…qualquer governo que resultar da
negociação pós-eleitoral vai ficar mal, faça o que fizer. Se cumprir as
promessas, verá a тройка regressar em breve; se tiver juízo e proceder como a
situação exige, é crucificado por engano aos eleitores que não perdoarão o
terrível choque quando a dureza da realidade for compreendida por um país
mergulhado em ilusão.
A culpa da ratoeira é do anterior
executivo, que mostrou incapacidade para realizar reformas verdadeiramente
sólidas e duradouras. Mas a esquerda não se pode dizer inocente, pois sempre
negou a emergência nacional e foi-se opondo violentamente até às tímidas
medidas ensaiadas.
Se a coligação PSD-CDS se mantiver
no poder, haverá uma certa justiça poética, sofrendo ela as consequências da
sua timidez reformista. Mas a situação mais irónica é a de um governo do PS.
Presidindo ao longo desequilíbrio que precipitou a crise e vendo-se forçado a
pedir ajuda externa, esteve na oposição durante a execução da austeridade.
Então fingiu hipocritamente opor-se às medidas indispensáveis.
Quando a expectativa se mostrar
cruelmente falsa, o governo anterior, agora na oposição, dirá credível mas
hipocritamente que deixou o país em boas condições, pelo que a culpa dos
sofrimentos, realmente inevitáveis, cabe toda à liderança de esquerda. A qual,
por sua vez, carrega dois problemas adicionais. O primeiro é a falta de
credibilidade junto de mercados e parceiros, seja pela sua aberrante composição
ideológica seja pelas promessas ilusórias que insiste em apregoar. O segundo é
que António Costa tem de enfrentar todas as dificuldades enquanto executa um
número de verdadeiro malabarismo político. Precisa de, com as duas mãos, manter
no ar, sem nunca se tocarem, pelo menos quatro bolas: PCP, BE, ala esquerda e
ala direita do PS, os inimigos mais irredutíveis da política portuguesa.
Por ilusão do povo e cobiça
política, estamos a entrar num período de surpresa e desilusão, até a troika
voltar com maioria absoluta. (in João César das Neves
no Diario de Noticias)