Ponto um. É verdade que a desaceleração da
economia portuguesa não aconteceu só após a posse do actual governo. Ela já vem
a cair desde o segundo semestre de 2015, seja porque se agravou a crise em
países como Angola e Brasil, seja porque os investidores começaram a temer os
resultados das legislativas de Outubro, seja porque Passos Coelho e Maria Luís
Albuquerque se concentraram mais na tentativa de ganhar as eleições do que nas
contas do país. O número do défice estimado pelo governo PSD-CDS para 2015 era
de 2,7%. Portanto, quer o défice tenha sido 4,4%, 3,2% ou 3,0%, é sempre lícito
afirmar que Passos Coelho e a sua ministra das Finanças falharam as metas a que
se propuseram.
Ponto dois.
É verdade, contudo,
como sugere a própria Maria Luís Albuquerque, que se o governo de António Costa
quisesse que o défice de 2015 se situasse abaixo de 3% não teria tido grande
dificuldade em consegui-lo, já que o cálculo final envolve discussões com a
Comissão Europeia sobre o que são medidas extraordinárias e medidas estruturais.
O próprio INE reportou no final de Março uma estimativa para o défice de 2015
de 4,4%, incluindo a intervenção no Banif, que dizia ter correspondido a 1,4%
do PIB. Quando se retira 1,4 a 4,4 o resultado não é 3,2. Em Maio, o Conselho
de Finanças Públicas reiterou que o défice de 2015 foi de 3% sem Banif,
alertando, contudo, para divergências na classificação de certas medidas. Se
António Costa e o PS agora enchem a boca com os 3,2%, não é apenas por esse ser
o número avançado pela Comissão Europeia, mas porque lhes dá imenso jeito
empurrar a responsabilidade pelo procedimento por défice excessivo para o
anterior governo, diminuindo em simultâneo a exigência para 2016.
Ponto três.
É absolutamente mentira
que a única coisa actualmente em causa seja a actuação do governo PSD-CDS, por
muito que António Costa apareça todos os dias na televisão a insistir nessa
ideia e a repetir “anterior governo” a cada duas frases. Ainda ontem ele encheu
uma conferência de imprensa com ironias deslocadas: “qualquer medida hoje
adoptada seria insusceptível de corrigir aquilo que foi orçamentado em 2015”.
Eis o nosso pândego primeiro ministro a praticar a sua especialidade política:
desconversar sobre o acessório para não ter de conversar sobre o essencial.
Porque o essencial é isto: as reversões do seu governo são um disparate
absoluto, despudorado e criminoso tendo em conta o estado em que se encontra o
país. E elas têm tudo para empurrar novamente Portugal para os braços da
bancarrota assim que o BCE deixar de comprar dívida portuguesa em quantidades
cavalares (números de 31 de Maio: 17 mil milhões de euros adquiridos até agora,
ao ritmo de 1,5 mil milhões por mês).
Ponto quatro. A agência
Reuters não está certamente sob o comando da direita portuguesa e a notícia que
justificou a conferência de imprensa de António Costa não deixa qualquer margem
para dúvidas. O lead era este: “The European Commission on Tuesday will give
Spain and Portugal three more weeks to take steps to correct their excessive
deficits and avoid fiscal sanctions.” Que eu saiba, “tomar medidas para
corrigir os défices excessivos” não inclui alugar mesas de pé de galo para
entrar em contacto com o fantasma dos défices passados.
Não, não é com o passado que
Bruxelas está ocupada – é com o presente. E não, não é com Pedro Passos Coelho
que Bruxelas está preocupada – é mesmo com António Costa. (por João Guerra Tavares no Público)