quinta-feira, 29 de outubro de 2015

até a troika voltar com maioria absoluta...

…qualquer governo que resultar da negociação pós-eleitoral vai ficar mal, faça o que fizer. Se cumprir as promessas, verá a тройка regressar em breve; se tiver juízo e proceder como a situação exige, é crucificado por engano aos eleitores que não perdoarão o terrível choque quando a dureza da realidade for compreendida por um país mergulhado em ilusão.
A culpa da ratoeira é do anterior executivo, que mostrou incapacidade para realizar reformas verdadeiramente sólidas e duradouras. Mas a esquerda não se pode dizer inocente, pois sempre negou a emergência nacional e foi-se opondo violentamente até às tímidas medidas ensaiadas.
Se a coligação PSD-CDS se mantiver no poder, haverá uma certa justiça poética, sofrendo ela as consequências da sua timidez reformista. Mas a situação mais irónica é a de um governo do PS. Presidindo ao longo desequilíbrio que precipitou a crise e vendo-se forçado a pedir ajuda externa, esteve na oposição durante a execução da austeridade. Então fingiu hipocritamente opor-se às medidas indispensáveis. 
Quando a expectativa se mostrar cruelmente falsa, o governo anterior, agora na oposição, dirá credível mas hipocritamente que deixou o país em boas condições, pelo que a culpa dos sofrimentos, realmente inevitáveis, cabe toda à liderança de esquerda. A qual, por sua vez, carrega dois problemas adicionais. O primeiro é a falta de credibilidade junto de mercados e parceiros, seja pela sua aberrante composição ideológica seja pelas promessas ilusórias que insiste em apregoar. O segundo é que António Costa tem de enfrentar todas as dificuldades enquanto executa um número de verdadeiro malabarismo político. Precisa de, com as duas mãos, manter no ar, sem nunca se tocarem, pelo menos quatro bolas: PCP, BE, ala esquerda e ala direita do PS, os inimigos mais irredutíveis da política portuguesa.

Por ilusão do povo e cobiça política, estamos a entrar num período de surpresa e desilusão, até a troika voltar com maioria absoluta.  (in João César das Neves no Diario de Noticias)