-se a fundo na campanha (como vai agora engolir o que disse e trabalhar numa transição tranquila, veremos).
Michelle Obama que, apesar de toda a simpatia e projeção mediática, simplesmente falhou na mobilização do eleitorado afro-americano.
A comunicação social progressista que levou a candidata ao colo e patrocinou sistematicamente os ataques moralistas a Trump (aliás, inventaram os Republicans for Clinton, que evidentemente não existem eleitoralmente, mas esqueceram-se dos Trump Democrats que, sim, existem e muitos deles são latinos e mulheres), nomeadamente o NYT, a CNBC e a CNN.
Todo o universo das sondagens e especialistas da estatística eleitoral que não perceberam o que estava a acontecer; o terramoto do mapa eleitoral passou-lhes ao lado.
Os artistas e os intelectuais que prejudicaram a candidata com a arrogância do discurso dos americanos bons (minorias, mulheres, brancos com estudos) e dos americanos maus (brancos sem estudos).
E o movimento feminista que evidentemente não soube compreender o voto feminino (“inesperadamente”, muito dele foi para Trump) (in A revolução dos “deplorables” e a derrota histórica do “establishment” boquiaberto por Nuno Garoupa)